A data está anunciada: 2027 será o ano em que se atinge a AIG – Inteligência Artificial genérica, ou seja, quando o computador se torna tão inteligente como o ser humano. O impacto já é visível em Silicon Valley. As Big Tech já não contratam programadores, pois os Large Language Model (LLM, como o ChatGPT) já conseguem programar ao nível de um licenciado. Nos telemóveis e nos computadores pessoais há um “assistente pessoal” à nossa espera, para nos suavizar o dia a dia. Tanto pode encomendar-nos o almoço, utilizando o nosso cartão de crédito, como sumariar um relatório que temos de rever e sobre o qual opinar.

Mas a corrida não termina em 2027, outra já se iniciou: a corrida para a superinteligência (ASI – artificial super inteligence). Possível, porque a AIG se torna capaz de programar de forma mais eficiente e célere do que qualquer programador humano – autocopiando-se num exército de programadores virtuais; tantos quantos os data centers permitam processar.

Prometem-nos a superinteligência, um mundo com descobertas científicas que eliminam doenças, controlam a poluição e onde as máquinas se tornam nossos conselheiros – os mais inteligentes e informados da História da Humanidade. Seremos felizes para sempre.

Existem céticos. Daniel Kokotajlo e a sua equipa publicaram um cenário informado do futuro (ai-2027.com). Lê-se como um thriller de Hollywood, mas não tem um final feliz em nenhum dos dois subfinais. Seria menos preocupante se os seus autores não fossem reconhecidos pela sua experiência e o seu know-how e se, em 2021, Kokotajlo não tivesse já realizado um exercício semelhante – para o período 2022-2026 – que se mostrou bastante preciso.

O cenário concretiza os riscos que, no desenvolvimento dos LLM, têm sido detetados. Como é o caso da dificuldade em garantir o alinhamento dos modelos com os princípios-base definidos pelos programadores. Honestidade e eficiência não são sempre fáceis de conciliar e os LLM, treinados em dados humanos, parecem ter dúvidas semelhantes às nossas quando confrontados com as regras e os incentivos. Os programadores classificam a performance e os LLM sabem-no e procuram obter a melhor pontuação, mesmo que para tal tenham de mentir.

O cenário incorpora as dinâmicas empresariais e políticas. Seja a corrida para uma vitória, que permitirá à empresa vencedora o monopólio do mercado (e o retorno do investimento milionário em curso). Sejam as tensões geoestratégicas com a China na corrida pela dianteira na inovação.

Refletindo a atual realidade regulatória, a Europa e o resto do mundo assistem, incapazes de intervir, sem jurisdição sobre as Big Tech. E, sobretudo, sem compreensão da dimensão da revolução em curso, pois não têm acesso ao status dos progressos realizados. Embora o Regulamento da Inteligência Artificial proíba determinadas práticas e obrigue ao cumprimento de obrigações para algoritmos considerados de risco elevado poderem ser colocados junto do público, não prevê a obrigatoriedade de as Big Tech reportarem antecipadamente os desenvolvimentos em curso, para análise e decisão. O cenário, num dos finais, prevê uma intervenção na gestão da Big Tech pelo governo dos EUA e a partilha de decisão, via presença no “conselho de administração”.

No cenário, como na realidade, cada um de nós – o cidadão comum – se encontra alienado das decisões, sendo confrontado com o resultado, sem qualquer voz ou intervenção.

A publicação do ai-2027 visa acordar-nos deste torpor. Alertar para os perigos, que as próprias Big Tech reconhecem. É imprescindível tornar central no discurso público a questão do futuro tecnológico que desejamos. Acelerar a celebração de um tratado internacional que assegure uma efetiva supervisão das Big Tech e, quando necessário, uma moratória na investigação, que permita decisões ponderadas em prol do bem comum. Uma via seria o reforço das obrigações já previstas na Convenção-Quadro do Conselho da Europa sobre a Inteligência Artificial, de que os EUA já são parte. Dizem-nos “temos de ganhar”. Mas ganhar o quê?

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Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

1. Tem sido apontada como uma das consequências mais graves de o Chega (CH) haver eleito mais deputados do que o PS o facto de agora ser André Ventura o “líder da oposição”. O que obrigaria, por exemplo, a que numas próximas eleições, no debate final que as televisões costumam promover, entre o líder do partido de governo e o seu principal opositor, ele tivesse de ser entre Montenegro e Ventura (ou quem lhes suceda). Ora, creio não ter isto qualquer fundamento.

De facto, a ideia de um “líder da oposição” só faz sentido em bipartidarismo, quando há dois partidos únicos ou dominantes que se alternam no poder. É o caso dos EUA e do Reino Unido – e foi até agora, mas deixou de o ser, de Portugal.

Assim, entre nós não há agora “um” líder da oposição”, até porque não há “uma” oposição, e os dois maiores partidos que não estão no governo, com número de deputados aproximado, são “oposições” completamente diferentes.

