Marcelo Rebelo de Sousa já tinha dito que ia marcar dois Conselhos de Estado para o outono. O primeiro foi convocado este domingo, para o dia 1 de outubro, e vai servir para o Presidente medir o pulso ao país político antes do arranque da discussão do Orçamento do Estado. O segundo deve acontecer lá para o final de novembro, já no rescaldo dessa discussão.

Fonte de Belém explica à VISÃO que o Presidente considera “muito importante haver reuniões do Conselho de Estado de reflexão política”, de forma genérica, e não só reuniões de reação a acontecimentos.

Neste caso, o Presidente quer ouvir os conselheiros, nomeadamente os que estão ligados aos partidos que podem ou não viabilizar o Orçamento, para “perceber o estado de espírito”, num altura em que já terão avançado as negociações orçamentais, mas em que Marcelo espera não haver ainda muita tensão e que haja ainda espaço para uma reflexão serena.

A data foi também escolhida a pensar que nesse arranque de outubro haverá já mais dados económicos e financeiros sobre a Europa e Portugal. Nessa altura deverão já ser conhecidos os resultados da negociação entre o Governo e Bruxelas à volta das novas regras orçamentais que, pela primeira vez, estabelecem limites à evolução da despesa líquida do Estado.

Em novembro, o momento será já diferente. E aí sim, o Presidente poderá ter de ouvir os conselheiros de Estado num momento politicamente mais tenso: caso, não se tenha encontrado saída para viabilizar o Orçamento.

As reuniões de negociação orçamental foram marcadas pelo Governo com as oposições para a próxima terça-feira, no Parlamento.

Que se saiba, a pessoa a viver mais tempo foi a francesa Jeanne Calment, que morreu em 4 de agosto de 1997, com 122 anos e 164 dias. No mês passado foi notícia a morte de Maria Branyas Morera, considerada até aí a pessoa mais velha do mundo, com 117 anos. Em Portugal, na última década, o número de centenários aumentou 77 por cento. E enquanto os artigos, publicados nos sites de notícias nacionais e internacionais, com os conselhos de quem passou a barreira dos 100 com relativa saúde se multiplicam, a comunidade científica procura as pistas para perceber como se chega lá.

Agora, um grupo de investigadores da Universidade de Copenhaga descobriu que há um gene em particular que parece ter uma grande influência na longevidade: a proteína OSER1.

“Identificámos esta proteína que pode estender a longevidade. É um novo fator pró-longevidade e é uma proteína que existe em vários animais”, anima-se Lene Juel Rasmussen, o autor sénior por detrás do novo estudo, publicado na Nature.

A OSER1 deve o nome ao seu efeito redutor do stress oxidativo (“oxidative stress-responsive serine-rich protein 1”) e os investigadores concluíram que a sua abundância aumenta a duração da vida em bichos da seda, nos vermes nemátodes e nas moscas, pelo menos, enquanto a sua falta tem o efeito contrário.

Os investigadores descobriram a OSER1 quando estudavam um grupo maior de proteínas reguladas pelo fator de transcrição FOXO. No total, encontraram 10 genes que afetam a longevidade, mas focaram-se neste, que mostrou ter um papel mais determinante.

A ideia agora é, claro, conseguir transformar este conhecimento em medicamentos direcionados a doenças relacionadas com a idade, como as metabólicas, cardiovasculares ou neurodegenerativas.

O futuro do ex-Presidente Jair Bolsonaro está em suspenso, à espera de uma decisão do procurador-geral da República do Brasil, Paulo Gonet, que avalia desde julho a acusação feita pela Polícia Federal para decidir se há ou não matéria para levar Bolsonaro e outros dez arguidos a julgamento, num processo que envolve uma tentativa de apropriação de joias que pertenciam ao Estado brasileiro. O caso abalou o Brasil e fez manchetes em todo o mundo, mas o escândalo provavelmente nunca teria rebentado se não houvesse uma sucessão de acasos, que passou por Portugal. Esta é a história de como se fez uma notícia que pode levar Bolsonaro para a cadeia.

