Podia ser um circo. Arrumavam-se as sobras da noite, numa ordem lenta de quem dormiu poucas horas. Juntam-se os animais, as roupas, as caras já sem tinta. A tenda cai, como o pano de um espectáculo, num gesto final de poesia. Partem. E não são palhaços. Nem acrobatas. Nem há luzes ou música ou representações. São os nómadas do Gobi. E a sua magia vem de toda a história que são. Vivem num deserto cheio de terra, longe daqueles feitos de areia da nossa imaginação. Quase sem água, com tão pouco verde e com um isolamento que se torna mais claro quando começamos a vê-los para além do que olham. Os cavalos, as cabras, os camelos são a sobrevivência de séculos. Transformam-se sem ilusionismos em carne, leite e trabalho. Numa repetição de sempre e que se prevê sem fim. Aqui o que muda é apenas o onde. Aquele que vai mudando de lugar. Na Mongólia, quando se sai das cidades, o espaço não é de ninguém. Mudam-se os sentidos de propriedade e o que é nosso deixa de ser quando nos deslocamos. Uma liberdade feita de justiça que guardámos num lado esquecido da memória. Vivemos uns dias assim, com aquelas pessoas e sós, como apenas se consegue viver em desertos que não se apontam em mapas. Aqui ensinaram-nos como se pode ser ilha. Mesmo quando se vive longe do mar.As crianças passam grande parte do ano longe das famílias. Ficam nas cidades a viver em dormitórios para poderem ir à escola. No Verão voltam a casa (onde ela estiver) e integram-se no quotidiano do deserto durante 3 meses.Os ventos siberianos fazem descer a temperatura no Inverno até aos 40°C negativos. No Verão chegam aos 50°C. O Gobi é o local com as temperaturas mais extremas do mundo. Para se protegerem destas condições os nómadas mudam de acampamento pelo menos duas vezes por ano.