Não há, aliás, nem na Constituição nem em qualquer norma legal, referência a “líder da oposição”. E apenas na ordem de precedência do protocolo do Estado aparece, na oitava posição, o “presidente ou secretário-geral do maior partido da oposição” – não partido da oposição com maior representação parlamentar.

E então, qual é o “maior partido”: o CH que tem mais dois deputados no Parlamento português ou o PS que tem mais votos?; o CH que tem um deputado no Parlamento Europeu ou o PS que tem oito?; o Chega que elegeu 19 vereadores ou o PS que preside 148 câmaras e 1 248 freguesias?, etc., etc. É óbvio que a realidade pode mudar, mas neste momento o “maior” ou principal partido da oposição continua a ser o PS.

2. Após o desastroso resultado nas legislativas, as autárquicas são o principal desafio e objetivo do PS. Julgo inevitável que desça em relação a 2021, o máximo a que pode aspirar, e não fácil de conseguir, é continuar a ser nelas o partido mais votado. 

Em tal contexto, as presidenciais passaram a ter para o PS uma relevância, até um “dramatismo”, que antes não tinham. E também relativamente a elas o partido está numa posição difícil. Porque não tem nos seus quadros uma figura incontestável e que possa ser um provável vencedor, nem criou condições para apoiar um candidato não militante do partido que pudesse sê-lo. Na minha opinião, a quase certa candidatura de António José Seguro não tem hipótese de chegar a uma segunda volta; a de António Vitorino decerto não se concretizará, e a concretizar-se tem algumas vulnerabilidades; a de Augusto Santos Silva sobra-lhe em termos intelectuais e curriculares o que lhe falta em simpatia e empatia para ter votos.

Não militante do partido, mas em 2016 apoiado por Mário Soares e Jorge Sampaio, além de Ramalho Eanes, nunca foi considerado António Sampaio da Nóvoa, que contra Marcelo conseguiu ultrapassar um milhão de votos, cinco vezes os que obteve a então presidente do PS Maria de Belém.

Entretanto, Gouveia e Melo continua a navegar em mar calmo e com vento a favor. Creio que beneficiando até, como já aqui escrevi, de críticas injustas e amiúde contraditórias que lhe têm sido feitas, mormente por boa parte da “multidão” de comentadores de serviço. Não cabe agora analisar aqui essas críticas, nem expor outras que podem ser feitas. Sublinho apenas que na entrevista que deu à TVI-CNN o candidato mostrou moderação, contenção, bom senso. Num posicionamento “central”, com independência dos partidos e recusa de ser aproveitado pelo Chega, que lhe convém e vai cultivar. A escolha de Rui Rio para mandatário afigura-se positiva para o almirante, sem prejuízo das ondas que levanta e de nas figuras mais conhecidas que têm aparecido a apoiá-lo predominarem as do PSD.

Assim, estão a faltar-lhe as de outras procedências. E, sobretudo, personalidades relevantes da sociedade civil, em particular do pensamento, da cultura, da ciência, da academia, etc. Seja como for, a sensação que tenho é de que Gouveia e Melo, até pela sua figura, pela sua presença e pela sua forma de falar, transmite aos eleitores uma forte sensação de segurança, sem pôr em perigo a liberdade.

À margem

A “chacina” dos palestinianos

O povo palestino continua a ser vítima, em Gaza, de um verdadeiro “massacre”, de uma “chacina”, cada vez mais qualificado como genocídio por países e personalidades das mais variadas latitudes e ideologias. Nem se acredita que perante tanto sofrimento e tal horror, a desumanidade e a crueldade levadas ao extremo, que as imagens que todos os dias nos entram em casa mostram, haja quem não sofra também, não se indigne, não levante a voz. E é pelo menos lamentável que a reação da UE seja tão débil; é vergonhoso que países ditos civilizados, cristãos, continuem a vender armas a Israel.

Por isso subscrevi e apoio totalmente uma recente petição em que, nomeadamente, se apela a que Portugal reconheça o Estado da Palestina, juntando-se a 149 países que já o fizeram; se comprometa com as deliberações do Tribunal Penal Internacional; e impossibilite, em território ou águas territoriais nacionais, o trânsito e o transbordo de armas para Israel.

Na semana em que se inaugura mais uma legislatura, com a posse dos novos deputados, convém que nos caia a ficha: o espectro político partidário mudou completamente e a democracia, tal como a conhecemos, pode vir a sofrer, no futuro, alterações drásticas. Sem qualquer processo de intenção sobre o Chega, podemos, no entanto, basear-nos nas práticas de partidos da sua família política, como o Fidesz de Viktor Orbán, na Hungria, ou no discurso de dirigentes  do partido – nem sempre o do seu líder e fundador, André Ventura… – que decalcam Donald Trump. Primeiro, há que definir dois tipos de democracia: a democracia liberal, que já conhecíamos, que garante direitos, liberdades e garantias às minorias (políticas, étnicas, religiosas ou sexuais) e às oposições. Recentemente, porém, surgiu um novo conceito, que é o das “democracias iliberais”, que define uma espécie de ditadura do vencedor, com a subjugação, ostracização, perseguição ou anulação de todos os que não seguem o líder ou a maioria circunstancial – que, por estas razões, se perpetua no poder – e que se aplica, no próprio partido, aos contestatários da sua liderança (como temos visto).