Cascais, uma reunião por WhatsApp

Em janeiro de 2023, o Brasil sentia ainda as ondas de choque causadas pela invasão do Planalto, em Brasília. Deste lado do oceano Atlântico, Luís Carrijo vivia uma vida tranquila, em Cascais, gerindo à distância uma agência de comunicação. Numa tarde do final desse mês, a reunião semanal por WhatsApp com um cliente fê-lo, porém, tropeçar numa informação sensível.

Luís Carrijo O brasileiro, que vive em Cascais, tem uma agência de comunicação – e foi por acaso que a história lhe foi parar às mãos Foto: José Carlos Carvalho

Mauro Silva, o presidente da Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal, aproveitou a chamada para falar numa “fofoca” que corria entre os trabalhadores da autoridade tributária brasileira. “Uma colega chegou com uma informação, uma curiosidade. Ela trouxe essa informação como se fosse algo curioso. E eu queria saber de você se isso aí vale alguma coisa”, comentou Mauro. Do outro lado da linha, Carrijo quis saber pormenores. “Então, a gente tem uma notícia de que umas joias da Arábia Saudita do ex-Presidente Bolsonaro estão retidas na alfândega, no Aeroporto de Guarulhos, em São Paulo. Acho que tentaram entrar com as joias de um presente da Arábia para o Presidente.” Carrijo não teve dúvidas de que ali havia notícia. “Mauro, isso é muito sério.”

Durante esse mesmo telefonema, Mauro Silva passou a Luís Carrijo todos os dados que tinha e nas horas seguintes o assessor começou a fazer contactos. O primeiro foi para a colega de quem Mauro tinha ouvido a história. Ela repetiu o relato, mas não tinha visto as joias, tinha sabido através de um funcionário da alfândega de Guarulhos. “Eu levei alguns dias para poder levantar as informações básicas, comprovar a realidade dos factos, que aquilo realmente estava acontecendo, que tinha joia, que foi apreendida, que era do Bolsonaro, que estava na aduana”, conta Carrijo à VISÃO.

A escolha dos jornalistas

A história parecia firme, mas havia muito mais para investigar. Luís Carrijo decidiu que não era caso para a Associação dos Auditores Fiscais da Receita Federal fazer um comunicado. O melhor era passar a informação para os jornais. Mas, antes, foi preciso perceber se as personagens-chave estavam dispostas a falar com jornalistas. “Porque, às vezes, tem assuntos que estão sob sigilo muito forte e eles [os funcionários do Fisco] não podem revelar. Isso seria uma infração ética e disciplinar.”

A personagem principal era Mário de Marco Rodrigues Sousa, auditor da Receita desde 2006, que em outubro de 2021 barrou o assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, quando este foi apanhado num controlo de rotina à chegada ao Aeroporto de Guarulhos e se percebeu que dentro da mochila tinha um conjunto de joias avaliadas em cerca de três milhões de euros, que não tinham sido declaradas e não podiam entrar no Brasil sem pagar o imposto.

Havia joias apreendidas que tinham sido enviadas da Arábia Saudita para o Presidente Bolsonaro. Os ingredientes de uma bela história…

De Marco, como ficou conhecido, não só estava na equipa que detetou as joias como, já em 2022, resistiu à pressão do então secretário especial da Receita, Júlio César Vieira Gomes (o chefe máximo do Fisco), para libertar os itens apreendidos. E estava disposto a falar.

Luís Carrijo foi à agenda procurar os jornalistas a quem passar a história. Normalmente, os repórteres querem exclusividade, mas desta vez Carrijo entendeu que o melhor seria não deixar o caso nas mãos de um só jornalista. “A imprensa valoriza muito a exclusividade, mas como a gente não sabia se aquele assunto iria para frente ou não por conta da disponibilidade do jornalista, do interesse da chefia, do interesse do dono do jornal, por questões políticas, pressões, eu não podia ficar à mercê desse tipo de demora.”

