Tudo se conjuga, no Médio Oriente, para o combate final entre Israel e o Irão. O Hamas e o Hezbollah são meros instrumentos por procuração de Teerão para desgastar o poder militar israelita, mas pressente-se que nada ficará como era até Outubro do ano passado.

Telavive destruiu a capacidade operacional do Hamas, está fortemente empenhada em acabar com o «Estado» dentro do Líbano que é o Hezbollah, com mais meios militares fornecidos pelo Irão, e para isso terá de usar forças terrestres para controlar e eliminar as posições do grupo terrorista.

Teerão sabe que não demorará muito a ter de enfrentar as Forças de Defesa de Israel. Esse combate está aprazado e levará a alterações geoestratégicas impensáveis há um ano. Quem desencadeou este inferno, inaceitável para todos, cometeu uma das maiores e mais irrefletidas decisões políticas e militares deste século – a outra foi a invasão da Ucrânia – , e isso deverá ser atribuído ao mandante e não apenas aos executores.

O Líbano poderá recuar décadas em mortes e sofrimento, para não falar de destruição, e a sua frágil paz interna, dificílima de alcançar, arrisca-se a desaparecer neste conflito entre Israel e o Hezbollah.

Apareceu mais uma tenda na esquina da Almirante Reis com a Rua Nova do Desterro, no antigo Hospital do Desterro, no centro de Lisboa. É mais uma, porque nos últimos meses multiplicam-se as pessoas forçadas a viver assim na rua. Mas esta tem uma carga simbólica. Está ali por pouco tempo, só o suficiente para denunciar um contrato em que o Estado vendeu um terreno por um preço, à luz das médias especulativas, pouco mais do que simbólico a um privado a quem a Câmara de Lisboa deu licença para construir mais um hotel e habitação de luxo.

“Este terreno foi vendido por 10,5 milhões de euros em dezembro de 2021 pela Estamo a um privado. Entretanto, houve alteração ao PDM que permite aqui a construção de um hotel e de habitação de luxo”, conta à VISÃO Nuno Ramos de Almeida, um dos organizadores do protesto que antecipa as manifestações convocadas pela plataforma Casa Para Viver, este sábado, por todo o País.

Terreno de luxo a preço de saldo

Ramos de Almeida faz as contas ao negócio. “Com uma área edificável de 18.705 metros quadrados, isso significa que a Estamo, que é do Estado, vendeu o metro quadrado a 561,32 euros”.

Os números do INE, divulgados em julho, apontam para um preço médio de 4.190 euros o metro quadrado em Lisboa. Quase dez vezes mais do que a Manside Investments pagou à Estamo, oito anos depois de ter assinado um acordo com a Câmara de Lisboa para a reabilitação do antigo Hospital do Desterro.

Na altura, no Idealista, a promotora anunciava que naquele espaço ia nascer um hotel de quatro ou cinco estrelas e uma “componente de alojamento mais descontraído”, ambas geridas pela Zero Hotels. O projeto ainda contempla uma área de restauração.

“O preço médio do metro quadrado é esse, mas aqui estamos a falar do centro de Lisboa, na colina de Santana. Mesmo que gastem o dobro em obras do que pagaram por metro quadrado, isso significa que um apartamento de 100 metros quadrados teria um preço de custo de 56 mil euros, um apartamento que podem vender por milhões”, denuncia Nuno Ramos de Almeida, para quem a história deste negócio é uma ilustração de como o Estado tem contribuído para a especulação imobiliária em Lisboa.

Segundo o site Idealista, em agosto de 2024 o metro quadrado na freguesia de Arroios estava nos 5.296 euros. Em setembro de 2022, pouco antes da Manside Investments assinar a escritura com a Estamo, o preço estava nos 4588 euros por metro quadrado. O que significa que um apartamento com 100 metros quadrados custaria nessa altura 458.800 euros e agora 529.600 euros.

“O Estado está a vender a um preço miserável o seu património e enquanto isso a Almirante Reis está cheia de tendas. Cada vez mais quem trabalha está obrigado a morar em tendas”, critica Ramos de Almeida.

Sem-abrigo em Lisboa aumentaram 25% no último

Segundo a Comunidade Vida e Paz, só em Lisboa há mais de 530 pessoas a viverem nas ruas, um número que subiu 25% no último ano. Um crescimento que é visível, segundo esta entidade, sobretudo em zonas como o Oriente, o Rossio, a Avenida Almirante Reis e a Avenida de Ceuta.

É em dados como este que o Casa Para Viver sustenta o protesto que vai acontecer este sábado, dia 28 de setembro, em várias cidades do País, entre elas Lisboa.

“Há cada vez mais lisboetas que são expulsos da cidade para ser construída uma cidade cenário para turistas. Somos um país pequeno no velho continente, mas Lisboa é a terceira cidade da Europa que vai abrir mais hotéis até 2026. São 36 novos hotéis e 4424 quartos”, lê-se num comunicado desta plataforma, que junta vários coletivos que denunciam o facto de este fenómeno ser cada vez mais nacional.

“Esta situação existe em outras cidades e regiões de Portugal, como Algarve, Lisboa e Porto com índices de Alojamento local muito superiores a cidades turísticas como Barcelona e Amesterdão”, afirmam os ativistas.

Isabelle Roskam tem 50 anos e é mãe de cinco filhos. Clara, a primogénita, nasceu um mês e uma semana antes de ela defender a tese de doutoramento, em Psicologia e Ciências da Educação, e ainda usava fraldas quando os gémeos Jeanne e Théo acabaram com o seu reinado de filha única.

Na década seguinte, imaginamos esta psicóloga muito ocupada, entre as obrigações de mãe e o emprego na Universidade Católica de Lovaina, na Bélgica, de início na admissão dos alunos estrangeiros e finalmente a dar aulas. Só quando já tinha os três filhos na escola é que seria mãe novamente, de Emma, hoje com 15 anos, e de Maxime, 9.

O facto de Isabelle ter cinco filhos aparece sempre no seu currículo, mesmo o mais abreviado, como que a sublinhar que não caiu de paraquedas no mundo da investigação da parentalidade. Também não é por acaso que a biografia oficial de Moïra Mikolajczak, de 45 anos, refere, em primeiro lugar, o facto de ser mãe de uma filha, Louise, e só depois que é especialista em inteligência emocional e dá aulas de Psicologia e Saúde, na mesma faculdade belga.