Diz-se – e dizem os partidos da direita radical e populista – que são forças democráticas, que observam as regras de democracia e que querem legitimar-se em eleições. O problema é o que fazem quando conquistam o poder. E a prioridade, pelos exemplos observados na atualidade e ao longo da História – a começar pelo movimento do “socialista” Benito Mussolini, nos anos 20 do século passado… –, é a da mudança das regras.

Não se faz aqui, repetimos, qualquer processo de intenção sobre o Chega ou os seus planos para o exercício do poder. Na verdade, ainda não abrimos o melão. Mas poderemos elencar o que faria qualquer partido da sua família política. Em primeiro lugar, se tivesse força ou parceiros, tentaria alterar a Constituição. Mas, como isso é difícil, há um monte de normas que poderiam, a jusante, ser manipuladas ou modificadas. Para isso, um tal partido e um tal governo seguiriam estes “dez mandamentos”:

1. A asfixia da imprensa livre e o banimento daquilo a que chamam o “jornalixo”. Isto feito por todos os meios fiscais e legais, apoios, contratos, publicidade institucional, pressão e chantagem sobre clientes privados que compram publicidade nos meios, etc.

2. A asfixia, nomeadamente, financeira, das universidades, com purgas de professores não alinhados com a situação.

3. A asfixia e o controlo dos órgãos de informação do Estado, e a chantagem com as televisões privadas – no plano de concessão das licenças, publicidade institucional, pressão e ameaça de punição sobre os anunciantes (com perdas de licenças, raides do fisco ou o fim de contratos com o Estado), etc.

4. Instrumentalização (em vez da privatização) da RTP, como grande veículo de propaganda do governo, com o ajustamento nas direções, na redação, nos analistas e nos comentadores.

5. Desrespeito pelas minorias (sobretudo, as minorias políticas), através da intimidação, no Parlamento, dos outros deputados, do bullying sobre estes parlamentares e sobre os cidadãos não alinhados, da perseguição da oposição, mediante bots e hordas nas redes sociais, do recurso sistemático à desinformação e da vingança pessoal sobre os “inimigos”.

6. Pressões sobre a Justiça, nomeações nas direções das polícias e nos tribunais, a começar pelo Constitucional, e controlo dos órgãos reguladores.

7. Encerramento de outros órgãos reguladores. Asfixia financeira de fundações e ONG independentes.

8. Subversão de concursos públicos do Estado para favorecer empresas amigas (e financiadoras).

9. Consciência de que o monopólio da violência garante o poder. Adulação das forças de segurança, aumento da arbitrariedade da polícia, encorajamento de milícias digitais e mesmo populares (informais), com fechar de olhos a ajustes de contas políticos, por via da ameaça, da violência física ou da eliminação de adversários, sobretudo, a nível local.

10. Tentativas de fraude eleitoral, incluindo intimidação dos delegados de partidos concorrentes em mesas de voto.

Com mais ou menos alterações, são estas as estratégias de um partido hegemónico e iliberal, dominado por um homem forte. De Mussolini a Orbán, de Putin a Erdogan, de Trump a Maduro. E a grande dúvida é se André Ventura entra neste registo ou se a institucionalização de um partido com 60 deputados – e uma progressiva diversidade de eleitores e apoiantes – acaba por diluir a natureza pura e dura do populismo de Estado.

Golpe de vista

A pedra no sapato

A escolha de Rui Rio para mandatário da candidatura de Gouveia e Melo é um lance arriscado, mas que pretende demonstrar a penetração do almirante num partido que devia apoiar, em peso, Luís Marques Mendes. Entretanto, o candidato independente continua a afastar-se do Chega, o que cria uma dificuldade a André Ventura: no pé em que as coisas estão, ou Ventura vai a jogo ou dá parte fraca. E esta é a principal pedra no sapato de um líder triunfante que só esperava boas notícias, este ano.

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Território é tudo e tudo está no território.

