01 – Taj Mahal – O amor eternizado num edifício que mais parece uma obra tirada dum livro de fantasia! Quando nos deparamos com o Taj, jamais o vemos como um túmulo, mas sim como um palácio, um imenso trabalho de arte, um sem fim de flores esculpidas, pedras de várias cores cravadas no mármore branco, um espaço de paz, um “paraíso na terra”, que foi a intenção maior do seu pensador, o Imperador Shah Jahan: um sítio onde a sua esposa favorita – a Imperatriz Mumtaz Mahal – fosse enterrada e aí descansasse. São aos milhares os visitantes diários e todos tentam, do mesmo sítio, eternizar nas suas memórias digitais, o Taj eterno!
02 – Gwalior – A cidade é conhecida pelo seu forte que foi descrito pelo Imperador Babur como “a pérola de entre todos os fortes da Índia”. Um forte medieval saído da cidade 100 metros acima do seu nível, com mais de três quilómetros de muralhas, com as suas torres redondas com azulejos em tons de azul e curiosamente, em volta de todo o forte, uma frisa com patos amarelos, que mais parecem saídos duma qualquer banheira, decoram e dão o toque final! Lá de cima, a vista sobre a cidade é magnífica, com todo um conjunto de templos, tanques, palácios e uma quantidade impressionante de interessantes monumentos que ainda estão fora do normal circuito turístico.
03 – Onde der! – Pode parecer repetição, mas a cada dia nos deparamos com uma nova situação que, na nossa cabeça de europeus “normais”, não faz qualquer sentido. Seja o desrespeito, a sujidade, o acto de defecar no meio da rua, a mentira, os pobres que comem do mesmo sítio onde cães, vacas, cabras, porcos fazem a sua vida. Porém, esta foi a primeira vez que, pedalando em direcção a Orchha, nos deparámos com um senhor que, cansado com certeza, abandonou a sua viatura no meio da estrada e deitou-se em plena via, atrás do camião, descansando! Problemas de barulho? Preocupação com atropelos? Acidentes? Nada disso, é onde der e relaxar! E nós rimo-nos da situação! Que mais fazer?
04 – Orchha – Esta foi a primeira cidade surpresa nesta Índia tão imensa. Orchha, uma pequena cidade de 10000 habitantes – já o número é irreal para este país – surpreendeu-nos pelos monumentos, pela vista perto do rio, pela paz que conseguimos encontrar quando nos afastamos do centro da cidade, caminhando apenas! Foram dois dias que podiam ter sido transformados numa dúzia, se soubéssemos com antecedência que tudo era assim. Foi dos primeiros pôr-do-sol afastados do olhar das gentes, com a silhueta dos templos e dos macacos, a acompanhar-nos!
05 – Túmulos – Orchha foi, entre o século XVI até 1783 a capital do Império Bundela. Os imperadores que aqui governaram, construíram uma cidade como nenhuma outra, cheia de palácios, templos e fortes e, aquando da sua morte, cenotaphs, túmulos que se seguem uns aos outros e crescem céu adentro, como se de grandes mansões se tratassem. São de uma beleza rara e encontram-se a uns meros 500 metros do centro da cidade e espelham-se no rio Betwa que ali atinge o máximo da sua beleza, escapando-se entre a floresta e as rochas que o atropelam. Contemplar esta parte da cidade ao fim do dia, observando todo o conjunto que constituí a cidade, todos os monumentos que lutam contra a floresta que os engole pouco a pouco, é uma das mais belas experiências. Um sítio a visitar, pouco turístico…ainda.
06 – Cor! – Este é um país onde uma das coisas que logo nos chama a atenção, é a cor! Nas casas, nas lojas, nas roupas das pessoas, sobretudo das mulheres, na pele, nos templos, na vida. Tudo se faz de cor, com cor, exagerando na cor. Orchha foi um dos muitos exemplos, mas o mais garrido, com toda a certeza. Tudo contrasta com tudo, tudo é uma pincelada levada ao limite. Como noutras cidades: Jodhpur, a cidade azul; Jaipur, a cidade rosa; só para dar dois exemplos, o nosso olhar absorve um sem fim de tons, uma paleta enorme de amarelos, azuis, verdes, vermelhos, pintados como registo máximo de uma vida que contrasta com a pobre vida dos habitantes da maior parte destas casas. Como um palhaço, que se ri por fora, quando por dentro pode estar chorar.
07 – Multidão – Pedalar na Índia não é divertido, pelo menos nesta parte norte do país. Lemos e relemos muitos relatos de pessoas que por cá pedalaram e uma coisa tinham em comum: todos pedalaram no sul ou nas montanhas. Neste trajecto que fazemos, encontrámos somente um e o seu relato, é similar ao nosso: um desespero. Por ser a parte mais povoada do país, não conseguimos ter um único momento em que estejamos sozinhos. Nem um! Quando paramos, seja para ir a uma loja, seja para comprar no meio da rua, beber um chá, remendar um furo ou apenas descansar, logo somos rodeados de meio-mundo-mais-um. Impressionante. Bombardeados de perguntas que não entendemos, de comentários que trazem gargalhadas, de olhares invasivos, de toques, de uma falta de privacidade inexplicável. Pedalar aqui, é trazer para junto de nós uma multidão de pessoas que já nos esgotou a paciência.