Em 2015, quem já conhecia estas duas psicólogas não estranhou ao vê-las iniciarem juntas um programa de investigação. Mas muito boa gente, ao saber que iam dedicar-se a estudar o burnout parental, se perguntou: “Como assim, os pais esgotam-se?”

Dois anos depois, e já munidas de dados irrefutáveis, Isabelle e Moïra lançaram o livro O Burnout Parental, agora publicado em Portugal, pela editora Pergaminho, em que ensinam como evitar e superar o desgaste físico, mental e emocional da parentalidade. A premissa é: sim, os pais podem entrar em exaustão. E convém estar-se atento aos sinais.

CULTURA INDIVIDUALISTA

O esgotamento, centrado na atividade parental, é o primeiro dos sintomas do burnout parental fáceis de reconhecer, elencou Isabelle Roskam, numa entrevista à revista francesa Parents. “Só a ideia de ter de passar um dia inteiro com as crianças deixa os pais sem energia. Não se trata de falta de sono, mas de um sentimento de fadiga e de saturação”, explicou. “E o cansaço físico provocado por estas ruminações pode, então, manifestar-se.”

Ao mesmo tempo, existe um distanciamento emocional. O pai ou a mãe esgotados funcionam “em piloto automático”, compara a especialista. “Não deixam de cuidar da criança, mas já não investem na relação com ela.” Uma ausência de partilha e de emoções que é uma forma de se “protegerem” de uma relação que se tornou demasiado stressante.

Por fim, conclui Isabelle, há a perda do prazer. “O progenitor estava muito envolvido, tinha um forte desejo de fazer bem, o sonho de construir uma família, e agora o seu comportamento contrasta com esse ideal.”

Só a ideia de ter de passar um dia inteiro com as crianças deixa os pais sem energia. É um sentimento de fadiga e de saturação

Isabelle Roskam, psicóloga

Nos últimos anos, o assunto tem trazido a comunidade científica cada vez mais interessada. Além da voragem dos tempos modernos, em cima da mesa está a constante busca da perfeição e, muito por culpa das redes sociais, a comparação entre pares. Mas há mais.

Isabelle Roskam e Moïra Mikolajczak lideraram um estudo pioneiro que envolveu mais de uma centena de cientistas de 42 países, e que em Portugal foi coordenado por Anne Marie Fontaine, professora da Universidade do Porto, e por Maria Filomena Gaspar, professora da Universidade de Coimbra e investigadora do Centro dos Estudos Sociais (CES).

O estudo, publicado em março de 2021, no jornal científico Affective Science, concluiu que os países ocidentais, sobretudo os mais ricos, onde as famílias em média têm menos filhos e há uma cultura mais individualista, são os mais afetados pelo burnout parental. Em Portugal, a prevalência era de 2% a 3 por cento.

“Nos países individualistas, há o culto à performance e ao perfecionismo, e isso tem sido estendido também ao exercício do papel parental”, sublinhou, então, Anne Marie Fontaine. “A parentalidade nesses países pode ser uma atividade muito solitária, diferentemente do que ocorre em culturas mais coletivistas, como é o caso dos países de África, em que há um envolvimento maior de toda a comunidade na educação das crianças”, comparou Maria Filomena Gaspar, na mesma ocasião.

ADMITIR AS DIFICULDADES

Não buscar a perfeição, não hesitar em pedir ajuda e aceitar que nem tudo é fácil – essa parece ser a trilogia básica para evitar o burnout na parentalidade. E talvez também pensar que ela foi sempre um desafio e continuará a sê-lo.

É isso mesmo em que acredita a escritora americana Jessica Grose, autora do livro Screaming on the Inside: The Unsustainability of American Motherhood (à letra, a gritar por dentro: a insustentabilidade da maternidade americana), editado em 2022.

“A parentalidade atual não é excecionalmente difícil”, defende a também jornalista, num artigo de opinião publicado no início deste mês, no The New York Times. “Como a discussão sobre a saúde mental é omnipresente hoje em dia, os pais podem é ter mais probabilidades de admitir que estão a passar dificuldades do que há dez, 20 ou mesmo 60 anos.” Será?

Jessica Grose recorre ao livro The Captive Wife, que a socióloga feminista britânica Hannah Gavron escreveu com base em entrevistas a quase uma centena de mães trabalhadoras e da classe média, para sustentar a sua teoria de que, no essencial, pouco mudou nas últimas décadas.

Muitas das 96 mulheres que a socióloga entrevistou relataram ter sofrido no papel de mãe. “Senti que também era um fracasso como pessoa”, disse-lhe uma delas sobre os seus primeiros dias a criar os filhos, contando-lhe que essa sensação de fracasso a fizera sentir-se sozinha e deslocada. “A paternidade e os cuidados com os filhos são agora um assunto altamente consciente em que se insiste na manutenção de um padrão elevado”, concluía Gavron.

Esse “agora” era no início da década de 60, há mais de cinquenta anos. A socióloga, que se suicidou em 1965, conseguia pagar a uma ama para tomar conta dos seus dois filhos pequenos enquanto dava aulas e terminava o livro (editado postumamente), mas sabia que nem todas as mulheres-mães tinham a sua sorte.

As mães continuam a ser as mais assoberbadas pela parentalidade. O que Hannah Gavron não antecipou foi que tantos pais-homens iriam juntar-se a elas na sensação de constante exaustão.