Cada vez mais associamos, e bem, a qualidade de vida ao valor do território, designadamente no que respeita aos recursos (ar, água, solo, biodiversidade…), a tudo o que se poderá sintetizar por terroir. Na verdade, nós somos a terra onde nascemos e/ou vivemos, que nos proporciona um modo de vida onde os pilares essenciais a uma existência digna e feliz são cultural e fisiologicamente mais identitários. Um lugar, a nossa terra, com o qual nos identificamos totalmente, que sentimos fazer parte de nós. O solo, a água e a paisagem onde nascemos. O terroir do nosso corpo, da nossa alma, onde somos mais felizes porque é aqui, na terra que nos sentiu nascer, que melhor nos sentimos. Aqui temos nome e os outros, os vizinhos, conhecem-nos. Por muita desmaterialização, muitas vezes questionável, que nos apregoem, os recursos essenciais à vida – solo, água e ar – continuam a ser locais. Esse lugar, esse pequeno pedaço de território, na primordial vida local, espera e pede a nossa ação, a expressão do que cada um tem de melhor para a valorização e qualidade de vida de todos os que aí habitam. Só vivendo o local podemos saber os seus limites, os seus recursos, o seu clima, os seus patrimónios e cultura. Aqui, nesta tangível dimensão, podemos tocar, sentir, cheirar e fazer, usar plenamente os cinco sentidos. Cada vez mais, os lugares necessitam das ações de todos para que possam existir e afirmar-se, não se diluírem num global intangível onde nada podemos fazer. Afortunadamente, sobretudo no Portugal despovoado e vazio, há bem mais do que bons exemplos, quase um contínuo de expressão identitária e de autenticidade. Na prática, por estas terras há muita gente a fazer coisas, a construir território.

Vila Alva, pequena aldeia do concelho de Cuba, terra centenária marcada pelo vinho da Talha, aqui designada por Tarecos devido à sua menor dimensão. Há poucas décadas, havia mais de 70 pitorescas adegas, em cada casa uma pequena adega, ao lado de inúmeras tabernas, autênticas catedrais do Cante. Foi acabando, até que há uma década um movimento de renascimento começou a germinar. Uns qualificados jovens, com profundas raízes à terra, com vida por outras paragens, em vez emigrarem, restauraram a velha adega do avô, o Mestre Daniel e fundaram a XXVI Talhas, um sucesso com muito trabalho, mérito e arte. Há poucas semanas, aconteceu o 3.º Vinho na Vila, um fim de semana que atraiu milhares de pessoas à aldeia, inúmeros eventos, com dezenas de adegas abertas com singulares produtores de todo o País. Gente da terra que faz história e constrói território.

Ainda no Alentejo, a norte, a Herdade das Servas na ímpar e exclusiva cidade de Estremoz. Desde 1667, há 13 gerações um território na mão da família Serrano Mira. Uma imensa história a fazer e a transformar território. Em plena crise do setor do vinho, marcado por um quadro contraditório de excedente de produção, num contexto de consumo desfavorável, em 2023 é assumida a palavra “regeneração”. Na prática, a vinha deixou de ser regada, os tratamentos deixaram de ser químicos e o solo foi deixado em paz. Há dias, aconteceu a 2ª edição do Regenerative Wine Fest, um evento dedicado à viticultura regenerativa. Um laboratório vivo com a partilha de dezenas de saberes. A história continua nesta ancestral terra.

Um último exemplo, na Beira Interior, no fascinante, natural e surpreendente Vale do Coa: a Faia Brava – Área Protegida Privada, com cerca de 1000 hectares, este ano a celebrar 25 anos. O património natural vivo e vivido, com enorme valorização de um dos territórios mais despovoados e naturais da Europa. Quanto vale a ação transformadora e qualificativa da Faia Brava na deslumbrante e épica bacia do Coa?

Como sempre e em tudo, Portugal é o país dos bons e excelentes exemplos. Quando, finalmente, chegará o tempo em que temos o Estado do nosso lado e os conseguimos generalizar?

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Um grupo de homens e mulheres resolveu lançar um manifesto chamado Reformar o Estado: Já Não é Cedo defendendo “reformas estruturais profundas”.

Confesso que já andava com saudades dum manifesto a pedir “reformas estruturais”. Bem sei que é uma coisa de velho, mas uma pessoa habitua-se a certas coisas, há um certo conforto na repetição que quando se é jovem não se aprecia tanto.

Não é por ter bons amigos e gente que respeito entre os signatários que reconheço a este bastante mais honestidade do que a similares iniciativas anteriores. Este manifesto, pela enunciação inicial e por todos os seus elementos serem abertamente de uma linha política, não deixa dúvidas sobre os seus intentos. O problema é não os revelar de forma clara e deixar-se cair em frases que estariam melhor em discursos de candidatura a Miss Mundo.

Depois de lembrar o que toda a gente sabe todos os minutos do dia, seja a complicada situação internacional, a incerteza, a desigualdade que vivemos em Portugal (a propósito, este índice melhorou nos últimos anos), o envelhecimento demográfico (a imigração tem ajudado a não piorar muito, por acaso) ou a degradação da confiança nas instituições, etc., declara que é preciso “reformar” o Estado para que ele seja eficaz para defender os mais desprotegidos. Também nos informa de que se deve “reformar” não por capricho tecnocrático, mas por exigência patriótica.

