Quase de certeza que já leste uma obra de Luísa, ou leste nos manuais da escola excertos dos seus textos e poemas. Por outro lado, a escritora gosta muito de visitar escolas por todo o País e de conhecer os seus leitores, pelo que também já te podes ter cruzado com ela.
Cada Macaco no Seu Galho, Meninos de Todas as Cores, Aventuras do Zé Peninha e O Rapaz do Nariz Comprido são alguns dos mais de duzentos livros que já escreveu. Diogo quis saber onde vai desencantar tantas histórias.
Quando começou a escrever?
Foi aos 10 anos, comecei a escrever poesias. Tive uma professora que era mesmo fantástica, porque fazia de cada aula de Português uma festa, e nós começávamos a adorar os sons das palavras.
Ela fazia-nos representar os textos e declamar poesia e resolveu publicar alguns dos meus poemas no jornal da minha escola, o Liceu Francês. E eu, claro, fiquei um bocadinho contente.
Mais tarde, aos 13 anos, comecei a escrever pequenos contos, mas como medida de autodefesa, porque eu tinha um irmão mais novo que era diabólico, portava-se muito mal. Gostava de fazer de mim um cavalo e dizia: “Galopa, cavalo!”
Comecei então a inventar histórias com os seus heróis preferidos e algum humor à mistura. Ele gostou tanto que me dizia: “Se eu me portar bem, amanhã contas-me outra?” E foi assim que inventei muitas histórias, mas essas nunca as escrevi.
Era boa aluna a Português?
Era, sim, mas nada de excecional.
Onde se inspira para escrever as suas histórias?
Em tudo, até me posso inspirar agora em ti e nos teus bonitos caracóis e transformar-te numa personagem! Tenho, por exemplo, um poema chamado A Menina Feia [do livro Os Poemas da Mentira e da Verdade], inspirado numa menina que conheci numa visita a uma escola. Ela era vítima de bullying porque era careca, tinha um olho desfigurado e várias cicatrizes.
No intervalo, fui falar com ela e pedi-lhe para me contar a sua história. Ela contou então que vivia num bairro de lata, que a casa da sua família tinha ardido e os pais e os irmãos tinham morrido no incêndio. Mas a menina tinha uma voz tão bonita e doce, e um sorriso tão contagiante, que pensei que tinha de escrever um poema sobre ela.
Quais são os temas sobre os quais gosta mais de escrever?
Gosto é de variar, porque a monotonia aborrece-me! Gosto de escrever tanto sobre assuntos reais como fantasiosos e gosto imenso da tradição oral da língua portuguesa. Quando trabalhava na Biblioteca Nacional, durante sete anos consultei muitos livros de lengalengas, trava-línguas, anedotas, adivinhas e contos tradicionais. Recolhi tantos, que decidi escolher os mais apropriados para crianças e propus à editora Livros Horizonte publicá-los.
Foi o livro que demorou mais tempo a escrever?
Sim, foram sete anos de investigação. E o livro que escrevi em menos tempo demorou apenas duas horas, porque me saiu da imaginação. Chama-se Mãe, Querida Mãe. Fala da mãe-formiga, que é aquela que está sempre a trabalhar; a mãe-pata, que leva os filhos todos atrás; a mãe-leoa, que os defende com unhas e dentes; a mãe-foca, que está sempre a dizer “Vai tomar banho!”; a mãe-águia, que ensina os filhos a voar… Qual é o tipo da tua mãe, Diogo?
Sinceramente, é uma mãe-águia, que nos ensina a voar e nos dá autonomia para aprender. Tenho muito orgulho nela.
E fazes muito bem!
Luísa, dos livros que escreveu, qual é o seu preferido?
Isso é que não sei responder, porque, quando os começo a escrever, não sei o que vai sair dali e, quando os acabo, ponho-lhes todos os defeitos. [Risos.]
Porque é que escreve livros para crianças?
O primeiro livro que escrevi era para adultos, mas um dia, não sei porquê, decidi escrever um para crianças. Era A História da Papoila (Editorial Estúdios Cor, 1972), a minha flor preferida, símbolo da alegria e da espontaneidade.

Como não estava muito mal, fui a uma editora mostrá-lo. Quem estava na editora era o José Saramago, ainda pouco conhecido naquela altura. Disse-me para deixar o livro e voltar daí a um mês. Quando lá voltei, disse que tinha gostado muito e que o iam publicar rapidamente.
Para meu espanto, quiseram depois atribuir-lhe o maior prémio de literatura infantil daquela época, o Prémio Maria Amália Vaz de Carvalho. Ora, eu que costumava escrever muitos contos para o jornal Diário Popular, numa secção chamada Doutor Sabichão, pus-me a pensar: “Então eles [a Censura] cortam-me os contos no jornal e agora querem dar-me um prémio? Então expliquei que não aceitava o tal prémio.
O dono da editora ficou furioso, mas o Saramago disse: “Ó Luísa, faz muito bem, e para o ano quero que nos escreva seis livros!” E eu, que pensava que iria escrever para adultos, escrevi os seis, entusiasmei-me e continuei.
Prefere escrever à mão ou no computador?

Comecei por escrever tudo a lápis, porque gosto de apagar as palavras e não gosto de ver um texto todo riscado. Agora estou a ficar viciada no computador, mas poesia ainda escrevo à mão. Aliás, devo ser a única pessoa que escreve poesia em cima de uma gata.
A Margot gosta de se sentar no meu colo e eu, para não a afastar, comecei a pôr o caderno em cima dela. E não é que a gata gosta?
Costuma ler os livros que escreve?
Geralmente, não. Passo só os olhos quando estão prontos. Sabes quantos já escrevi? Mais de duzentos! Com tantos livros bons para ler, ia agora perder tempo a ler os meus! [Risos.]
Além de escritora, que outras profissões teve?
Quando estudava na faculdade, fazia traduções para ganhar algum dinheiro; fui consultora em algumas editoras; estive na direção de uma revista chamada Vida; trabalhei num jornal médico durante dez anos; depois estive no Ministério da Educação e trabalhei durante 30 anos na Biblioteca Nacional. Quando me reformei, comecei a andar em visitas pelas escolas por todo o País.
Para terminar, diga-me: para sermos bons escritores, em que é que temos de ser bons?
Essa é uma grande pergunta… E difícil de responder. Mas penso que o principal é amar a língua em que se escreve, senti-la e dominá-la. Imaginação também faz falta, e claro que ajuda ler outros escritores. Além disso, é preciso ter sensibilidade e os olhos abertos para o mundo, não só para o que se passa à nossa volta, mas também dentro de nós.