A escolha dos jornalistas foi feita por critérios de “relacionamento, proximidade, confiança, renome, autoridade, credibilidade e seriedade”. E foi assim que Adriana Fernandes, jornalista de macroeconomia com mais de 30 anos de experiência, entrou na história. “A minha primeira reação foi de descrédito. Era muita cena de filme. Parecia mirabolante”, confessa à VISÃO a repórter que, na altura, estava a trabalhar no Estadão (diário de São Paulo). Apesar das dúvidas, Adriana contou a história ao seu editor e decidiu trabalhar no caso com o colega André Borges, que também tem quase 30 anos de experiência e com quem colaborou já em vários textos escritos a quatro mãos. “A gente passou alguns meses apurando essa história. Tinha muitas dicas, mas eram coisas fragmentadas. Faltavam documentos, imagens. Depois, achámos que íamos abandonar a história”, confessa André Borges.

Uma fonte que mudou tudo

Durante várias semanas, Luís Carrijo não voltou a ter notícias de qualquer dos jornalistas a quem passou a informação. “Depois de duas semanas, todos sumiram. Era como se não estivesse nada acontecendo. Mas eles continuavam, só que eu não estava sabendo”, conta.

“Houve períodos em que achava que não ia dar em nada. Foi a persistência. Tem de insistir quando tudo parece que não vai dar certo”, diz Adriana Fernandes. “Sei que havia outros jornalistas que estavam atrás da história. Achava que alguns deles podiam estar na nossa frente, mas ninguém conseguiu. Teve o fator sorte também, mas acho que foi o facto de ter fontes de anos, que é aquilo que a gente cultiva como repórter, que fez a diferença.”

Casal mediático A mulher de Bolsonaro, Michelle, num evento público, ao lado do marido

Foi num encontro com uma fonte que Adriana Fernandes e André Borges viram, pela primeira vez, a imagem que tanto procuravam. A foto das joias apreendidas estava no telemóvel da pessoa com quem falaram. “Essa pessoa mostrou na tela do celular que tinha a imagem, num encontro presencial. Só mostrou. Fiquei desesperado.” Sem saber o que fazer, André sugeriu tirar uma fotografia ao ecrã do telemóvel para ficar com a imagem. A fonte acabou por cedê-la. O sigilo nunca foi quebrado. “Já tem um ano e meio da primeira reportagem e não houve fugas de nenhuma das várias fontes”, frisa André Borges.

A manchete que parou o Brasil

“Na semana anterior à publicação, todos os jornalistas, por incrível que pareça, entraram em contacto comigo. Está faltando isto, está faltando aquilo”, recorda Luís Carrijo. O que faltava era a foto das joias. Mas Adriana Fernandes e André Borges já a tinham. A peça foi manchete do Estadão no dia 3 de março de 2023. “O governo Jair Bolsonaro (PL) tentou trazer ilegalmente para o País colar, anel, relógio e um par de brincos de diamantes avaliados em três milhões de euros, o equivalente a 16,5 milhões de reais. As joias eram um presente do regime saudita para o então Presidente e a primeira-dama, Michelle Bolsonaro, e foram apreendidas no Aeroporto de Guarulhos. Estavam na mochila de um militar, assessor do então ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, que viajara ao Médio Oriente em outubro de 2021”, lia-se no arranque do texto, que explicava que, segundo as normas do Tribunal de Contas da União, qualquer presente recebido por presidentes do Brasil pertence ao Estado e não à família presidencial.

Segundo a lei, qualquer presente recebido por presidentes do Brasil pertence ao Estado e não à família presidencial

“O que mais me surpreendeu foi que a notícia entrou no portal do Estadão e logo depois estava nas televisões, tamanho era o peso da matéria. Foi muito rápida a repercussão, 15 ou 20 minutos depois estava na televisão”, conta Adriana Fernandes. A manchete do Estadão foi só a primeira de muitas. Depois da história do conjunto de joias de Guarulhos, soube-se que Bolsonaro tinha conseguido fazer entrar ilegalmente no Brasil mais dois pacotes com joias que lhe tinham sido dadas como Presidente e que conseguiu vender nos Estados Unidos.