Ficamos logo a saber que há quem não queira “reformar” porque não está interessado em defender os mais desprotegidos e que há mesmo uns caprichosos tecnocratas que não são patriotas.

Parece que estou a fazer um exercício de ironia, mas não é o caso. Há aqui uma clara imagem dos tempos: há quem não queira defender os desprotegidos e uns caprichosos que não são patriotas. Ou seja, não se parte do princípio de que há quem tenha os mesmos dignos objetivos, mas que quer alcançá-los doutra forma. Nada disso, há os maus e nós, os bons.

Depois parece que os signatários vão propor qualquer coisinha quando falam de definir onde o Estado deve estar, mas afinal não. É só fumaça, uma parecida à que espalham de forma abundante quando declaram solenemente que é preciso promover uma melhor gestão, mas com escrutínio; é necessário evitar a rutura do contrato social; e é preciso dignificar as carreiras. Como diabo ninguém se tinha lembrado disto?

Aqui admito: ou se ironiza ou então os signatários deste manifesto acham mesmo que eles são os bons e os outros os maus que querem má gestão, rutura do contrato social e humilhar os funcionários públicos.

Ah, quanto ao que se quer do Estado, onde deve ou não estar e de que forma, nadinha.

Não me esqueço de que atrás escrevi que acho este manifesto honesto apesar de nada dizer de substantivo.

Em primeiro lugar, porque uma boa parte das pessoas que o assinam estão no espaço público e não escondem aquilo que defendem.

Por exemplo, não valia a pena dizer que querem definir onde o Estado deve estar, porque sabemos que querem menos Estado nas áreas sociais, mais participação dos privados e por aí fora. É mais do que legítimo que o defendam e que lutem por isso. É certo, podiam dizer que é também para isto que este manifesto serve, mas, de facto, não há quem não perceba sabendo quem assinou.

Também não querem enganar ninguém quando dizem que a atual configuração parlamentar é vista como uma oportunidade. Pelos vistos, uma situação em que o centro-direita e a extrema-direita têm mais de 2/3 dos deputados é uma oportunidade para reforma. Ou seja, reformas estruturais são uma coisa boa e possível quando há uma situação em que o centro-esquerda e a esquerda não têm voz na matéria. 

Convenhamos, as “reformas estruturais” não passam de vontades políticas. Como a política está malvista e as pessoas não têm coragem de assumir as suas convicções, resolvem arranjar uma expressão pomposa que querem que pareça anódina. Lembro-me de cortes cegos nas pensões e salários serem anunciados como uma “reforma estrutural”. O Orwell não diria melhor.

São decisões políticas que permitem que o Estado tenha menos burocracia, que dignifique carreiras, que torne a educação mais pública ou mais privada.

Como são opções políticas puras e duras que redefinem o edifício do Estado ou a sua intervenção na sociedade civil.

Tudo isso tem por base uma ideologia. É assim em democracia e é salutar que assim seja. O que não é nada saudável é pretender vender essa forma de ver o mundo e a comunidade como a única. Pior, a certa, a incontestável.

(Nota: esta doença está longe de ser portuguesa.)

Até ao próximo documento. Mas convinha que esse tivesse alguma substância e evitasse a novilíngua.

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Não tenho competências para traçar o perfil psicológico de Donald Trump e, mesmo que tivesse, também não me atrevia. Leio por aí que tem traços de personalidade narcísica e chega, por aí me fico. Pelo que observo, sobretudo no que diz respeito a tarifas comerciais, mas não só, constato apenas que o Presidente norte-americano tem ímpetos de espalha-brasas e que, após o primeiro impulso, muitas vezes, acaba por hesitar, titubear, recuar. Chame-se-lhe arrogância, soberba ou outra coisa qualquer, parece-me uma postura mais digna de um negociador do que propriamente de um chefe de Estado, mas adiante. Nada disto é novo, nada disto é de agora, nada disto nasceu com o estilo errático e a liderança transacional de Donald Trump: ao longo da História, o legado maquiavélico – ou a realpolitik, numa linguagem mais prosaica – sempre motivou muitas decisões políticas.

Do que aqui quero falar é da perseguição da Casa Branca à Academia. Em particular, da guerra travada contra as universidades da Ivy League, sobretudo contra Harvard, a mais abonada delas todas, com um fundo de reserva que ronda os 53 mil milhões de dólares. Posso até não estar bem a ver a cena, admito, mas o ataque às universidades, por parte de Donald Trump, parece-me um gigantesco tiro no pé (para ser simpática e não usar já a palavra estupidez, que, apesar de tudo, é um bocadinho deselegante).

Se não, vejamos: o Presidente da maior potência mundial, aquele que supostamente pretende devolver o orgulho nacional ao seu país, aquele que acima de tudo privilegia a “América primeiro”, agora arranja conflitos com as instituições em cuja força, em grande medida, se baseou todo o poder norte-americano das últimas décadas? Não se entende, e é com facilidade, parece-me, que se reconhece que as medidas lançadas por Donald Trump contra as universidades têm potencial para se transformarem num grande tiro no pé e até num tiro pela culatra.