Os 4 sintomas característicos

Está-se perante esgotamento parental quando existe:

Exaustão no papel de pai – Manifesta-se a nível emocional (sentir-se incapaz de lidar com a situação), cognitivo (sentir-se incapaz de pensar corretamente) e/ou físico (sentir-se cansado). “Sinto-me completamente esgotado como pai”

Perda de prazer na parentalidade – Já não consegue lidar com o facto de ser pai, sente-se saturado. “Não gosto de estar com os meus filhos”

Distanciamento emocional – Falta-lhe energia para investir na relação com os filhos. Faz o que tem a fazer (levá-los à escola, preparar-lhes as refeições, deitá-los), mas nada mais. “Já não sou capaz de mostrar aos meus filhos que os amo”

Consciência do contraste – Não se reconhece a si próprio e tem vergonha do pai que se tornou. “Digo a mim mesmo que já não sou o pai que costumava ser”

Fonte: Parental Burnout Research Lab

LEIA TAMBÉM:
Fadiga: como travar o cansaço que nos consome
Os perigos da fadiga

Palavras-chave:

Define-se como uma “workaholic em recuperação”. “Às vezes, não é fácil manter as regras que defini em relação ao repouso”, confessa à VISÃO Jen Fisher, 48 anos, diretora de Sustentabilidade Humana da Deloitte, na sua passagem pelo Porto. Em 2015, tornou-se a primeira chief well-being officer da multinacional de auditoria, uma espécie de provedora do bem-estar, um conceito “sobre o qual não se falava dentro das empresas e parecia que tinha apenas que ver com aquilo que fazias fora do trabalho”. No início, reconhece, “abordávamos a importância do exercício físico, de uma alimentação saudável, ou do sono”.

Foi apenas durante e após a pandemia que sentiu ter existido uma real consciencialização do impacto do trabalho na saúde dos trabalhadores. Às dificuldades do confinamento acresceram as exigências laborais intermináveis, que encaminharam muitos até à exaustão. “Vivemos num mundo digital híbrido, onde as pessoas estão hiperconectadas, 24 horas por dia, e sentem-se sobrecarregadas, incapazes de acompanhar o ritmo… na verdade, não deveriam ter de o fazer”, admite.

Exercício O personal trainer Luís Cerca e a sua cliente Ana Costa fizeram uma capa da VISÃO de maio. Ana percebeu que precisava de mudar rotinas quando começou a isolar-se, a sentir-se cansada com tarefas simples e a perder o bom humor

Um dos factos mais tocantes no testemunho de Jen Fisher – uma das oradoras do Happiness Camp, conferência sobre felicidade corporativa que decorreu em meados de setembro no Porto – é a constatação de que, para esta doente oncológica recuperada, “o cancro [diagnosticado quando tinha 40] não foi o meu maior desafio profissional. Foi mais difícil lidar com o burnout, uns anos antes”. Isto porque “todos percebem a severidade de um cancro, por isso respeitam os teus limites, o teu descanso, e são muito compreensivos. Mas, como acontece com muitas outras lutas aparentemente invisíveis (fadiga, depressão, ansiedade…), durante o burnout muitas pessoas questionavam se o que estava a sentir era real. É mais difícil falar abertamente, ser vulnerável e pedir aquilo de que necessitamos se não temos um diagnóstico médico.” Quando o conseguiu fazer, sente que também deu espaço a uma maior partilha, transparência e confiança dentro da sua equipa.

Todos querem ser vistos como bons trabalhadores, que vestem a camisola da empresa e dão o seu melhor para atingir os objetivos. Mas Jen Fisher questiona: “Trata-se de trabalhar no duro ou trabalhar bem?” O autocuidado é essencial, defende, assim como estabelecer, respeitar e comunicar os nossos limites. “Quando comecei a falar neste tema na Deloitte, adotei o exemplo dos atletas profissionais, que sabem o quanto precisam de descansar e de recuperar para conseguir obter performances de alta qualidade – são muito diligentes com o sono e não treinam em excesso, porque sabem que isso conduz a lesões. Connosco acontece o mesmo: se não nos dermos tempo e espaço para descansar, vamos atingir o burnout”, aponta. Dizer não e estabelecer limites não é fácil. “Mas pense nisto como dizer sim a si mesmo ou dizer sim a algo que é mais importante, para que, mais tarde, possa estar no seu melhor.”

No best-seller Trabalhar Melhor em Conjunto, assim como nas suas palestras, Fisher espera incentivar mudanças nas lideranças. “Há um reconhecimento da importância do bem-estar das equipas, mas ainda não sabem muito bem o que precisam de fazer. Dar aulas de ioga ou colocar mesas de pingue-pongue não vai resolver o problema. Estão sedentos de soluções e não há soluções fáceis. Para problemas sistémicos, são necessárias respostas sistémicas”, conclui.

O cansaço arrasador

Mas, afinal, o que é a fadiga? “Não se trata de uma patologia ou de uma classificação diagnóstica. É um sintoma que, dependendo das circunstâncias, pode manifestar-se em pessoas saudáveis ou em pessoas doentes, com doenças de diversas ordens [ver caixa 7 Doenças em que o Cansaço É um Sinal de Alerta]”, descreve Gustavo Jesus. “Normalmente, refere-se a um cansaço que não passa, que pode ter manifestações físicas e psíquicas (ou ambas), e a uma necessidade de descansar mais do que o habitual para recuperar”, diz o psiquiatra e autor do livro 300 Mil Anos de Ansiedade. Numa sociedade que leva as pessoas ao limite e que valoriza quem dê 110% no trabalho (como se isso fosse possível), é natural que o stresse resulte em fadiga.

E qual é o mecanismo da fadiga? “Não sabemos, a evidência científica é muito débil”, admite o neurologista Filipe Palavra. “É muito mais do que um sintoma neurológico ou cerebral.” Nem tampouco se consegue explicar por que razão algumas pessoas são mais suscetíveis à fadiga. “É uma sensação subjetiva, um bocadinho como a dor… não temos maneira de a graduar e até é difícil de definir, porque manifesta-se de formas diferentes”, acrescenta.

Vivemos numa época de aversão ao vazio. Estamos constantemente à procura de um resultado, de consumar um projeto, de realizar qualquer coisa, mesmo em períodos de lazer

André Barata, filósofo

Assim sendo, também não há receitas universais para a combater. Mas há fatores reconhecidos de risco aos quais devemos estar atentos, como o sedentarismo, a sobrecarga de trabalho e de informação, a má alimentação ou os problemas de sono. Sem ser adepto de panaceias, Filipe Palavra recomenda: “Temos de manter o melhor possível a nossa saúde cerebral e, para isso, precisamos de controlar os riscos vasculares: não consumir açúcares ou gorduras saturadas em excesso, praticar exercício físico regular, ter um ritmo de sono adequado à nossa fisiologia (nem todos têm a necessidade de dormir o mesmo número de horas), e ter a oportunidade de, na loucura do dia a dia, encontrar momentos para carregar baterias.”

