De Aroche a Sevilha deveriam ser uns 130 quilómetros, pelo que de manhã tomei um pequeno almoço, reconfortante depois de uma noite mal dormida. Percebi então que o meu organismo não estava a reagir bem aos alimento sólidos e só me apetecia líquidos. Antes disso ainda mudei o pneu à bicicleta e o sol da manhã para mim era o prenúncio de um dia complicado, por causa do calor.
Não sei se há algo em Aroche que valha a pena ver, mas que me desculpem os “aronchenses”: É que eu estava com pressa para chegar a Sevilha e lá voltei à Nacional 433, marcada com uma sinalética exemplar e que ía indicando, em contagem decrescente, os quilómetros que faltavam para Sevilha. Desta vez não iria complicar e sabia que tinha de dosear o meu esforço, depois de enorme tirada do dia anterior, pelo que segui em passo descontraído, sem forçar os músculos, já de si fatigados, das minha pernas. Mas poucos quilómetros depois da minha saída de Aroche o primeiro furo do dia. O arranjo do pneu não tinha ficado nas melhores condições e nas subidas, o peso do alforge criava uma pressão suplementar e o resultado era inevitável, mais tarde ou mais cedo. Demorei cerca de meia hora na resolução do problema mas outro problema maior me esperava: Bem-vindo à Serra de Aracena. E agora é que eram elas… subidas de mais de dois quilómetros, descidas rápidas que nem davam para descansar e assim sucessivamente por mais de 100 quilómetros. Foi um dia inteiro nisto e para se perceber da dificuldade que tinha pela frente, basta dizer que a determinada altura, para percorrer cerca de 12 quilómetros, foram precisas quase duas horas. Não sabia se ia aguentar, para ser sincero, mas de uma coisa tinha a certeza: Nunca tinha bebido tantos líquidos em toda a minha vida. No final do dia calculei que tivesse bebido cerca de 12 litros, entre água e bebidas energéticas. O engraçado é que não sentia vontade nenhuma de urinar. Suar suava, mas o bafo quente do vento apagava os rastos visíveis do meu esforço. Quase sempre que via uma povoação parava e abastecia de água com que enchia os cantis e onde misturava um produto energético em pó, com sabor a limão. Passada meia hora aquilo que pretensamente deveria ser um refresco passava a chá autêntico, por força do calor, mas como era com sabor a limão, posso dizer que até se tornava agradável.
Quando deixei a serra de Aracena para trás e avistei Sevilha lá ao longe enchi-me de uma energia renovada e pedalei a um ritmo forte, com médias de mais de 28 quilómetros.
É já às portas de Sevilha que encontro Juan, que na sua bicicleta de corridas foi de uma simpatia a toda a prova. Pai do ciclista espanhol António Piedra, que participa na Volta a Portugal, Juan levou-me por becos e vielas, sentidos proibidos e sinais vermelhos, até ao coração de Sevilha, onde a majestosa catedral se mantém, imponente e intocável.
Contou que a cidade tem mais de 60 quilómetros de ciclovias e um sistema de aluguer de bicicletas em que se compra um cartão tipo passe que custa dez euros por ano e assim se pode usufruir dessas bicicletas, o que pude comprovar a olhos vistos. Tirámos fotos, trocámos contactos e não pude deixar de agradecer toda a simpatia de Juan. Não fosse ele ainda andava à procura da entrada para Sevilha. Precisava, no dia seguinte, de fazer uma revisão na bicicleta e Juan indicou-me uma loja não muito longe dali. Foi-se embora com um sorriso e a desejar-me toda a sorte do mundo e procurei um quarto por ali perto o que não demorei a encontrar. Por vinte euros e às portas da Catedral não podia pedir melhor. As ruas do centro histórico eram verdadeiras vielas, não tendo mais de dois metros de largura, o que lhe dava um ar aconchegador. Turistas por toda a parte e de toda a parte acabavam sempre por desaguar na imensa catedral que dominada Sevilha.
Tomei um duche e fui jantar a um restaurante árabe, por indicação do dono da pensão. Desta vez não vomitei e o ar condicionado do quarto funcionou perfeitamente, o que trouxe algum bem-estar nesta verdadeira aventura. Adormeci a pensar nas pessoas que me são chegadas e a sentir saudade de casa. A aventura continua.