O ataque dura desde março e, essencialmente, tem sido levado a cabo de duas maneiras: em primeiro lugar, através da expulsão de professores, investigadores e alunos e, em segundo lugar, através do corte de financiamentos. Houve até uma tentativa recente de travar as matrículas de estudantes estrangeiros, mas felizmente a juíza Allison D. Burroughs suspendeu a decisão da Casa Branca. Na semana passada, a Administração norte-americana voltou a revogar os contratos entre o Estado e a Universidade de Harvard que ainda estavam em vigor. Estima-se que o corte, desta vez, chegue aos 100 milhões de dólares, a somar à ameaça de outro corte, no valor de três mil milhões de dólares, e aos quase 3,2 mil milhões de dólares que já estavam congelados. Trump – que, entre muitos outros argumentos, diz que a universidade desrespeita “os valores americanos” – também já ameaçou pôr fim à isenção de impostos de que Harvard beneficia.

Quem pode pode e, por isso, diga-se de passagem, Harvard tem respondido à altura. Começou por litigar, exigir em tribunal o descongelamento das verbas já aprovadas e contratualizadas. Depois, acusou o governo de querer interferir. Logo em abril, o reitor, Alan Garber, dirigiu uma carta à comunidade na qual defendia a liberdade académica e a preservação de limites morais. Na semana passada, na receção da formatura, Garber recebeu uma ovação de pé quando deu as boas-vindas a todos os alunos. “Da rua de baixo, de todo o país e do mundo. De todo o mundo, exatamente como deve ser”, sublinhou. É mesmo isso, “como deve ser”. A justificação – “dever ser” – tem vindo a ser desvalorizada, mas está mais do que certa. Como pode alguém dizer-se muito patriota e, ao mesmo tempo, pôr em causa a espantosa capacidade dos EUA de promover a Ciência, fomentar a inovação e atrair o talento dos melhores do mundo?

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O católico milionário que nasceu há 69 anos na pitoresca cidade alemã de Brilon, na Renânia do Norte-Vestfália, tem um plano para tentar seduzir o 47º Presidente dos Estados Unidos da América quando, esta quinta-feira, 5, visitar a Casa Branca. Friedrich Merz, o antigo oficial de Artilharia das Bundeswehr (as Forças Armadas da República Federal da Alemanha) é conhecido por ser ambicioso, arrogante e obstinado. O encontro com Donald Trump será um teste à sua capacidade negocial. Gaza, Ucrânia, taxas alfandegárias, NATO e presença militar norte-americana na Europa são alguns dos temas óbvios da agenda. O que não é coisa pouca, a que se somam as eventuais surpresas e armadilhas que o anfitrião reserva aos seus convidados na Sala Oval, como se viu com Volodymyr Zelensky e Cyril Ramaphosa, respetivamente os chefes de Estado ucraniano e da África do Sul.

Vilnius A 45ª brigada blindada da Bundeswehr, com perto de 5 mil efetivos, tem a missão de defender a Lituânia e o flanco oriental da NATO

Qual então o objetivo de Friedrich Merz? Convidar Trump para uma visita de Estado a Berlim, com toda a pompa e circunstância que tal implica, mas não só. Desafiar o antigo rei do imobiliário nova-iorquino a deslocar-se, com todas as mordomias, a Kallstadt. Explicação: esta milenar localidade da Renânia-Palatinado, que chegou a ser um importante entreposto comercial durante o Império Romano e que faz parte dos principais itinerários turístico-vitivinícolas que ligam a Alsácia francesa à parte sudoeste da Alemanha, é o sítio onde nasceu Friedrich Trump, o aprendiz de barbeiro que emigrou para a América em 1885, aos 16 anos. O avô paterno do atual Presidente faleceu antes de cumprir 50 primaveras e, mesmo assim, conseguiu enriquecer e deixar uma pequena fortuna após beneficiar da corrida ao ouro na região de Klondike, Canadá, no final do século XIX ‒ os seus negócios, além do corte de barba e cabelo, incluíam também a restauração, a hospedaria e a prostituição, com a ordem aqui a ser aleatória. Quando morreu, já naturalizado e com o nome mudado para Frederick, era uma das figuras mais abonadas do bairro de Morrisania, no Bronx, cujos investimentos permitiram ao filho e ao neto serem depois magnatas da construção civil na Big Apple.

