Se algum dia vier a processar alguém, com certeza terá que ver com o tempo. Tenho este relógio dentro de mim, que me impede de deixar de sentir os segundos passar e de ter sempre as horas contadas mas, principalmente, não me deixa andar para trás. Seja na vida (acho que nunca chumbei a nada, porque morreria de desgosto de ter perdido tempo em aulas para nada), mas sobretudo a viajar.
Há uns dias deixei Hebron para ir fazer uma caminhada no deserto da Judeia e “mandar um relax” no Mar Morto, mas levava comigo aquela incerteza adorável de quem não sabe se voltará ou para onde seguirá. E o tal relógio serviu de bússola. Uma vez decidida a rota, foi pegar Palestina acima. Não consegui voltar a Hebron onde tinha um bolo de anos – sweet 21 in Palestine! – com o meu nome e muito amor à minha espera, mas passei por Belém (sim, é linda e fui ver a estrelinha onde Jesus nasceu e não, não tem nada de aldeia com telhados de palha), por Ramallah (a capital), e agora estou de partida de Nablus, casa do maior campo de refugiados, de uma riqueza cultural imensurável e massacrada pelo exército israelita, em 2002. Pela frente tenho o norte de Israel (Haifa e a caminhada que liga Nazaré ao Mar da Galileia), e depois, se tudo correr bem na fronteira, Zaatari, na Jordânia, a 13 quilómetros da fronteira síria, onde estão cerca de 130 mil refugiados.
Embora ande empenhada em ver, testemunhar e perceber esta terra onde vim parar, não me tenho sentido muito útil. Saltito de família em família, já atravesso barreiras militares como se parte da minha existência fizesse e, abençoada com o amor desta gente de destino assombrado, carrego uma mensagem valiosa e um entendimento cada vez mais fundamentado, só não vejo solução ou esperança credível.
Ainda assim, sinto-me bem. Nada é fácil, nada é óbvio e há sempre surpresas, mas tudo é bonito e ser internacional tem as suas vantagens. Dias mais divertidos virão, agora é apenas tempo de pôr a mão na consciência.
P.S.: Este texto foi escrito na tarde de dia 26 de Novembro e, nessa mesma noite, foram mortos 3 palestinianos em Hebron, por “terrorismo”. Ironicamente, de imediato decidi voltar, e só depois estive uma hora às voltas, à luta com o relógio. Acabei por mandá-lo à fava e ceder de vez: de que me vale estar na Palestina, se não for para ir a correr quando as coisas acontecem? Não vai ser bonito, mas vou lá estar.
P.S.2: Assim sendo, os planos de cima mantêm-se, mas só a partir de Sábado. Aproveito e vou já visitar Bilin – terra em protesto contra a corrente construção de um muro – e Halamish, um colonato ainda na Cisjordânia, onde tenho um convite para pernoitar, e espero que a curiosidade não mate o gato…
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