“Ao todo, foi cerca de um mês, publicando mais ou menos uma história por semana”, conta André Borges. Pelas notícias, o mundo ficou a saber que Jair Bolsonaro tentou pressionar os funcionários da alfândega de Guarulhos e que, depois de conhecido o caso, montou uma verdadeira operação clandestina para ir aos Estados Unidos reaver as joias que tinha vendido. Três homens de confiança de Bolsonaro, Mauro Cid, o então seu braço-direito que haveria de o denunciar num acordo com as autoridades, e dois advogados, foram de manhã aos Estados Unidos e voltaram nessa mesma noite ao Brasil, com as peças que compraram por um valor superior àquele a que tinham sido vendidas. “Fizeram uma operação de resgate e entraram irregularmente no Brasil”, lembra André Borges. A história acabou até por envolver a lenda da Fórmula 1, o bolsonarista Nelson Piquet, que se ofereceu para esconder as joias na sua fazenda em Brasília. Tudo isso foi sendo publicado e fez estragos na reputação de Bolsonaro. Um estudo de opinião do Datafolha mostra que 52% dos brasileiros acreditam que o ex-Presidente cometeu um crime ao vender as joias recebidas como presente para o Brasil.

Pressões de bolsonaristas

Nos dias a seguir à publicação da primeira notícia, André Borges teve de fechar a conta no Twitter, tanta era a pressão dos bolsonaristas. “Caí num lamaçal de extrema-direita. Fechei o perfil algumas semanas e depois retomei”, diz o jornalista, que algumas vezes se sentiu frustrado por achar que o Estadão não estava a dar ao caso o destaque que era devido. “Para nós era muito frustrante, mas era resultado de forças políticas internas no jornal. A gente teve poucas manchetes. Publicavam tudo, mas não era a matéria principal do dia. Isso frustrou bastante, levou a discussões. Mas a notícia se impõe. Era a manchete em todos os outros jornais e citando o Estadão.”

Retrospetivamente, Adriana Fernandes não sabe responder à pergunta sobre se a notícia teria sido publicada caso Bolsonaro ainda fosse Presidente. Mas sublinha a forma como várias instâncias públicas souberam resistir ao bolsonarismo. “Havia uma resistência do serviço público a coisas que não eram certas. Esses servidores da Receita Federal tiveram coragem, mas também o respaldo da estabilidade do serviço público para dizer não.” André Borges também não tem dúvidas de que “a lisura” dos trabalhadores da autoridade tributária brasileira foi fundamental para que o desfecho da história fosse este e frisa a resistência de quem soube dizer não àquilo que no Brasil se chama uma “carteirada” e que, basicamente, é quando alguém usa o seu poder para pressionar um subordinado.

História global O caso das “joias de Bolsonaro” fez manchetes no Brasil e em várias partes do mundo

O grau de detalhe com que se contou a história também foi importante. “Conseguimos todos os relatos dessas cenas, escrevemos isso detalhadamente e as imagens de vídeo foram mais tarde publicadas pela TV Globo”, recorda André Borges, que acredita que o facto de o esquema usado por Bolsonaro ser muito mais simples do que os expedientes financeiros usados noutros casos de corrupção foi fulcral para o impacto que teve. “A história mexeu tanto e pegou porque é de fácil compreensão. Está falando de um bandido que rouba joias.”

Apesar de não haver um prazo na lei, a expectativa, no Brasil, é de que o PGR se pronuncie sobre o caso depois das eleições municipais, que estão marcadas para 6 de outubro. Caso seja julgado e tendo em conta os crimes que estão em causa, que incluem associação criminosa, lavagem de dinheiro e peculato, Jair Bolsonaro pode acabar na cadeia.