Não são só as solicitações laborais que nos sugam as energias. “As pessoas também complicam a sua própria vida, quando dedicam demasiadas horas aos ecrãs e não valorizam o repouso”, sugere o neurologista.

É do equilíbrio entre os nossos desafios e os nossos recursos que resulta a energia que temos. “Há pessoas com trabalhos muito exigentes e, às vezes, parece que a resposta imediata para a sua fadiga é fazer menos tarefas. Mas, ao falarmos com elas, percebemos que nunca aprenderam a fazer pausas. Quando tentamos imaginar momentos que signifiquem repouso, a certa altura começam a ver aquilo como mais uma atividade a colocar na checklist”, exemplifica Isabel Lage, psicóloga.

Power nap: sim ou não?

Há quem sugira as sestas como uma maneira fácil de relaxar e de reduzir a fadiga mental

As opiniões dividem-se. Os defensores da power nap, uma sesta de cerca de 15-20 minutos, enumeram as vantagens: repõe o estado de alerta, restaura a vigília, promove a aprendizagem, reforça a memória, melhora o desempenho físico e cognitivo, e reduz o stresse e as perturbações de uma noite mal dormida. Para o psiquiatra Gustavo Jesus, “as power naps não substituem o sono noturno. Na idade adulta, devemos dormir profundamente sete ou oito horas, de noite, com as luzes apagadas”. Isto porque, “para que o sono seja reparador, tem de atingir todas as quatro fases, cada uma com a sua função”. Acrescentar sestas não é recomendável. “O cérebro produz substâncias durante o dia, nomeadamente a adenosina, que nos dizem ao final do dia que temos de descansar. Se dormimos uma sesta, diminuímos essas substâncias, e tiramos qualidade ao sono noturno”, conclui.

Aprender a desligar é prioritário. “O repouso tem um poder regenerativo. Como qualquer ser vivo, precisamos de momentos de reparação e é quando não nos oferecemos essa oportunidade que o corpo começa a queixar-se e manifestam-se as doenças, tanto do foro emocional como físico”, indica Isabel Lage. Tem igualmente um poder de planificação, porque “o nosso cérebro, inconscientemente, está a pensar em formas de resolver os problemas que ficaram pendentes”, acrescenta o psiquiatra Gustavo Jesus.

Na sua prática clínica, Filipe Palavra tem conhecido muitas pessoas (cada vez mais jovens) com dificuldade em conciliar a vida profissional com a vida privada, incapazes de manter este ritmo aceleradíssimo. “Na Neurologia lidamos com muitas queixas físicas que se relacionam com isto: as cefaleias são extremamente frequentes, as alterações nos ritmos do sono, e até mesmo a deterioração cognitiva ou as queixas de memória.”

Mudar o estilo de vida não é fácil. “A maior parte das pessoas, quanto mais velhas são, mais estão fixadas às suas rotinas. Mas é muito importante perceberem que, às vezes, se essas rotinas não forem modificadas, as sensações de mal-estar e de sofrimento não vão desaparecer, antes pelo contrário, vão agravar-se, porque a resiliência física e biológica do próprio cérebro é menor”, contribui Gustavo Jesus.

Um problema social

A fadiga que nos consome, seja pela intensificação do trabalho seja também pela multiplicação de formas de pressão no dia a dia – a falta de cultura do ócio, a ligação constante a ecrãs, as cidades que nos engolem –, precisa de uma resposta a montante. “Quando a intervenção se faz já sobre os sintomas, estamos a individualizar e a externalizar este tipo de riscos, como se fosse da responsabilidade de cada um conquistar tempo para si”, afirma Liliana Cunha, professora da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade do Porto (FPCEUP). “Este é um problema coletivo, há que atuar ao nível dos contextos e da organização do trabalho, reconhecendo que esta intensificação do trabalho é um fator psicossocial de risco… se não nos for dado o tempo consignado para o repouso, não permitindo a recuperação para outra jornada, obviamente a doença começa a ganhar expressão”, salienta a psicóloga.

Na Eurofound, a Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho, no mais recente inquérito (publicado em junho, com dados de 2023), referia que cerca de um terço dos trabalhadores está sobrecarregado – 38% afirmavam trabalhar a alta velocidade ou com prazos apertados –, o que implica danos para a saúde e para o bem-estar acumulados ao longo do tempo.

Dupla jornada Trabalho sem horas, misturado com o tempo em família, e excesso de ecrãs – receita explosiva

Apesar do reconhecimento geral, a nível europeu, do direito a desligar no final do trabalho (igualmente consagrado na legislação portuguesa, desde 2022, embora só tenham sido abertas, desde então, duas contraordenações pela Autoridade para as Condições do Trabalho), 80% dos inquiridos declaravam receber regularmente contactos fora do horário do expediente. Mas também reconheciam que o efeito negativo dos fatores de stresse podia ser reduzido através de medidas positivas e enriquecedoras, como a confiança na gestão e o apoio dos colegas, a consulta sobre os objetivos e a organização do trabalho e maiores oportunidades de carreira.

“Há uma naturalização do sofrimento no trabalho, como se fosse um mal menor”, acusa Liliana Cunha. Para a psicóloga, era essencial fazermos “uma monitorização e avaliação dos fatores de risco, continuada no tempo, e não nos ficarmos pelo diagnóstico, mas intervirmos no contexto, com ações concretas, como a criação de espaços de discussão sobre a organização do trabalho.” Um espaço onde fosse possível verbalizar “um esforço de compromisso comum, entre líderes e trabalhadores”.

“Acredito que as pessoas se debatem se vale a pena e se não vão ser responsabilizadas por não se adaptarem ao ritmo do mundo atual. Quando temos alguém a fazer uma queixa, era importante assumir que é um sintoma-sentinela, provavelmente há outros trabalhadores na mesma situação.” Como comprovam, infelizmente, os inquéritos.