RENEGADOS E ENDIVIDADOS

Convencer Donald Trump a ir ao sítio de onde partiu o seu antepassado não vai ser fácil. Friedrich Merz vai seguramente sensibilizá-lo para a importância histórica de Kallstadt, onde residem apenas 1200 pessoas, e para a beleza dos vinhedos circundantes, mas há um problema prático. O Presidente dos EUA sempre renegou as suas origens germânicas. Na sua famosa autobiografia de 1987, escrita por Tony Schwartz, Trump alega que o ramo paterno da família é de Karlstad, na Suécia. Uma versão (falsa) que manteve até aos dias de hoje, talvez para desviar as atenções da condição humilde dos Trump que foram súbditos do antigo reino da Baviera.

Merz tentará convencer Trump de que as guerras comerciais não têm vencedores, mas o governo de Berlim admite taxar as grandes tecnológicas dos EUA em 10%

Convenhamos, porém, que Merz, ex-administrador da BlackRock (multinacional com sede em Nova Iorque e a maior gestora de fundos do planeta) tem bons argumentos para dar a volta  ao homem supostamente mais poderoso do planeta. A Alemanha é o país que acolhe o maior contingente militar norte-americano na Europa (ver caixa com números), distribuído por meia centena de bases ‒ incluindo a gigantesca Ramstein, sede do comando supremo para o Velho Continente e África, e a também estratégica Büchel, onde se concentra parte significativa do arsenal nuclear norte-americano no exterior. Desde o seu primeiro mandato (2017-2021) que Donald Trump ameaça reduzir a presença de soldados do seu país em território europeu e que acusa os governos deste lado do Atlântico de se aproveitarem da proteção militar de Washington e de não gastarem o dinheiro suficiente em segurança. Motivos que ele julga serem suficientes para pôr em causa os princípios basilares da NATO, sobretudo o artigo 5, de assistência recíproca (invocado uma só vez, e pelos EUA, na sequência dos ataques do 11 de Setembro), e exigir que os aliados aumentem os respetivos orçamentos de defesa para 5% do PIB. Este último requisito pode até converter-se num ultimato ou numa condição para o próprio Trump participar na próxima cimeira da Aliança Atlântica, agendada para Haia, nos Países Baixos, entre 24 e 26 de junho.

Na última grande reunião que os 32 ministros da Defesa da NATO tiveram, a 15 de maio, em Antália, para surpresa de muita gente, o titular alemão da pasta, Johann Wadephul, afirmou em conferência de imprensa que o seu governo está disposto “a seguir” a meta estabelecida pela Casa Branca, indo além dos 3,5% sugeridos pelo secretário-geral da NATO, o neerlandês Mark Rutte. Como pretende cumprir esse desiderato, e quando, é um mistério. Após vencer as eleições legislativas de fevereiro, Merz afirmou que “a Alemanha está de regresso” e que a independência da Europa face aos EUA era “uma prioridade absoluta”. Ainda antes de tomar posse, conseguiu aprovar no Bundestag, a câmara baixa do Parlamento, um pacote legislativo para uma série de investimentos em infraestruturas públicas e nas Forças Armadas através de um “fundo especial” de 500 mil milhões de euros, a ser usado nos próximos 12 anos. Um valor colossal, que nada terá que ver com os futuros orçamentos federais, e que é o resultado direto do fim do “schuldenbremse”, o até agora sacrossanto “travão ao endividamento” consagrado na Constituição, em 2009, graças ao apoio de mais de dois terços dos deputados ‒ curiosamente, com o beneplácito dos Verdes e do Die Linke (Esquerda, ex-comunistas).

MERZCRON E PORSCHES

Com uma dívida pública a rondar os 62% do PIB, a maior economia da Europa tem uma folga financeira suficiente para, em teoria, gastar à tripa-forra, como anunciou Merz a 14 de maio: “Queremos investir e reformar e voltar a ser a locomotiva do crescimento que o mundo inteiro olha com admiração.” Uma declaração de intenções que não passou disso mesmo e que, por se desconhecerem muitas medidas concretas do programa do atual governo (uma coligação tripartida entre os cristãos-democratas da CDU, a respetiva ala bávara, CSU, e os sociais-democratas do SPD), mereceu críticas imediatas. Com o detalhe de haver uma estranha consonância entre a Federação das Indústrias Alemãs (BDI, a entidade representativa dos patrões) e da IG Metall, o maior sindicato do país, com perto de 2,3 milhões de filiados e capaz de paralisar largos setores laborais, em particular as fábricas de automóveis. “Um tanque não poderá nunca substituir um Porsche”, garante Jürgen Kerner, um dos principais dirigentes da IG Metall, pondo em causa o programa de rearmamento do Executivo e o facto de algumas empresas históricas (Volkswagen, ThyssenKrupp, Mahle…) admitirem produzir material bélico. “Merz é um chanceler enfraquecido, sem aliados estáveis e com uma quota de popularidade em queda”, escreveu há duas semanas a revista Der Spiegel, destacando ainda o facto de três em cada quatro eleitores que votaram na CDU/CSU se sentirem enganados pelo chanceler e de, pela primeira vez, os populistas da Alternativa para a Alemanha (AfD) estarem em primeiro lugar numa sondagem realizada pela consultora INSA e publicada no tabloide Bild, com o título “Quebrada barreira mágica”.