Luís Carrijo sente-se o “garganta funda” dessa história. “Se não tivesse sido, primeiro, o auditor fiscal, que apreendeu, e a resistência do auditor fiscal às pressões, se não tivesse sido a fofoca, a atitude do presidente da associação de falar comigo e eu a identificar e a divulgar para a imprensa, até hoje isso estaria ainda oculto. Lá numa caixinha em Guarulhos.”

Palavras-chave:

Segundo a Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais DGRSP, as imagens de videovigilância mostram a fuga dos cinco homens por volta das 10h00 desta manhã, “com ajuda externa através do lançamento de um escada, que permitiu aos reclusos escalarem o muro e acederem ao exterior”.

No Facebook, o Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional divulgou as imagens dos homens ainda em fuga.

Os evadidos são dois cidadãos portugueses, Fernando Ribeiro Ferreira e Fábio Fernandes Santos Loureiro, um cidadão da Geórgia, Shergili Farjiani, um da Argentina, Rodolf José Lohrmann, e um Reino Unido, Mark Cameron Roscaleer, com idades entre os 33 e 61 anos.


Entre os crimes de que foram acusados estão tráfico de droga, associação criminosa, roubo, sequestro e branqueamento de capitais. Estavam a cumprir penas entre os sete e os 25 anos de prisão.

Em declarações à SIC, o presidente do Sindicato Nacional do Corpo da Guarda Prisional (SNCGP), Frederico Morais, alertou que os fugitivos “são extremamente perigosos”.

“Deixo aqui um alerta para a população: Se os vir, contacte a polícia, o 112, as forças de segurança locais, mas não interfira com eles, não tente interagir com eles, não tente recapturá-los, porque sem dúvida nenhuma que estes são indivíduos que para conseguir os fins deles não vão olhar a meios”, avisou.

O Sistema de Segurança Interna (SSI) indicou, entretanto, que já foi “agilizada a cooperação policial internacional” para a captura dos cinco reclusos.

“Como é possível estarmos fechados em casa com tanto para descobrir?”, questiona.  Aos 57 anos, Sofia Saldanha não dá sinais de querer parar. Mantém o fascínio pela fotografia, com o propósito de deixar para a posteridade “a beleza e a diversidade de pessoas, além de culturas ancestrais que tendem a desaparecer”. Reconhece ter ficado muitas vezes fora da sua zona de conforto nas suas viagens aos lugares mais inacessíveis do planeta, mas o maior risco, diz, é não ir atrás desta paixão que a realiza tanto.

O ambiente artístico vivido em casa dos pais plantou a semente. Quando era criança, Sofia lembra-se de ficar horas a fio numa espécie de sala escura, criada pelo pai, um entusiasta da fotografia. Mais tarde, durante os primeiros anos do seu casamento e o crescimento dos quatros filhos, a câmara era usada apenas para registos familiares.

Generosidade e autenticidade No Norte do Quénia, Sofia contactou diferentes tribos, vaidosas e orgulhosas das suas tradições

Quénia
A revelação

Planeou a viagem às tribos do Norte do país durante vários anos, mas, nas suas pesquisas, Sofia descobriu também uma ilha no oceano Índico, Lamu, cuja cidade velha (com o mesmo nome) está classificada como Património Mundial da Humanidade pela Unesco, a merecer um desvio prévio.“Foi um lugar de passagem de vários povos, por isso, guarda uma mistura de culturas e religiões (apesar de a muçulmana ser maioritária)”, conta. Uma ilha parada no tempo, onde não há automóveis e os burros são usados como meio de transporte. Nem todas as mulheres se vestem como a da foto, com quem comunicou por gestos e que lhe devolveu este olhar profundo.

Só quando os afazeres domésticos diminuíram, pôde começar a viajar: primeiro pelo País, depois pelo mundo fora, levando consigo o tripé. “Inicialmente, ficava inquieta por não conseguir controlar a luz, o foco e todos os pormenores técnicos… Fiz apenas um pequeno curso, mas aprendi, sobretudo, com a prática”, conta. “O olhar treina-se, o resto depende da nossa sensibilidade.”