As pessoas também complicam a sua própria vida, quando dedicam demasiadas horas aos ecrãs e não valorizam o repouso

Filipe Palavra, neurologista

O exemplo da Google, que pagava a quem encontrasse e reportasse problemas no seu software, é citado pelo psiquiatra Gustavo Jesus. “A cultura da represália e da crítica ao erro é negativa. O erro é uma forma de aprender, gera discussão e novas soluções. Gera criatividade, fundamental para a resolução dos problemas. Se houver segurança psicológica nas empresas, se as pessoas se sentirem confortáveis para dizerem o que não está bem, há uma maior produtividade e melhores resultados financeiros”, sublinha. Esta sensibilidade das lideranças para o bem-estar está a aumentar, reconhecem os especialistas. Contudo, as mudanças organizacionais demoram o seu tempo.

Projetos-piloto como o da semana dos quatro dias tiveram bons resultados e eco na esfera pública portuguesa. “Pode haver setores em que não se consegue aplicar, mas naqueles em que a aplicação é mais fácil, porque não ampliar?”, questiona a socióloga Lígia Ferro.

A esperança talvez esteja na Geração Z (nascidos nos finais da década de 1990 até ao início da década 2010), considerada a mais educada, mais experiente digitalmente, mais global e mais inconformista. “Nas gerações mais jovens há esta valorização do tempo do lazer, do ócio, e também sabemos como há dificuldade de recrutamento e de manutenção de pessoas em determinados postos de trabalho que também se relaciona com esta nova forma de olhar para a qualidade de vida”, aponta a professora do departamento de Sociologia da Faculdade de Letras da Universidade do Porto. Veremos como serão acolhidos pelo mercado de trabalho.

Pensar a mobilidade

Ao falarmos do ritmo desenfreado entre a casa e o trabalho, temos de ter em conta que a própria forma como as cidades estão (ou não estão) pensadas, sobretudo as grandes áreas metropolitanas, contribui sobremaneira para o cansaço generalizado das populações. “Temos alguns exemplos da tentativa de transformação dos espaços urbanos, nomeadamente o modelo da cidade dos 15 minutos, em que poderiam estar todos os serviços, trabalho, e tudo o mais, acessíveis a 15 minutos da nossa residência, mas vemos que é um modelo que é implementado essencialmente em áreas mais centrais e privilegiadas”, aponta Lígia Ferro.

Contudo, “o problema da mobilidade coloca-se essencialmente para as pessoas das classes médias e baixas que vivem nas periferias urbanas, e que gastam uma, duas, três horas por dia para se deslocarem para trabalhar, para levarem os filhos à escola… Isto é um grande desafio”, considera a socióloga.

38% dos trabalhadores
Afirmam trabalhar a alta velocidade ou com prazos apertados

80% dos trabalhadores
Declaram receber regularmente contactos fora do horário do expediente laboral

Dados: Inquérito da Eurofound, a Fundação Europeia para a Melhoria das Condições de Vida e de Trabalho

Essencial seria olhar para as cidades de uma forma integrada. “Temos de mobilizar equipas interdisciplinares para conceber planos de gestão urbana, com sociólogos, urbanistas, arquitetos, geógrafos, etc., que trabalhem em conjunto e apliquem o seu conhecimento para transformar as cidades em espaços mais sustentáveis”, defende Lígia Ferro.

“Muitas das transformações urbanas que temos visto no Porto ou em Lisboa surgem de uma pressão económica tremenda do setor do turismo. Mas temos de propor projetos que façam sentido para as pessoas que vivem nas cidades, por exemplo, a criação de espaços verdes, de fruição livre, que interferem de forma positiva na qualidade de vida”, acrescenta.

Parar os ponteiros

Vivemos a correr atrás do tempo, assoberbados com solicitações de todos os lados. A promessa que a tecnologia nos iria devolver algum desse tempo esteve longe de se cumprir. Agarramo-nos a dispositivos, como se fossem extensões do nosso corpo, indispensáveis à nossa sobrevivência. “A Inteligência Artificial não precisa de descansar, não se aborrece, não tira férias. A questão é que nós também acabamos por entrar em competição com a tecnologia e esquecemo-nos de curtir, de aproveitar a vida, que é algo que também nos enriquece”, refere Vania Baldi, sociólogo italiano, professor no ISCTE – Instituto Universitário de Lisboa.

“Há um romantismo associado ao ócio, como se fosse só para os poetas e para os artistas. Na realidade, se tens trabalhadores que gostam de desligar, de estar com a família, de passear pelos bosques ou de assistir a um concerto, eles serão pessoas mais ponderadas na tomada de decisões, na forma de se relacionarem com os outros e com o trabalho”, sugere o autor do livro Otimizados e Desencontrados – Ética e Crítica na Era da Inconsciência Artificial. “Se estamos sempre em competição, a medir quantitativamente as coisas, tenderemos a sentir-nos frustrados, porque não somos tão eficientes como as máquinas”, acrescenta.

Cidades Faltam pequenos centros fora do grande centro, para que os serviços se tornem mais próximos das populações

No seu livro, fala de uma convergência ideológica e operacional estratégica entre o capitalismo moderno e a tecnologia digital. “A ideia de sermos valorizados e reconhecidos passa muito por esta existência pelos ecrãs, acabamos por nos avaliar e refletir sobre nós próprios com base em critérios que geralmente são utilizados para avaliar prestações económicas”, entende o sociólogo. “Temos de desautomatizar as nossas práticas diárias mediadas por tecnologias, que nos impingem constantemente uma reação, e desaprender a sermos tão reativos, senão afogamos”, considera Baldi.

A construção pouco natural do tempo, na atualidade, também tem sido um dos temas abordados pelo filósofo André Barata, nomeadamente no livro E se Parássemos de Sobreviver? Pequeno livro para pensar e agir contra a ditadura do tempo. “Vivemos numa época em que temos uma aversão ao vazio e a estarmos desocupados. Estamos constantemente à procura de um resultado, de consumar um projeto, de realizar qualquer coisa, mesmo em períodos de lazer. No fundo, é como se em todos os âmbitos da nossa existência adotássemos uma fórmula que tem que ver com o mercado ou com a produção industrial”, explica à VISÃO.

