Saímos da Guatemala rumo à capital de El Salvador, San Salvador.
O Carlo tem um amigo arquitecto que trabalhou durante vários anos neste país, possui uma casa-estúdio na capital que divide com um colega seu, também arquitecto, o salvadorenho Luís Ramirez.
Foi este senhor que nos foi buscar ao terminal de autocarros e que de braços abertos nos recebeu na dita casa. Enquanto aguardávamos pela sua chegada, às 19h, chamou-nos à atenção a cidade deserta, sem um único peão a deambular pelas ruas. Os autocarros urbanos passavam por nós vazios, algo que considerámos estranho dado que esta é a sempre a hora mais conturbada das capitais.
O Luís levou-nos à nossa nova casa, que superou todas as expectativas que tínhamos. Uma casa muitíssimo bem projectada, de dois pisos e com um pátio interior cheio de plantas bonitas. De um lado encontram-se os dois estúdios, do outro a parte habitacional. Para nosso grande deleite, fomos presenteados por uma cozinha bem equipada que nos ajudou a concretizar as vontades da nossa gula.
Queríamos permanecer neste país uma semana, mas acabámos por ficar mais tempo, pois surgiu a oportunidade de realizarmos um trabalho para Portugal, escrever um guia temático sobre biodiversidade.
El Salvador é provavelmente o país mais perigoso da América latina.
Aqui não viajámos de mochila às costas, como sempre fizemos durante esta viagem. A segurança aqui é precária e a verdade é que nunca nos sentimos tranquilos de andar de um lado para o outro com todos os nossos pertences.
Habitualmente enquanto caminhávamos pelas ruas, cruzávamo-nos com grupos de patrulha de 10 militares que tentam controlar a violência da capital. Os gangues (Maras) são um problema grave neste país e as forças militares têm muita dificuldade em controlar esta situação.
De 1980 ate 1992 El Salvador sofreu uma guerra civil onde morreram cerca de 100 mil pessoas. Só ao fim de 12 anos é que o governo se reuniu com os guerrilheiros para chegarem a um acordo de paz. Nos anos ´80 cerca de 2 milhões de salvadorenhos, entre os quais muitos jovens, fugiram por terra até os Estados Unidos. Aqui, entraram em contacto com gangues americanos, tendo sido vitimizados por estes. Solucionaram o problema de uma forma drástica, reuniram-se também eles num gangue e denominaram-se Mara Salvatrucha ou MS-13.
Este grupo envolveu-se em várias acções criminais entre as quais trafico de droga ou armas e controlo de redes de prostituição. Muitos destes delinquentes foram detidos pela policia americana e extraditados para El Salvador. Este país, ainda com feridas por sarar provocadas por 12 anos de guerra civil, não oferecia oportunidades a estes jovens recém-chegados. Assim, rapidamente estes repatriados se reorganizaram em gangue no seu país natal disseminando um clima de total insegurança. A rede cresceu tanto que se propagou a outros países da América Central como Honduras e Guatemala.
Em apenas duas semanas pudemos perceber este clima em duas ocasiões.
Um dia estávamos em casa com o arquitecto Luís quando recebeu uma chamada telefónica; percebemos pelo seu tom de voz que tinha acontecido algo de grave. Quando desligou contou-nos que um amigo seu com quem tinha estado no dia anterior, tinha sido assassinado à frente dos seus filhos enquanto efectuava o trajecto casa-escola.
Outro dia, encontrávamo-nos os dois a fazer compras no mercado de peixe e um sujeito com cara suspeita caminhava atrás de nós. Quando a vendedora da banca onde estávamos a comprar perguntou ao sujeito que pretendia ele respondeu: “Estou aqui para roubar e matar!”. Rapidamente foi levado pela polícia.
Só para que se tenha uma ideia, este país que tem uma área de um terço de Portugal, registou 22 assassinatos num fim-de-semana.
Permanecemos as duas semanas na capital (onde tínhamos uma casa segura). San Salvador é uma cidade que não prima pela beleza (com uma arquitectura desarmoniosa) ou pela oferta cultural. É perfeitamente compreensível que assim seja, pois este país além de contar com vários vulcões, encontra-se sobre uma falha tectónica e de 15 em 15 anos sofre um forte terramoto que destrói uma boa parte do território. Está constantemente a recompor-se de catástrofes naturais e da guerra. Apesar de todas estas circunstâncias, os salvadorenhos surpreenderam-nos pela sua forte perseverança, dinamismo, simpatia e disponibilidade.
Tivemos a sorte de acompanhar o arquitecto Luís a dois projectos onde se encontra envolvido de alma e coração.
Um deles consiste na construção de uma escola com fundos de uma ONG espanhola. Este projecto está a ser levado a cabo na cidade de Apopa, que se localiza a poucos quilómetros da capital. Aqui há cerca de 2000 crianças que não estudam pelo simples motivo de não existirem escolas suficientes, e as que existem não oferecem grande qualidade de ensino, uma vez que se encontram sobrelotadas.
Este projecto, irá receber crianças de várias faixas etárias, e conta inclusivamente com um berçário, escola primária e ainda para os mais velhos, oficinas de tempos livres. Estas têm como objectivo tirar os adolescentes da rua e evitar que os jovens integrem gangues.
Outro projecto interessante, consiste na construção de uma igreja no município de Aguas Calientes. Este projecto está a ser levado a cabo pelos habitantes da comunidade que se organizam diariamente em grupos de trabalho. A aldeia contava com una pequena igreja que já não tinha capacidade para todos os fiéis. Assim os mesmos habitantes juntaram esforços e conseguiram a verba necessária para a construção de um edifício mais amplo
As experiências que vivemos em El Salvador foram muito diferentes daquelas vivenciadas até ao momento, no entanto foi uma visita muito interessante, uma vez que aprendemos muito sobre a história e política deste pequeno país.
Custou despedir-nos de um novo amigo, o Luís, mas seguimos viagem rumo à Nicarágua.