O mote para as viagens era sempre a fotografia. “Mergulho completamente nos países, vejo coisas a que dantes não dava atenção”, explica. Começou primeiro por captar paisagens, desde a vastidão da Patagónia às auroras boreais na Noruega, passando horas à espera da luz perfeita.

Em África, descobriu a paixão pelos retratos. “Senti que era a minha vocação. Uma imagem nunca é igual, porque o olhar, o à-vontade e a entrega do fotógrafo fazem a diferença”, sublinha. Com a câmara na mão, tudo à volta desaparece.

À descoberta do mundo

Nos últimos anos, Sofia visitou povos nos quatro cantos do planeta e quase sempre viu superadas as expectativas. “Tive o privilégio de conhecer diferentes tribos e sinto-me na obrigação de partilhar esta convivência. Algumas são tocadas pelo turismo, mas ainda encontrei tradições ancestrais, que os mais velhos tentam manter. Não sei se serão a última geração a fazê-lo.”

Antes de partir, faz muitas pesquisas sobre o destino, que ajudam na aproximação às pessoas, e tenta socorrer-se de guias locais. “Peço sempre autorização para fotografar e os contactos às vezes podem ser muito rápidos, mas, ao mesmo tempo, muito profundos… Sinto uma responsabilidade enorme, por isso, tento dar o melhor de mim e enaltecer a pessoa, que tão generosamente acedeu a ser fotografada”, diz Sofia. “Fico muito sensibilizada pela forma acolhedora como tenho sido recebida.”

Brasil
A força da comunidade

Sofia foi ao encontro dos povos indígenas Krahô, no Cerrado, o segundo maior bioma brasileiro. “Já se sente a influência da civilização ocidental, porque a geração mais nova saiu para estudar, e embora mantenha orgulho nas suas tradições, são os mais velhos que fazem um esforço para as manter”, conta.

E tem sido assim por toda a parte, tanto nas tendas do povo Kazakh, na Mongólia, como nas aldeias dos indígenas Krahô, no Brasil. Não raras vezes, regressou a alguns lugares em busca dos retratados, para lhes oferecer o seu registo impresso. “É inexplicável a alegria que demonstram”, conta.

Nestes pontos remotos, onde a vida parece correr a outra velocidade, aprendeu algumas lições. Desde logo, encontrou “um respeito e uma preocupação muito grandes pela Natureza, e a adoção de modos de vida muito mais sustentáveis”. Viu-o na Tanzânia, um dos destinos que mais a marcaram, com o povo a lutar pela subsistência, afetada pelas alterações climáticas.

Mongólia
No rasto dos nómadas

Conheceu o povo Kazakh, caçadores nómadas que circulam pelas belíssimas e remotas montanhas do Altai. “Transportam as suas valiosas águias douradas no braço, que treinam durante o verão; no inverno, quando o território fica coberto de neve, as raposas e os lobos são presas fáceis”, explica Sofia. “Foi uma experiência única entrar nas suas enormes tendas, conhecer as suas famílias e provar a sua comida.”

Nota ainda que, nestas tribos, “os mais velhos são muito respeitados e representam sabedoria e conhecimento, ao contrário do que acontece nas civilizações do mundo ocidental, que veem as pessoas de idade como um fardo”. Aliás, o foco da sua máquina é naturalmente atraído pelo saber e pela experiência destes. Ficou igualmente agradada com o grande sentido de entreajuda nestas comunidades. “Quando alguém precisa de alguma coisa, todos se reúnem e contribuem.”

A lista de espera de destinos vai longa. Em outubro, Sofia Saldanha tem marcado voo para o Peru, para conhecer os quéchuas, os povos indígenas das zonas montanhosas, rodeadas de belos lagos, “uma viagem com alguma dificuldade por causa da altitude”. Vai estar fora de pé, mas a câmara irá ajudá-la a manter o foco.