08 – Na imprensa – Depois de termos tido uma experiência num programa de televisão em Chandigarh, tivemos num só dia duas sessões de fotografias e entrevistas para dois jornais diários. Temos dado, em vários países ao longo desta jornada, entrevistas a jornais e dá-nos um gozo especial ter notícias nossas em vários idiomas, não porque nos coloque o ego em cima, mas porque é divertido ver as nossas caras e bicicletas estampadas – por muito mal que seja a impressão, como neste caso – em papeis rabiscados com caracteres ilegiveis! Sabemos o que dissemos, mas não sabemos o que diz a notícia, por isso ainda não a mostrámos a nenhum indiano. Isso, só mesmo depois de saber o que escreveram sobre nós!
09 – Khajuraho – Diz a lenda que Khajuraho foi fundado por Chardravarman, filho do Deus da lua Chandra. A dinastia Chandela construiu os templos pelos quais Khajuraho é conhecido, que sobreviveram cinco séculos, até cairem nas mãos do Império Mughal que, dos 85 existentes, deixaram pouco mais de 25. Não se percebe ainda hoje a razão da construção de todos estes templos, em pouco mais de 100 anos, já que a localização da cidade nada tem de interessante, além de que, nem hoje nem há mil anos atrás, tinha uma população considerável. O facto, é que o seu isolamento, permitiu a sobrevivência dos mesmos, frente a um Império muçulmano conservador. Com o ataque dos afegãos pela parte norte e com os templos a deixarem de ser utilizados como locais de oração, o abandono foi inevitável e a floresta tomou conta do local. Foi somente em 1838 que TS Burt, um oficial britânico descobriu este legado, considerando-os ordinários e despropositados, quanto à sua vertente erótica, mas de uma arquitectura sem igual. Pertencem à lista de Património Mundial da Humanidade, pela UNESCO, desde 1986.
10 – Figuras eróticas – Os templos construídos pela dinastia Chandela são conhecidos a nível mundial, não só pela sua impressionante arquitectura e pela maneira como muitos ainda sobrevivem, sem que as camadas de pedra que se erguem céu acima, encaixem umas nas outras, pousando somente, mas sobretudo pela cenas eróticas neles esculpidos. Cenas do Kamasutra representadas no grupo oeste dos templos, mostram a realidade da vida quotidiana, sem qualquer tabu. Dois elementos saltam à vista: mulheres e sexo. A representação é impressionante e destacam-se ninfas, cenas de bestialidade, voyerismo, sexo em grupo e mais umas tantas posições quase impossíveis. A sensualidade foi passada para a rocha de uma forma sem precedentes, tendo o seu auge em figuras onde mulheres aparecem com o seu sari molhado encostado às formas do seu corpo, em posições de erotismo máximo. A visita obrigatória na Índia, muito mais que um Taj Mahal.
11 – 12000kms – No nosso trajecto mais pacato – tão pacato, tão silencioso, que conseguimos pedalar uns 15 minutos sem que nenhuma buzina tivéssemos escutado, algo raro por estes lados – chegámos aos nossos 12000 quilómetros. Na altura de tirarmos a fotografia da praxe, porém, como paramos – algo “perigoso” na Índia – logo parou atrás de nós um espectador, claro! Claro que esperámos até que fosse embora, ignorando-o primeiro, depois olhando para ele seriamente e depois perguntando qual era o problema, se precisava de alguma coisa. Qualquer uma das tentativas foi em vão (já o sabíamos desde o ínicio, mas tentámos) e por isso, aproveitámos o cenário para tirar uma fotografia diferente!
12 – Chitrakut – Esta pequena cidade umas centenas de quilómetros abaixo de Agra, é conhecida pela pequena Varanasi. Os seus imensos templos, ghats e peregrinos, fazem desta cidade um local agradável para se passar uns dias. São muitos os convictos hindus que chegam todos os dias, das cidades mais próximas e que por ali ficam um dia inteiro, banhando-se, rezando e convinvendo com os outros peregrinos. Para nós a realidade é estranha. Não entendemos como podem ver nesta água pureza, de tão suja que está. Não entendemos como conseguem beber desta água, vendo mesmo ao lado pessoas a urinar, lavar a louça, a roupa, a si próprios. Não entendemos como pode este povo encontrar neste sem fim de ruído, a paz que procuram. No entanto, uma coisa é necessária para se viajar na Índia: deixar de questionar. Tudo acontece porque sim e sem que consigamos encontrar uma justificação. Tudo acontece ao contrário daquilo que é normal. Tudo acontece. Ponto!
13 – Vida nas Ghats – “Vamos ao rio e não te esqueças do sabonete e do champô, do sabão para a roupa, do detergente para a louça, da caneca para o duche, do óleo para o corpo, do garrafão para trazer água, das flores para a reza, das velas para os deuses, da escova dos dentes, da pasta, claro está e já agora, traz o teu irmão que há cinco minutos foi fazer as necessidades e não se lavou.” E a vida continua, sem que ninguém diga nada, normal, igual, como há duzentos anos atrás. Se voltarmos daqui a cem anos, a única coisa que muda será com toda a certeza a marca do sabonete, ou o papel onde vem envolvido. De resto, tudo será o mesmo e a água do rio, se ainda existir, continuará a servir quaisquer necessidades!