Uma lógica que acelera e ocupa permanentemente o tempo, e conduz, inevitavelmente, à fadiga. “Mesmo quem está muito bem na sociedade, de um ponto de vista laboral, está sujeito a esta pressão, a esta cultura de extrair o máximo de si próprio… e é a isso que chamo de estarmos sempre a sobreviver.”

Neste extremar de forças, André Barata defende que a atitude mais revolucionária é conseguir parar. “Façamos greve a este tempo, deixemos os relógios em casa, restauremos um tempo sem medida, sem indústria, sem valor de mercado. Um tempo de viver.” Onde há lugar ao ócio, à contemplação e até ao tédio, essencial para a criação.

7 doenças em que o cansaço é um sinal de alerta

A fadiga pode ser patológica, sintoma de que algo vai mal no nosso organismo

ANEMIA
Nas fases iniciais, a doença é muitas vezes confundida com fadiga. A falta de força generalizada, a palidez e a perda de apetite são alguns dos outros sintomas. A diminuição do número de glóbulos vermelhos no sangue ou do conteúdo de hemoglobina para valores inferiores aos normais pode ser verificada através de análises sanguíneas.

APNEIA DO SONO
Além da sonolência excessiva, quem sofre desta doença respiratória, caracterizada por episódios recorrentes de colapso da faringe durante o sono, queixa-se habitualmente de fadiga crónica. Faz sentido, uma vez que as constantes paragens respiratórias provocam uma diminuição da oxigenação do sangue e pequenos despertares não conscientes.

“BURNOUT”
A fadiga crónica é um dos sintomas físicos do esgotamento provocado pelo stresse profissional prolongado ou crónico. Além de sintomas psicossomáticos, como coração acelerado, falta de ar, problemas de pele, queixas musculares e alterações gastrointestinais, o doente sente-se demasiado cansado para desempenhar as tarefas habituais.

DIABETES
Na diabetes, como a glicose do sangue não vai para as células na quantidade certa, o corpo não tem energia para funcionar adequadamente. A fadiga é, por isso, um sinal de alerta importante no diagnóstico desta doença. Além do cansaço extremo, a visão turva e a vontade de urinar com frequência podem indicar a presença de diabetes.

FIBROMIALGIA
A fadiga, moderada ou grave, é importante para se chegar ao diagnóstico desta doença, cujo sintoma principal é a dor generalizada, em diferentes partes do corpo, ao longo dos últimos três meses e não necessariamente ao mesmo tempo. Só as ressonâncias magnéticas revelam que as áreas que modulam a dor estão hiperativas.

HIPOTIROIDISMO
Um dos principais sintomas de que os níveis hormonais produzidos pela tiroide são insuficientes para a normal funcionamento do organismo é a fadiga fácil e persistente. Outros sinais de alerta são um ligeiro aumento de peso (provocado pela retenção de líquidos), aumento da sensibilidade ao frio, depressão, dores musculares, obstipação, pele seca, queda de cabelo e sensação de formigueiro.

INSUFICIÊNCIA CARDÍACA
A fadiga constante é um sintoma comum desta doença. Quem sofre de insuficiência cardíaca sente-se habitualmente cansado porque chega menos sangue aos músculos e tecidos, por causa da redução da capacidade de bombeamento do coração. E também porque o organismo pode não estar a eliminar resíduos tão depressa como devia.

LEIA TAMBÉM:
Os perigos da fadiga

Pais exaustos

Palavras-chave:

A demografia é um assunto demasiado sério para ser deixado à sorte de discussões avulsas, ainda por cima influenciadas pela retórica populista que explora o medo sobre a imigração. Quanto mais não seja, porque o capital humano e a dimensão da força de trabalho são fundamentais para o desenvolvimento económico de qualquer país. Além de serem ainda absolutamente decisivos, no atual modelo em que vivemos, para a sustentabilidade do Estado social e para o funcionamento de uma série de serviços essenciais, como a Saúde e a Educação.

Grande parte daquilo a que hoje chamamos progresso social assentou numa pirâmide demográfica que já desapareceu nos países desenvolvidos: uma base enorme de população jovem que, através da entrada sucessiva no mercado de trabalho, ia fazendo a economia crescer e, em simultâneo, criar excedentes suficientes para sustentar as reformas dos idosos, no topo mais fino da pirâmide.

Segundo o economista norte-americano Nicholas Eberstadt, a importância da demografia na economia é de tal ordem que já se chegou à conclusão de que o crescimento da esperança de vida e o aumento do número de anos da escolaridade obrigatória têm um impacto benéfico significativo no PIB per capita de qualquer país. Mas a tendência é, atualmente, a contrária: à medida que as populações vão ganhando melhores condições económicas e sociais, a taxa de natalidade vai reduzindo-se, de forma inapelável. Desde as décadas de 1970 e 1980, tanto nos países da União Europeia como no Japão, por exemplo, que as taxas de fertilidade começaram a descer, até se estabelecerem, sem qualquer sobressalto, num patamar muito abaixo do nível de substituição.

Ano após ano, há já mais de uma geração que ocorrem sempre mais mortes do que nascimentos. Em consequência, o número de pessoas em idade ativa está em declínio a longo prazo e as populações envelhecem a um ritmo que, em termos económicos e sociais, vai implicar mudanças profundas.

As políticas de natalidade, tantas vezes esgrimidas nas discussões sobre demografia, precisam de ser reformuladas, mas é ilusório pensar que está aí a única solução para o problema – como defendem alguns demagogos, viciados em apresentar soluções fáceis para problemas complexos. A realidade é muito mais forte e até brutal: mesmo que, por milagre ou até mesmo por uma imposição ditatorial, todas as mulheres passassem, a partir de agora, a ter mais de três filhos, ainda demoraria o espaço de uma geração, no mínimo, para que isso tivesse efeitos visíveis na força de trabalho e, a seguir, na economia e no equilíbrio da segurança social.