Etiópia
A preservação das tradições

No sul da Etiópia, Sofia foi ao encontro das tribos do vale do rio Omo, “uma das viagens mais interessantes, mas física e psicologicamente muito difícil”. Na foto, vemos a tribo Hamer, numa das suas cerimónias. “Muitos destes povos remotos são pastores e a sua vida gira em torno da criação e do cuidado do gado, havendo constantes conflitos com outros grupos étnicos, em busca de água e novas pastagens para os seus animais que, no fundo, são a sua maior riqueza”, aponta.

Zanzibar
Aguarela viva

“É um lugar muito completo para fotografar”, revela Sofia. Nas plantações de algas marinhas, na vila de Pongwe, encontrou esta mulher fabulosa. “Senti-me no céu a fotografá-la, tinha uma elegância… Parecia que usava um casaco de peles!” O povo desta ilha do oceano Índico “vive quase exclusivamente do mar: as mulheres tratam da cultura das algas, que depois vendem a preços irrisórios para diferentes indústrias (cosmética, farmacêutica…); os homens dedicam-se à pesca”. Aqui tomou consciência do desafio das alterações climáticas, já que o aquecimento da água do mar está a pôr em risco este modo de subsistência.

Marrocos
O vizinho surpreendente

O país não estava nos planos de Sofia, mas durante a pandemia pareceu-lhe um lugar mais seguro para viajar, caso fechassem as fronteiras. “Foi uma experiência espetacular. Como é possível termos aqui ao lado modos de vida tão diferentes?” Em 12 dias, ficou surpreendida com os contrastes de Marrocos. Passou pelo deserto, por Marraquexe, Fez e Chefchaouen (na foto), conhecida como a cidade azul.

Índia
Cenário vivo

“Já fui, voltei e quero regressar”, confessa Sofia. “É um sonho para fazer retratos, porque os contrastes, as cores, os costumes, as pinturas, todos os pormenores chamam a atenção.” Encontrou estes homens nas cidades de Pushkar (à esquerda) e Varanasi (à direita). Já visitou várias regiões da Índia, muito diferentes entre si, e ficou tocada pela autenticidade das suas gentes.

Riqueza cultural Dentro de um país como o Quénia, cada tribo exibia diferentes padrões de beleza

Palavras-chave:

França assistiu esta semana, com horror, ao início do julgamento que envolve um homem que drogou a sua esposa ao longo de dez anos, disponibilizando o seu corpo inanimado num fórum virtual a mais de 70 homens, com idades entre os 21 e os 68 anos, que se dirigiam à casa da vítima para a violarem sexualmente. Um bombeiro, um jornalista, um comerciante, um reformado, um estafeta e, até mesmo, um agente prisional. Boa parte deles homens casados, pais, cidadãos aparentemente exemplares. O marido da vítima não queria dinheiro: ora queria filmar, ora participar na agressão. Tudo aquilo lhe dava prazer.

Ao mesmo tempo, no Uganda, o namorado de uma atleta olímpica regou-a com gasolina e ateou-lhe fogo na sequência de uma discussão. Com queimaduras em 80% do corpo, a mulher acabou por morrer. Há duas semanas, era publicada uma reportagem sobre um canal português de Telegram, com mais de 70 mil participantes, onde homens e rapazes partilham diariamente fotos privadas de mulheres, sem o seu consentimento, a par de informações pessoais sobre as mesmas e apreciações abjetas de cariz sexual sobre os seus corpos. A troca de informação trata as mulheres como peças de carne no talho. Há cerca de um mês, na Índia, foi encontrada, numa floresta, uma mulher algemada a uma árvore: o marido tinha-a ali deixado há 40 dias, com o intuito de ela morrer devagarinho. De todos os inimagináveis perigos e ameaças que esta mulher terá vivido, o pior foi mesmo o sadismo do homem que um dia jurou amá-la. Para sempre. Tudo isto devia dar-nos que pensar. 