Reconversões O programa de rearmamento do governo alemão está a fazer com que empresas históricas como Volkswagen, ThyssenKrupp e Mahle admitam produzir material bélico

O chanceler e os membros do seu governo são os primeiros a reconhecer que a Alemanha e o mundo estão a conhecer uma “era de rutura geopolítica”, conceito de que se fala no meticuloso contrato de coligação de 144 páginas negociado durante dois meses e meio por 256 representantes dos três partidos. O documento, como sublinha um relatório recente da Fundação Robert Schuman, recupera igualmente a ideia de “soberania estratégica” da União Europeia (UE), uma proposta da autoria do Presidente francês, Emmanuel Macron, em 2017, num discurso proferido na Sorbonne. “Nós estamos empenhados numa união europeia da defesa com o propósito de reforçar o pilar europeu da NATO. Nós queremos um verdadeiro mercado interno dos equipamentos de defesa com regras de exportação comuns e uma cooperação estreita em matéria de planeamento, de desenvolvimento e de aquisição”, é uma das promessas mais importantes do chanceler, a par do crescimento económico e da gestão dos fluxos migratórios, tal como ele já admitira durante a campanha eleitoral, sob pena de o país continuar em recessão e “cair definitivamente nas mãos da extrema-direita”. Palavras que poderiam também ser subscritas pelo chefe de Estado francês com quem Merz se parece entender às mil maravilhas (alguns média franco-germânicos já falam de Merzcron), ao contrário do que sucedia com o seu antecessor, Olaf Scholz. No entanto, as contradições e as incongruências dos dois dirigentes responsáveis pelo eixo Paris-Berlim sucedem-se. Na passada semana, ao participar, em Singapura, na conferência intergovernamental conhecida por Diálogo de Shangri-La, Macron defendeu uma “coligação de Estados independentes” que formem um género de “terceira via” face aos EUA e à República Popular da China. Estará a propor uma “pax europaea” (expressão já usada por Ursula von der Leyen, a presidente do colégio de comissários da UE) como alternativa à minguante “pax americana” e à possível “pax sinica”? Calculista, Merz, para já, não se compromete, embora tenha manifestado interesse em colocar o seu país sob a force de frappe (arsenal nuclear/força de dissuasão) de França. Donald Trump não precisa de saber falar a língua dos seus antepassados, basta-lhe saber destes cenários ou da intenção de Berlim taxar em 10% as grandes tecnológicas norte-americanas. Será o chanceler capaz de levar o Presidente norte-americano a Kallstadt ou, em vez desta cidade germânica, vamos ouvir falar muito mais de uma outra, Schrobenhausen, lugar onde se produzem os polémicos mísseis Taurus, e que os russos podem vir a bombardear como resposta ao ataque ucraniano de 1 de junho em que o Kremlin terá perdido mais de um terço dos seus bombardeiros estratégicos? Como é possível que o destino da Europa e do mundo ainda possam depender de um país cujos dirigentes inventaram as armas milagrosas (wunderwaffe) e se arrogam a capacidade de salvar a Humanidade (schicksal Deutschlands)?

Promessa difícil

Merz quer dotar a Alemanha com as melhores forças armadas (convencionais) da Europa

500 Mil soldados
Número de efetivos das Bundeswehr (Forças Armadas da República Federal da Alemanha) quando foram criadas, em 1955.

185 Mil soldados
Atual número de efetivos do país. A Polónia tem 216 mil, a França 205 mil e o Reino Unido 188.

60 Mil soldados
Número de efetivos adicionais, pelo menos, que a Alemanha precisa para cumprir as suas obrigações na NATO, segundo o coronel Andre Wüstner, presidente da DBwV, principal entidade corporativa (sindical) das Forças Armadas.

5 Mil soldados
Estimativa de novos soldados que o governo alemão pretende recrutar anualmente em regime de voluntariado. Merz e o ministro da Defesa, Boris Pistorius, já admitiram o regresso do serviço militar obrigatório, abolido em 2011.

Palavras-chave:

Quem, como eu, já cá anda há uns bons anos, conhece de ginjeira aquela velha máxima do futebol que afiançava que “o futebol são onze contra onze e, no fim, ganha a Alemanha”. Era, para quem acompanha com mais atenção estas coisas do futebol, uma daquelas certezas quase inabaláveis, sobretudo para nós, portugueses, habituados a quase nunca ver a Seleção Nacional a suplantar os germânicos. Ontem, porém, a equipa das quinas voltou a mostrar que o destino, afinal, não tem de ser fatal e que há formas de vencer. Não só a Alemanha, mas qualquer outra seleção. Ainda que, para isso, haja quem, como foi o caso do selecionador Roberto Martinez, tenha tido mais sorte do que juízo.

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