Com populações cada vez mais envelhecidas e baixas taxas de natalidade, a única solução é a de recorrer à imigração, para manter as economias dinâmicas, tanto através da criatividade vinda de outras paragens como para colmatar a falta de mão de obra básica numa grande variedade de setores. Foi graças aos imigrantes que a Europa cresceu e conseguiu até estabelecer, como norma, um modelo de Estado social que tenta proteger todos. E os Estados Unidos da América nunca seriam a potência que são hoje sem os mais de 50 milhões de pessoas que para lá imigraram entre 1950 e 2015.

Um estudo da Faculdade de Economia do Porto veio agora contabilizar a importância do equilíbrio demográfico no desenvolvimento do País. Com uma conclusão que merece reflexão: a de que Portugal precisa de 138 mil novos imigrantes todos os anos, se quiser ter uma economia ao nível da dos outros países da União Europeia. O estudo foi apresentado quase em simultâneo com o novo relatório anual da Agência para a Integração, Migrações e Asilo (AIMA), que indicou, de forma oficial, que existem mais de um milhão de imigrantes, atualmente, com autorização de residência em Portugal.

Perante os dois relatórios, podemos sempre discutir se Portugal tem ou não imigrantes a mais. O que não podemos fazer é centrar o debate apenas no número de imigrantes, que o País pode ou não acolher. O importante é olhar, isso sim, para o modelo de desenvolvimento, económico e social, que pretendemos. E quais as oportunidades que o País, pela sua localização, história e caraterísticas, pode oferecer para fazer crescer, dessa forma, a sua população.

A realidade atual é muito mais complexa do que aquela que apresentam os arautos do fecho de fronteiras. Com o declínio da natalidade em todos os países desenvolvidos, mais se irá intensificar a concorrência para receber mão de obra, talento e profissionalismo vindo de outros lugares. O Japão, após décadas de negação, está agora desesperado por acolher imigrantes – embora sem grandes resultados. Muitos especialistas indicam que, mais cedo do que se pensava, outros países do Extremo Oriente vão também procurar acolher imigrantes, para colmatar as suas inevitáveis quebras de população. É neste contexto, além dos valores humanistas e de acolhimento que fazem parte da identidade da União Europeia, que o debate sobre a imigração deve ser feito. Com urgência e sem brincar com o fogo aceso pelos populistas.

OUTROS ARTIGOS DESTE AUTOR

+ Quem acredita ainda nos negacionistas do clima?

+ União ou precipício?

+ Sombras do passado

Palavras-chave:

Há pouco mais de uma semana, Portugal foi gravemente afetado por diversos incêndios florestais que levaram à destruição de milhares de hectares do território nacional e resultaram na morte de oito pessoas. Esta semana, contudo, o calor que esteve na origem das chamas deu lugar a intensos períodos de chuva e levou a Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil a emitir alertas para o risco de cheias, derrocadas e deslizamentos de terras. Dois fenómenos naturais – levados ao extremo graças às alterações climáticas – mais ligados do que se possa pensar.

Cada vez mais frequentes, os incêndios florestais têm consequências devastadoras para os ecossistemas ao destruírem espaços verdes, libertarem gases com efeito de estufa e levar ao aumento dos níveis de poluição. Já menos conhecidos são os efeitos que o fogo tem nos solos e no aumento do risco hidrológico – excesso de água à superfície terrestre. Isto porque os incêndios tornam os solos mais frágeis e vulneráveis a outras catástrofes naturais, como as cheias.

À medida que uma floresta arde é criada uma fina camada de cinzas à superfície dos solos que impede o mesmo de absorver a água da chuva. Desse modo, quando chove, ao invés de se infiltrar na terra, a água acaba por escorrer, transportando consigo os detritos das chamas. Por outro lado, as chamas destroem também as raízes das árvores que estabilizam o solo, tornando os terrenos mais vulneráveis à erosão e aos deslizamentos de terras.

Nos últimos anos, fatores como o aumento das temperaturas, as secas e os solos secos têm contribuído para o aumento do número de incêndios, por todo o mundo. Uma realidade que, segundo dados da Organização Meteorológica Mundial (OMM), deverá registar um aumento de 30% até 2050 e de 50% até 2100.

De que forma os incêndios estão ligados às cheias

Tal como os incêndios, os episódios de chuva intensa estão a tornar-se um fenómeno cada vez mais frequente devido às alterações climáticas. Este verão, na Europa Central, milhares de pessoas foram obrigadas a abandonar as suas casas. Já no Brasil, em maio deste ano, as cheias em Rio Grande do Sul deixaram um rasto de destruição e resultaram em milhares de desalojados. Mas enquanto as inundações em zonas costeiras são, em grande parte, causadas pelo vento e marés altas, as inundações fluviais estão ligadas aos fenómenos de precipitação intensa.

Segundo o Painel Intergovernamental das Nações Unidas para as Alterações Climáticas (IPCC), com o aumento – já previsto – de 1.5 graus da temperatura global “a precipitação intensa, que seria uma ocorrência única em 10 anos, ocorrerá 1,5 vezes em cada década e será 10% mais húmida”. Em 2023, a Europa foi 7% mais chuvosa do que o normal, tendo a maior parte do continente registado condições de pluviosidade acima da média.

Mas como é que as alterações climáticas estão a afetar a precipitação? Antes de tudo, será necessário perceber que, ao evaporar-se dos oceanos e da terra, a água afasta o calor dessas superfícies, dispersando-o pela superfície do planeta. Depois, seguindo o seu ciclo, a água acaba por condensar e cair sob a forma de chuva ou neve.

São os gases com efeito de estufa, presentes na atmosfera, que retêm o calor e provocam o aumento da temperatura global. Assim, quanto mais gases com efeito de estufa a atmosfera contém, mais calor acaba por ficar retido e mais rapidamente se dá a evaporação da água. Ou seja: quando chove há mais água para libertar. “Trata-se de uma questão básica de equilíbrio energético”, explicou Liz Moyer, cientista atmosférica da Universidade de Chicago, à revista Wired. “A própria Física que nos dá o efeito de estufa também faz com que o planeta perca mais dessa energia por evaporação. E como tudo o que sobe tem de descer, isso significa que também chove mais”, acrescentou. Deste modo, quando ocorre um incêndio, mais gases com efeito de estufa são libertados, alimentando o processo.