A violência machista contra as mulheres é um problema à escala global. Transversal a países, continentes, classes sociais, crenças religiosas, idades. Não podemos generalizar e dizer que todos os homens são potenciais agressores. Não são. Contudo, não podemos fechar os olhos à realidade sobre estes crimes que, historicamente, pautam a vida feminina. Da violência doméstica à sexual: nem todos os homens, mas sempre um homem. Infelizmente, é uma absoluta constatação estatística. Sabemos, por exemplo, que na União Europeia são assassinadas, em média, 50 mulheres todas as semanas em contexto de violência doméstica. E que em território europeu, 1 em cada 5 mulheres já foi vítima de violência física e/ou sexual por parte de um parceiro ou ex-parceiro íntimo, número que sobe para 1 em cada 3 quando falamos da realidade mundial.

 A própria casa continua a ser o lugar mais perigoso quando se é mulher, sendo no seio relacional e familiar que mais agressões acontecem. São os homens com quem mantêm ou mantiveram relações de intimidade os seus principais carrascos, a par dos pais e dos irmãos. Na base está uma dinâmica de poder, aliada a um desrespeito e desumanização feminina a que assistimos diariamente. De forma sistémica, as mulheres ainda são tidas como “carne para canhão” para tantos homens que, em compadrio, alimentam tal ciclo de violência. Muitas vezes, os próprios agentes da máquina da segurança e justiça.

Não silenciem as mulheres com o #NotAllMen

Esta tomada de consciência sobre os efeitos perigosos da misoginia estrutural – ao contrário do que alguém me respondia há uns dias, a uma reflexão sobre os tentáculos das narrativas machistas – não serve para tentar meter as mulheres contra os homens. É, sim, uma necessidade absoluta de se tirar a cabeça de debaixo da areia e ir à raiz do problema. Problema este assente numa mentalidade patriarcal que continua a pôr a mulher num lugar de subordinação em relação ao homem, até mesmo logo na infância. E que alimenta, desde tenra idade, a agressão como resposta primária da suposta “boa masculinidade”. Principalmente quando se responde às mulheres que desafiam, seja de que forma for, essa equação em que o homem tem direito à palavra e vontade final.

 Cada vez que sai um caso mais mediático de violência misógina, surge amiúde a narrativa do #NotAllMen, ou em português, “nem todos os homens”. Como se o desconforto provocado pela assunção empírica de que os crimes violentos contras as mulheres são perpetrados esmagadoramente por uma maioria de homens, fosse um ataque direto aos que não o fazem. Não é. Percebo o desconforto. Contudo, é tempo de percebermos que este impulso automático de defesa da honra masculina facilmente se sobrepõe ao que nos devia realmente estar a incomodar a todos e todas: o facto de diariamente tantas meninas e mulheres continuarem a morrer ou a sofrerem as piores sevícias às mãos de homens. O problema é de género. E em vez de silenciarem as vozes femininas (que é, em boa parte, o que esta hashtag faz), talvez fosse mais importante ouvirem-nos. É o que os aliados fazem: ouvem, dão a mão e ajudam a ultrapassar o problema, tornando-se agentes ativos na alteração de paradigma.

É tempo de questionarmos porque persistem este tipo de comportamentos. Não só a desumanização implícita das mulheres, como a dinâmica predatória de poder, em bando. É urgente desmontar tais dinâmicas de hegemonia masculina. É urgente responsabilizarmos os agressores. É urgente ensinar também às mulheres a noção do direito à inviolabilidade dos seus corpos. É urgente educar para o respeito mútuo, independentemente do sexo ou género. É urgente, enquanto sociedade, deixarmos coletivamente claro que tais comportamentos não serão tolerados, nem tampouco sairão impunes. E é urgente que todos os homens que não são agressores – e são muitos! –, todos aqueles que estão do lado certo da narrativa, partam para a linha da frente da responsabilização masculina, de mãos dadas com as vítimas de agressões, ao invés de optarem pela apatia e o comodismo. Porque a revolta deve ser de todos, homens e mulheres.