Quanto mais intensa for a chuva mais dificuldade em absorver a água terão os solos, levando à formação de cheias e inundações – sobretudo se tiver existido um incêndio recentemente. Por outro lado, as infraestruturas existentes não estão preparadas para a intensidade das chuvas, uma vez que os sistemas de drenagem não conseguem escoar a água com a rapidez necessária a evitar cheias e inundações. 

Palavras-chave:

A entrada fez-se em passo apressado, mas não deixámos de dar conta do discreto painel de azulejo cravado na fachada e que indicava o destino, o Locke de Santa Joana. A primeira unidade hoteleira da cadeia britânica em Portugal é também a maior da empresa. O projeto, nascido das ruínas do antigo convento de Santa Joana, um edifício do século XVII, cravado entre o Marquês de Pombal e a Rua de Santa Marta, combina história e modernidade e é diferente de tudo o que existe em Lisboa.

Quando damos conta, o ruído da cidade ficou para trás e a atenção foca-se no que está à volta. Uma receção com serviço informal e descontraído, onde entre check-ins e checkouts há quem leia um livro ou trabalhe sentado nos sofás e cadeirões, emoldurados por vasos de plantas verdes. Damos conta dos painéis de azulejos antigos, um dos elementos históricos que foram mantidos e se destacam nos balcões da receção e do café Castro’s, um cantinho apetitoso com balcão e uma janela aberta para a rua.

O Locke Santa Joana ocupa um quarteirão inteiro e foi pensado para ser vivido por todos, sejam hóspedes, visitantes ou vizinhos – e isso percebe-se quando sabemos o que foi pensado para aqui e se vai descobrindo nas várias alas – Beato, Arte, Convento e D. Álvaro, com surpresas pelo meio. Mas, já lá vamos.

O alojamento divide-se entre quartos, apartamentos com kitchenette, suítes e penthouses, num total de 370, todos bem equipados e com mimos (como o tapete de ioga, um convite à atividade física). Aliás, conta-se ali com um ginásio aberto 24 horas. A decoração dos quartos ficou a cargo da Post Company, que utilizou materiais locais, dos tecidos às cerâmicas, combinando a herança histórica do edifício com detalhes modernos. E são pet-friendly, tal como os restantes espaços do hotel. Aliás, o vaivém de pessoas não incomoda o companheiro de quatro patas de um dos hóspedes que, como nós, aproveita as instalações da sala de cowork para trabalhar.

Encontros no pátio

Os olhos arregalam-se assim que chegamos ao pátio, o coração do Locke de Santa Joana, local privilegiado para o convívio de hóspedes e locais. Com a ala Beato nas nossas costas, onde estão a maior parte dos quartos, demoramo-nos a apreciar o ambiente e a arquitetura do conjunto de edifícios que formam o hotel, também com acesso pela Rua de Santa Marta.

A história combina na perfeição com a modernidade nos vários espaços. Uma parte do passado está à vista, a outra, feita de achados arqueológicos e outras peças, há de ser mostrada num pequeno museu. É de referir que as áreas comuns, restaurantes e bares refletem a visão do designer de interiores Lázaro Rosa-Violán, cujo trabalho, feito de cor e conjugação de padrões, conhecemos de outros restaurantes da capital.

Nesta zona ao ar livre, destaca-se o arco de pedra junto à piscina, envolvida por uma zona verde com espreguiçadeiras e chapéus de colmo, assim como a fachada da igreja do convento de Santa Joana e a pérgula do restaurante Santa Marta, com várias zonas de esplanada, onde havemos de jantar e tomar um delicioso pequeno-almoço al fresco. Os espaços gastronómicos do Locke têm conceitos originais assinados pelas britânicas Spiritland e White Rabbit e são um convite à diversão e ao encontro. Quando estiverem todos abertos – ainda temos de esperar pelo restaurante Santa Joana, que terá o chefe Nuno Mendes como diretor criativo, pelo Bar Joana e O Pequeno, que abrem durante o mês de outubro –, no Locke teremos dois restaurantes, quatro bares e um café à disposição. Quer se tome um whisky ou uma flute de champanhe, quer a música saia de um gira-discos ou de uma moderna mesa de mistura, a boa onda é garantida.

Locke de Santa Joana > R. Camilo Castelo Branco, 18, Lisboa > T. 21 155 5590 > a partir de €200

Dicas para explorar: Restaurantes, bares e café

Café Castro’s Com janela para a rua e balcão no interior da receção, tem café de especialidade (€1,50), pastelaria variada, incluindo pastel de nata e caracol de cardamomo, e sanduíches variadas, como a de presunto com picles de figo, rúcula em ciabatta (€7). Seg-dom 6h30-15h30

Santa Marta Aberto todo o dia, do pequeno-almoço (€19) ao jantar. Da cozinha de inspiração mediterrânica saem antipasti variados para partilhar, pizzas, massas e pratos como os camarões grelhados em manteiga de coentro e limão. Nuno Dinis, enquanto chefe-executivo do Locke, é o responsável por este restaurante. Seg-dom 11h-23h

Sugestões da carta do Santa Marta Foto: Charlie McKay

Spiritland É no piso -3 da ala Beato que se esconde este bar de cocktails com residências musicais trazidas por DJ nacionais e internacionais – tal como no Spiritland Londres, o projeto-âncora. Qui-sáb 19h-2h

The Kissaten Noutro formato original, este bar casa uma biblioteca de vinis e a maior seleção de whiskies da cidade, mais de 100 referências. A curadoria também é da Spiritland e está no piso -1 da ala Beato. Qua-sex 19h-2h

O Pequeno Só o champanhe e o Martini constam da carta deste pequeno bar com onze lugares, instalado na zona de entrada da ala Convento.

Santa Joana A surpresa está revelada: será o chefe Nuno Mendes o diretor criativo deste restaurante, o maior do hotel, também com esplanada. Fica na ala Convento, no espaço da antiga igreja. Com destaque no produto, servirá mariscos e peixe na grelha – mas esperam-se surpresas. 

Bar Joana É uma mezzanine com vista para o restaurante Santa Joana. Na carta há cocktails e uma seleção de vinhos pouco habitual.

Palavras-chave: