Viva, bom-dia  
Isto anda mesmo tudo ligado: da saúde do Papa à periclitante situação política nacional, os dias têm um estranho sabor a impasse, caminho de gelo fino, beco sem saída, fuga para a frente em direção ao abismo. Aproveito o breve intervalo até à votação da moção de confiança de amanhã para recordar a história de Tiago Grila, o influencer que confessou entre risos um atropelamento seguido de fuga durante uma entrevista a um podcast.   
A história já tem umas semanas, mas recupero-a, nesta VISÃO do dia, por causa de uma reportagem do Público deste domingo. O caso é impressionante e fez correr muita tinta, sobretudo na chamada imprensa cor-de-rosa. No Público, a jornalista Marta Leite Ferreira e o fotógrafo Francisco Romão Ferreira fizeram aquilo que compete ao bom jornalismo: ir ao local, recolher informação, ouvir especialistas, observar e perguntar a quem sabe para, depois, dar conta.  

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Com apenas 40 anos, arrecadou agora o Prémio BIAL de Medicina Clínica, no valor de 100 mil euros, por uma investigação em que revela que certas regiões do cérebro são afetadas de maneira diferente pelas várias proteínas tóxicas responsáveis pela doença de Alzheimer. Este é um estudo que abre caminho para um diagnóstico mais precoce e melhores tratamentos para a patologia degenerativa mais prevalente em Portugal e no mundo. Só quem não conhece o médico e investigador Tiago Gil Oliveira é apanhado de surpresa: aos 26 anos, ele já liderava uma pesquisa sobre o papel dos lípidos no cérebro, na aprendizagem e na memória, e em doenças neurodegenerativas e psiquiátricas. Na entrevista que se segue, dá-nos conta de grandes novidades – há uma nova terapêutica para o Alzheimer que, se for aprovada pela Agência Europeia de Medicamentos e pelo Infarmed, “representará uma revolução no nosso Sistema Nacional de Saúde”, como diz, sendo que a sua investigação a complementa na perfeição.

Em pequeno, se lhe perguntavam o que queria ser quando fosse grande, o que respondia?
Jogador de xadrez.

E levou esse desejo avante, chegou a competir?
Sim. Até participei em campeonatos nacionais. Mas depois os estudos e o meu trabalho de investigação científica acabaram com o jogador de xadrez.

Se não fosse isso, acha que chegaria a xadrezista profissional?
Não. Não era jogador para esse nível.

Quando fez a escolha da Medicina?
Foi no Ensino Secundário. Gostava de Matemática, Química, Biologia, Física… Além do mais, era um curso que me permitia fazer uma escolha num grande espectro de possibilidades. As especialidades médicas são muito diferentes umas das outras, e tinha tempo para poder pensar no que queria mesmo ser. Isso foi algo que me agradou no curso de Medicina e que me levou a escolhê-lo.

Acabou por escolher a especialidade de Neurorradiologia. Porquê?
Tive esse clique numa fase muito precoce do curso, o de ter encontrado uma especialidade em que iria sentir-me realizado. Ser neurorradiologista é ter a possibilidade de olhar para o interior das pessoas, estudar essa neuroanatomia e aplicá-la na compreensão de como isso tem impacto no que as pessoas são e nos seus comportamentos. E também percebi muito cedo, no curso, que o estudo do cérebro me fascinava.

E quando começou a sério a sua carreira de investigador?
Nesses termos, embora já viesse de trás, nos períodos extracurriculares do curso – o meu primeiro artigo científico, por exemplo, é da área do cancro –, iniciou-se quando tive a sorte de estar no momento certo, à hora certa e no lugar certo.

Como assim?
Foi quando abriu o Programa MD/PhD, na Escola de Medicina da Universidade do Minho, inovador em Portugal. Esse programa tem parcerias com a Universidade Columbia, em Nova Iorque, e a Universidade Thomas Jefferson, em Filadélfia. Os estudantes que entram nesse programa podem ir para uma universidade ou para a outra. Interrompi então o curso de Medicina no 5º ano e fui três anos para a Universidade Columbia fazer o meu doutoramento. Nesse período, de 2007 a 2010, só pensei em investigação, e tinha de escolher um tema. Escolhi estudar Neurociências e também uma doença que afetasse muitas pessoas e que estivesse relacionada com o cérebro. Decidi então estudar a doença de Alzheimer.

Escolha ousada, essa…
Escolhi esse tema de forma um pouco ingénua, embora achasse que era uma boa oportunidade de aprendizagem. Mas, ao fim de um mês de estar no laboratório, percebi que tinha um grande desafio em mãos. Dentro das diferentes questões que se podia abordar, decidi estudar o metabolismo e a função dos lípidos no cérebro, uma área nessa altura subexplorada. Integrei a equipa de investigação do meu orientador de doutoramento, o professor Gilbert Di Paolo. Foi mesmo muito difícil, porque tive de estudar toda aquela biologia complexa, algo que não tinha aprendido no curso. Mas foi um desafio que me fez crescer, sempre com a ideia de trazer essa experiência de volta para Portugal, não só ao nível da formação médica, mas também dos conhecimentos que adquiri numa universidade como a Columbia, das melhores do mundo em Neurociências.

O que se seguiu?
Regressei à Universidade do Minho para fazer o ano, o 6º, que me faltava para concluir o curso, e para depois defender a minha tese de doutoramento. Entretanto, candidatei-me a um financiamento da Fundação para a Ciência e Tecnologia, que consegui e me permitiu arrancar com a investigação. Na altura, tinha 26 anos e foi uma grande oportunidade para começar a montar as minhas linhas de investigação e pôr em prática as minhas ideias. Estava numa fase precoce da minha carreira, mas abracei este desafio com grande motivação para concretizar os ensinamentos que trazia dos EUA, juntando-me às equipas de Neurociências do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde, da Escola de Medicina da Universidade do Minho, e ao meu co-orientador de doutoramento, o professor Nuno Sousa. Tive de começar a decidir como iria integrar a investigação com a prática médica, porque ainda estava a acabar o curso.

E ainda lhe faltava fazer a especialidade…
Fiz a especialidade em Neurorradiologia enquanto geria, em paralelo, uma equipa de investigação em ciência fundamental, ou seja, usando modelos animais, para tentar perceber o papel dos lípidos na aprendizagem e na memória, e em doenças neurodegenerativas e psiquiátricas. Só depois de acabar a especialidade, em 2018, é que comecei a integrar as abordagens por ressonância magnética nas minhas linhas de investigação. Agora, a minha investigação é integrada, não só com a ressonância magnética, mas também com os doentes. Em paralelo, elementos da minha equipa – no total, são cerca de 20 – trabalham mais em modelos fundamentais, inspirados pelas ideias que vêm da prática clínica.

Na doença de Alzheimer, vejo a longo prazo algo que pode evoluir de modo parecido com a forma como lidamos com a hipertensão arterial

Qual é o atual estado da arte médica em relação à doença de Alzheimer?
Temos hoje uma muito maior compreensão da doença do que tínhamos há 30 anos, por exemplo. Hoje sabemos que a doença de Alzheimer é secundária à acumulação de proteínas tóxicas específicas no cérebro, que são o peptídeo amiloide. Formam-se placas de amiloide no cérebro, e as acumulações tóxicas da proteína tau originam os emaranhados neurofibrilares. Estas duas características patológicas são as que definem a doença de Alzheimer. Conseguimos identificar estas alterações já depois de os doentes falecerem. É claro que isto não ajuda nada – o doente já faleceu e dizemos que teve Alzheimer. Mas, por outro lado, é a confirmação científica.

Como se faz o diagnóstico da doença em pacientes ainda vivos?
Ao longo dos anos, tem-se desenvolvido uma série de estratégias para conseguir identificar evidência de que aquelas acumulações estão a ocorrer no cérebro do doente. E isso é feito através do estudo dos biomarcadores. Estes biomarcadores podem ser de fluidos do corpo. Por exemplo, o fluido que recobre o sistema nervoso central, que é o líquido cefalorraquidiano. O estudo da composição desse líquido permite detetar alterações moleculares que indicam que estas patologias estão a ocorrer, e com isso temos uma alta probabilidade de diagnosticar a doença de Alzheimer quando o paciente ainda está vivo. A outra hipótese é a de análises de imagem cerebral, em que, com os estudos de PET, tomografia por emissão de positrões, conseguimos detetar as acumulações, ou das placas de amiloide ou da patologia da proteína tau.

E há notícias de novas terapêuticas?
Há. Um tratamento farmacológico para remover as placas de amiloide do cérebro destes doentes já foi aprovado nos EUA, no Reino Unido, no Japão, na Coreia do Sul e na China, entre outros países. São dois medicamentos, produzidos por duas farmacêuticas diferentes, que dão um nível de proteção e de redução da taxa de diminuição da cognição ao longo do tempo e que oferecem mais anos de vida às pessoas, com a cognição mais preservada. É a primeira resposta em muitos anos que temos na Medicina para oferecer aos doentes, para retardar o aparecimento dos sintomas. E isso decorre da remoção das placas de amiloide do cérebro.

Em que situação se encontra a autorização de uso clínico desses medicamentos na União Europeia?
Estão agora em avaliação para aprovação pela Agência Europeia de Medicamentos [EMA]. Devo dizer que há efeitos secundários que têm de ser muito bem monitorizados. Nem todos os doentes podem usufruir destes potenciais fármacos. Daí ainda estarem em avaliação na EMA, a que se seguirá o escrutínio do Infarmed.

Mas, quanto ao Infarmed, será só uma formalidade…
Não é linear. Pode demorar algum tempo. Não quero dar isso como garantido. Acho que devemos seguir os passos todos, porque, como se imagina, este é um tratamento muito caro. Mas, caso seja aprovado, representará uma revolução no nosso Sistema Nacional de Saúde.

Quem é que vai usufruir destes fármacos?
Há um grande volume de pessoas que têm de ser avaliadas, para se saber se os tomam ou não. E é neste preciso ponto que a investigação da minha equipa, na minha opinião, pode contribuir imenso na identificação dos doentes que vão potencialmente beneficiar mais destes tratamentos e dos que não vão beneficiar tanto. O que também indica que temos de fazer mais e identificar outras estratégias terapêuticas alternativas para os doentes que, muito provavelmente, não vão beneficiar destes novos tratamentos.

Qual é o efeito secundário mais temido nestas novas terapêuticas?
É um efeito secundário que chamamos de anomalias imagiológicas relacionadas com amiloide. Identificamos estas anomalias por ressonância magnética. São dois tipos de alterações que estão relacionados com a inflamação do cérebro, num caso, e, no outro, com a deposição de resíduos de hemossiderina, secundários a pequenas hemorragias. Neste contexto, usamos a ressonância magnética para verificar se estas alterações estão a ocorrer. E, se estiverem a acontecer, temos de interromper a medicação, caso o nível das alterações seja grave. Por isso, sublinho que é preciso monitorizar com muito cuidado estes doentes, se estiverem sob as novas medicações.

Em relação a esta nova terapêutica, enquanto médico, no caso de os fármacos em questão serem aprovados, diria que um doente, para deles beneficiar, tem de apresentar um qualquer sintoma, para então ser estudado?
Isso é algo que está em ativa discussão na comunidade médica. Será que, para abordar a doença de Alzheimer, basta demonstrar que existe a evidência do tipo da patologia no cérebro, antes de os sintomas aparecerem? Ou tem de haver alterações do comportamento ou cognitivas para se dizer que a pessoa tem Alzheimer? Esta é uma questão que não está completamente clara na comunidade médica, porque, tendo a patologia no cérebro, isso não garante que o indivíduo irá ter alterações cognitivas. Um dos aspetos que estudámos, assim como outras equipas no mundo, foi o de perceber quais é que são as pessoas e os fatores inerentes a essas pessoas que contribuem para alguns indivíduos serem resistentes à doença de Alzheimer. Porque é que alguns têm neurodegeneração e outros não. Daí que ter a patologia da doença de Alzheimer pode não significar que os défices cognitivos apareçam. No entanto, há uma outra corrente – e eu, enquanto médico e cientista, estou aberto a tentar perceber qual pode ser a melhor opção para os doentes no futuro – que propõe que se iniciem os tratamentos o mais precocemente possível e mal exista uma evidência suficiente de que há patologia relacionada com as acumulações de amiloide no cérebro. Ou seja, que se comece de imediato o tratamento para remover essas acumulações, de modo a prevenir que contribuam para a neurodegeneração e, eventualmente, para alterações cognitivas. Mas o que tem sido proposto é que tem de haver algum grau de alteração cognitiva, para que se iniciem estes tratamentos. Foi também este o método usado nos ensaios clínicos. Está em aberto, porém, a hipótese de se alterar esta visão e começar mais precocemente.

Para qual das propostas, neste momento, se inclina mais?
Inclino-me mais até para outra hipótese, que é a de não nos focarmos só numa terapêutica. Devemos investir, enquanto comunidade médica e de investigação, na procura de uma gama de terapêuticas para diferentes alvos, e que possam contribuir para a proteção em relação à doença de Alzheimer. Acho que estes anticorpos têm um papel importante, mas devemos ter em consideração outras estratégias.

Daí que eu e a minha equipa estejamos a focar-nos na procura de perceber que outros fatores podem conferir proteção ao cérebro.
Uma dessas estratégias poderá ser a manipulação da composição dos lípidos do cérebro.

E como pode ser feita essa manipulação?
Pode ser feita, por exemplo, com estratégias farmacológicas em que manipulamos as enzimas que regulam os lípidos do cérebro. Podemos também contribuir para essas alterações da composição dos lípidos, por exemplo, através da dieta. Precisamos de preparar uma gama de soluções, porque, como a nossa investigação está a demonstrar, outras copatologias, que ocorrem no cérebro, podem ter um papel de sinergia com a doença de Alzheimer, levando a mais neurodegeneração. A doença de Alzheimer é uma patologia mais complexa do que aparentava ser há uns anos.

Vê a longo prazo um cenário clínico em que a doença de Alzheimer deixe de ser tão prevalente como é hoje em Portugal e no mundo?
Vejo a longo prazo algo que pode evoluir de modo parecido com a forma como lidamos com a hipertensão arterial. No caso da hipertensão arterial, temos um modo de medir a patologia com um biomarcador específico, a medição da pressão arterial, e com isso podemos intervir ainda antes de as consequências dessa hipertensão arterial afetarem as diferentes partes do corpo, incluindo alterações cerebrovasculares.

Como já hoje se faz, em função de cada um dos doentes institui-se uma estratégia terapêutica diferente. Em algumas situações até se prescreve mais do que um tipo de anti-hipertensor, conjugando-se diferentes anti-hipertensores para se obter o resultado pretendido. Vejo o futuro do tratamento da doença de Alzheimer indo um pouco nesta direção, em que vamos compreender a grande diversidade de subtipos dentro da patologia e adequar as terapêuticas com maior precisão para cada um destes subtipos.

Francisco Assis disse tudo. Sem rodeios. Sem ambiguidades. «Não resta outra saída séria ao Governo senão apresentar uma moção de confiança.» Disse à SIC Notícias, na semana passada. E disse bem.

O primeiro-ministro não tem escolha. O Governo também não. Se quer governar, tem de pedir a confiança ao Parlamento. Sem jogadas. Sem hesitações.

O próprio Assis foi claro: «Se houver seriedade neste processo, não chegaremos à Comissão Parlamentar de Inquérito. O primeiro-ministro disse que, se a oposição não se retratasse, o Governo apresentaria uma moção de confiança. Perante as reações de vários partidos da oposição, sobretudo do PS, não resta outra saída séria.»

Exato. O jogo é este. Ou há seriedade, ou há teatro.

A oposição tenta uma tese engenhosa. Não quer a queda do Governo. Apenas a do primeiro-ministro. Parece sofisticado. Mas tem um problema grave: não funciona. O primeiro-ministro e o Governo são um só. O Presidente da República já o deixou claro quando dissolveu a maioria absoluta do PS. Quem ganha eleições, governa. Quem dá a cara, é PM. Ponto final.

Na terça-feira, o Governo joga tudo. Pede a confiança da maioria na Assembleia da República. O PS decide. Simples. Ou há confiança, ou há eleições. Sem truques. Sem segundas leituras.

Vai atrapalhar? Sim. Dois ou três meses de incerteza. Mas melhor agora do que depois. Melhor já do que na rejeição do Orçamento. Melhor com um Presidente da República ainda com poder para dissolver. É agora. Ou nunca.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

O Governo convocou este domingo uma reunião do Conselho de Ministros para segunda-feira, com início às 10h00, na residência oficial do primeiro-ministro, no Palácio de São Bento, em Lisboa.

A reunião, presidida por Luís Montenegro, poderá ser a última do Governo em plenitude de funções dado que o parlamento debate na próxima terça-feira uma moção de confiança apresentada pelo executivo minoritário PSD/CDS-PP, que tem chumbo anunciado, com os votos do PS e Chega.

Uma horas depois, às 21h00, é a vez de se reunir a Comissão Política Nacional do PS, para fazer a análise da situação política, conforme anunciou à Lusa fonte oficial do partido.

Tentarmos ser mais felizes torna-nos, pelo contrários, menos felizes. Em poucas palavras, este é o paradoxo da felicidade, um fenómeno estudado há mais de uma década mas que agora encontrou uma nova explicação, pela mão de um grupo de investigadores da Universidade de Toronto, no Canadá.

Transversalmente às diferentes culturas e sociedades, a felicidade é um estado desejado, embora a sua definição não seja nada consensual. Um estudo publicado no Psychological Bulletin classifica mesmo a felicidade como uma das emoções humanas mais universalmente reconhecidas.

O problema? Segundo o paradoxo da felicidade é que quanto mais andamos atrás dela, menos provável é que a alcancemos. Uma investigação no Journal of Experimental Psychology sublinha que quando perseguimos a felicidade, focamo-nos necessariamente no que não temos (se estamos a tentar desesperadamente ser felizes é porque não o somos e sentimos que é porque nos falta alguma coisa) e isso causa frustração ou mesmo angústia e insatisfação. Outro estudo, publicado no Psychonomic Bulletin & Review mostra que as pessoas que gastam mais energia nessa busca pela felicidade tendem a sentir mais pressão e mais falta de tempo. Logo, menos contentamento.

Mas porquê? Foi a esta pergunta que a equipa da Universidade de Toronto se esforçou para responder. As conclusões foram agora publicadas na Applied Psychology: Health and Well-Being: tentar ser mais feliz é mentalmente exaustivo, a ponto de nos fazer perder a capacidade de auto-controlo e força de vontade. Nesse ponto, tornamo-nos mais suscetíveis a tomar decisões auto-destrutivas e que sabotam o objetivo inicial.

“A busca pela felicidade é um pouco como o efeito bola de neve. Decide tentar ser mais feliz, mas depois esse esforço tira-lhe a capacidade para fazer as coisas que o fazem mais feliz”, resume Sam Maglio, coautor do estudo e professor de marketing na Escola de Gestão da Universidade de Toronto. “A questao aqui é que a busca pela felicidade gasta recursos mentais. Em vez de seguir com a corrente, tentamos fazer-nos sentir de forma diferente”.

Este processo de regular “manualmente” os nossos pensamentos, emoções e comportamentos é exaustivo, para o que o que contribui também, notam os investigadores, a multimilionária indústria da auto-ajuda, com a responsabilidade que coloca sobre os ombros de cada um.

Depois de entrevistar centenas de pessoas, os investigadores perceberam que quanto mais se esforçavam para serem felizes, menos usavam auto-controlo no dia a dia, o que os levou a concluir que a busca pela felicidade e o auto-controlo devem “competir” entre si pela mesma fonte finita de energia mental. Nas fases seguintes, pediram aos participantes para cumprir uma série de tarefas e para se submeterem a várias experiências e reforçaram a convicção de que tentar ser “super feliz” não conduz à felicidade, pelo contrário.

Não faltam especialistas, entre psicólogos e estudiosos do tema, a sugerir que melhor do que tentar ser feliz é o foco na gratidão, enquanto apreciação pelo que se tem e se pode fazer no presente, por um lado, e na generosidade, pelo outro – ajudar o outro a ser feliz.

O anúncio de demissão de Justin Trudeau foi recebido com surpresa por grande parte do mundo, pelo menos o ocidental, onde o primeiro-ministro canadiano é uma estrela mediática. Já no seu próprio país, poucos se espantaram. Na verdade, a popularidade de Trudeau além-fronteiras, assente numa aparente juventude (poucos lhe dão 53 anos), imagem agradável, simpatia e carisma, não é acompanhada dentro de portas. A sua taxa de aprovação encontrava-se em janeiro nos 22%, de acordo com o barómetro do Instituto Angus Reid. Uma queda estrondosa do pico de 65%, atingidos em setembro de 2016, onze meses depois de ser eleito.

Infelizmente para o líder do Partido Liberal do Canadá, uma boa imagem é manifestamente insuficiente para governar um país. A fadiga natural dos canadianos por alguém que está no poder há quase uma década foi agravada pelo aumento do custo de vida, com a crise da habitação à cabeça. Tal como Portugal, o Canadá é um dos países onde os preços das casas mais têm subido, face aos rendimentos, sobretudo nas grandes cidades, como Vancouver e Toronto.

A pressão política e a incapacidade de fazer mudanças estruturais, pelo facto de governar em minoria desde 2019, convenceu Trudeau a afastar-se e a convocar eleições no Partido Liberal para 9 de março. O momento escolhido para a sua saída voluntária não é inocente. O país terá eleições federais a 20 de outubro, pelo que um novo líder ainda terá sete meses para se preparar ‒ o tempo ideal para mostrar trabalho enquanto chefe do governo e crescer junto dos eleitores sem cansar a sua imagem.

O ponto de partida é baixo. Segundo a última sondagem da Abacus Data, que tem realizado dois a três inquéritos políticos por mês nos últimos anos, 46% dos canadianos acreditam numa vitória do Partido Conservador nas próximas eleições, contra 26% que apostam numa vitória dos liberais.

Parece um desastre, mas os conservadores têm boas razões para estarem preocupados: o barómetro divulgado a 14 de janeiro pela Abacus Data dava 63% para o Partido Conservador, liderado por Pierre Poilievre, e uns míseros 10% para os liberais do então recém-demissionário Trudeau, que anunciara a sua resignação na semana em que o inquérito foi realizado. Em pouco mais de um mês, os conservadores caíram 17 pontos percentuais e os liberais subiram 16. As eleições estão muito longe de serem favas contadas para Poilievre, e isso deve-se em grande parte aos nomes que vão disputar as eleições no Partido Liberal.

Os favoritos

Há quatro candidatos à liderança dos liberais. O que parece partir à frente é Mark Carney. Governador do Banco do Canadá, entre 2008 e 2013, e do Banco de Inglaterra, de 2013 a 2020. Nomeado em 2019, por António Guterres, Enviado Especial das Nações Unidas para Ação e Financiamento Climáticos (cargo que abandonou em janeiro, ao decidir integrar a corrida ao partido), foi conselheiro económico de Trudeau e diretor do grupo de trabalho do Partido Liberal para o crescimento económico.

A sua experiência em assuntos económicos é do agrado dos eleitores, que elegem a economia como tema principal ‒ 61% dos canadianos inquiridos na sondagem da Abacus Data apontam para o aumento do custo de vida como maior desafio do país, 20 pontos percentuais acima do segundo maior, a administração americana de Donald Trump. Carney tem-se demarcado das impopulares taxas sobre o carbono de Trudeau, nomeadamente as que incidem sobre os consumidores, preferindo concentrar-se nas empresas mais poluidoras, convencendo-as a descarbonizarem-se através do sistema da cenoura e do chicote, na forma de uma combinação de incentivos e taxas. Tem o apoio de figuras importantes do partido, como o ministro do Ambiente, Steven Guilbeault, e a ministra dos Negócios Estrangeiros, Mélanie Joly. As sondagens sugerem que poderá aumentar significativamente as perspetivas eleitorais dos liberais ‒ no mesmo barómetro, 29% dos inquiridos dizem que votariam “definitivamente ou provavelmente” no Partido Liberal se Mark Carney fosse o líder, a que se somam 16% que “talvez considerem” votar no partido sob a sua presidência.

O fim de uma era Há quatro candidatos à sucessão de Trudeau, mas é quase certo que a luta será entre Mark Carney e Chrystia Freeland

O economista não é, no entanto, o único a fazer subir as intenções de voto nos liberais. Na sua peugada vem Chrystia Freeland, ex-ministra das Finanças e vice-primeira-ministra, que se demitiu em dezembro, após conflitos com Trudeau sobre a política fiscal e as respostas à ameaça da Casa Branca de impor novas tarifas ao Canadá. No inquérito da Abacus Data, 24% dos canadianos garantem que votarão nos liberais se for ela a candidata e outros 15% consideram fazê-lo nessas circunstâncias. São 39% que também deixam tremida a vitória dos conservadores de Poilievre, especialmente tendo em conta que o New Democratic Party pode voltar a coligar-se com o Partido Liberal (embora as sondagens não sejam generosas para o NDP).

Freeland tem feito campanha a tentar posicionar-se como a melhor pessoa para lidar com a hostilidade da nova administração americana, valendo-se do papel que desempenhou na negociação do Acordo Canadá-EUA-México.

O inimigo externo

O grupo de pretendentes ao lugar de Justin Trudeau à frente do partido e do governo fecha com Karina Gould, a líder governamental na Casa dos Comuns (que, se for eleita, será a pessoa mais jovem de sempre a tornar-se chefe de governo no Canadá, com apenas 37 anos), e Frank Baylis, ex-deputado liberal e empresário na área da Saúde, o primeiro a anunciar a candidatura.

As sondagens apontam para uma luta efetiva a dois, entre Carney e Freeland. Mas as campanhas e os debates entre os quatro candidatos mostram que estão todos unidos nas preocupações com a habitação e o custo de vida, e, acima de tudo, contra um adversário comum: Donald Trump, o homem que tem dito repetidamente que quer transformar o Canadá no 51º estado americano e (ou…) impor-lhe tarifas draconianas. Karina Gould propõe que o governo ajude as empresas a diversificarem-se, para enfrentar o furacão das tarifas, e Frank Baylis sugere fortalecer os laços com Reino Unido, Austrália e Nova Zelândia, países que diz partilharem os mesmos valores e cultura que o Canadá.

“Trump representa o maior desafio que o nosso país enfrenta desde a II Guerra Mundial”, disparou, por seu lado, Freeland, durante a declaração inicial do último debate televisivo entre os candidatos à liderança do partido.

Mark Carney também foi claro sobre as intenções de Trump. “No passado, queria os nossos mercados. Agora, quer o nosso país.”

Seja por sete meses ou por quatro anos, e venha ele do Partido Liberal ou do Conservador, quem quer que seja o próximo primeiro-ministro do Canadá tem um trabalho duro pela frente, agora que o seu vizinho gigante é governado por um bully inconstante.

O que pensam os canadianos?

Os temas mais importantes, os partidos favoritos à vitória nas eleições de outubro e a opinião sobre Trump, segundo o barómetro da Abacus Data

61%
Dos inquiridos na última sondagem disponível (divulgada a 27 de fevereiro) elegem o aumento do custo de vida como o tema mais relevante no Canadá.

39%
Apontam Donald Trump e a sua administração como um dos desafios mais importantes do país, o que o torna o segundo tema mais relevante; seguem-se cuidados de saúde, crise da habitação, economia e imigração.

48%
Dos canadianos dizem ser tempo de mudança no governo, ao passo que 20% diz que os Liberais devem ser reeleitos.

46%
Acreditam que os Conservadores vão vencer as eleições de outubro; 26% apostam nos Liberais.

+10% contra -2%
Entre as impressões positivas e negativas, Mark Carney tem uma taxa de aprovação líquida de 10% (36% positiva, 26% negativa); Chrystia Freeland tem números negativos: -2% (28% positiva, 30% negativa).

68%
Dizem ter uma opinião negativa de Donald Trump; 18% veem-no positivamente.

Ébola, VIH, zika, SARS-CoV-2. Este quarteto está, seguramente, entre os principais responsáveis pela aversão da espécie humana a vírus, nos anos mais recentes. Eles e outros que nos podem infetar, hospitalizar e matar instigam o medo quando nos batem à porta, mas estarão sempre em minoria face aos milhares de milhões de vírus que vivem no interior do corpo humano, aparentemente em paz e harmonia com o hospedeiro Homo sapiens.

“Há uma minoria de vírus que são mais visíveis para nós porque os sentimos da pior maneira, e isso moldou a ideia que temos deles, mas, afinal, a realidade é infinitamente maior”, constata Miguel Castanho, bioquímico e investigador do Instituto de Medicina Molecular da Universidade de Lisboa (IMM).

Uma coleção completa, conhecida por viroma humano, habita dentro de cada um de nós. Estima-se que seja formada por nada menos do que 380 biliões de vírus. Uma vasta comunidade que representa o lado bom destes microrganismos invisíveis, apesar de os exemplares patogénicos serem muito mais estudados.

Investigação Os exemplares patogénicos são muito mais estudados, mas 380 biliões de vírus formam o viroma humano

“A ideia de que todos estes vírus convivem harmoniosamente connosco e fazem parte do nosso equilíbrio e do nosso bem-estar, funcionando como uma espécie de complemento do sistema imunitário, cresceu nos últimos 15 anos e agora é preciso fazer algo em larga escala para termos um retrato global”, observa o também professor na Faculdade de Medicina. Por enquanto, “estamos nos primórdios” da investigação, “precisamente porque nos convencemos de que os vírus eram todos maus” e só recentemente “começámos a perceber que também temos aliados”.

Desenvolvido nos EUA, o Programa Viroma Humano enquadra-se nesta missão de descoberta e conhecimento. Propõe-se analisar amostras de milhares de voluntários para compreender melhor como os vírus afetam a saúde. Ao identificar, quantificar e classificar os vírus, em última análise, no fim desse processo, a iniciativa poderá abrir caminho a novos tratamentos e a novas formas de prevenir doenças. O objetivo é caracterizar o viroma humano “saudável”, remover os obstáculos tecnológicos e definir o seu papel na saúde e nas doenças. “Como é que estes vírus interagem uns com os outros, com as bactérias que também vivem connosco e com as nossas células?” – são perguntas para as quais Miguel Castanho gostaria de obter informação.

Complemento aos antibióticos

Conhecemos bem os vírus que provocam a gripe, os coronavírus, assim como queremos distância do mpox, o maior vírus dos que infetam o ser humano e que, em agosto, foi declarado pela Organização Mundial da Saúde “emergência de saúde pública global”, em virtude da sua crescente propagação em África.

Mas os vírus, tanto os de curta duração (agudos) como os persistentes, não são esquisitos e habitam todas as superfícies do corpo humano, interiores e exteriores, do sangue à pele, dos pulmões à urina, da boca ao intestino. Será mais fácil responder à questão: “Onde é que não os temos?”

Mesmo as pessoas saudáveis estão repletas de vírus que não as deixam doentes. A grande maioria são benignos e alguns podem até ser benéficos, mas subsistem muitas incertezas e mistérios em torno do viroma humano.

Nos primeiros dois meses deste ano, cinco universidades americanas (Pensilvânia, Stanford, Califórnia, Vanderbilt e Instituto Broad) receberam 171 milhões de dólares em apoios federais para se unirem, no âmbito do já referido programa, numa busca sem precedentes, com vista a catalogar estes vírus, a identificar padrões e a encontrar relações de causa e efeito. Os cientistas vão recorrer a amostras de saliva, fezes, sangue, leite e outras de milhares de voluntários, que serão processadas através de sistemas de Inteligência Artificial (IA).

“Tendo em conta que vão analisar quantidades enormes de amostras e tentar estabelecer correlações entre vários parâmetros, como sexo, idade, contexto genético de diferentes etnias, hábitos alimentares e outros, em vez de demorarem anos, os algoritmos da IA vão fazê-lo de forma rapidíssima”, aponta Miguel Castanho.

No Centro de Engenharia Biológica (CEB) da Universidade do Minho, a investigadora Joana Azeredo está um passo à frente no que respeita ao aproveitamento terapêutico dos chamados vírus bons. Doutorada em Engenharia Química e Biológica, desenvolveu um projeto sobre uma espécie bastante abundante, conhecida por bacteriófagos, ou simplesmente fagos, cuja principal característica é a capacidade de destruir bactérias. Uma arma promissora para combater infeções bacterianas, portanto.

Não é assim tão simples, mas o CEB já encaminhou 11 pacientes nacionais para a terapia fágica, através de uma parceria com um hospital da Bélgica (único país da União Europeia que tinha esta prática clínica regulamentada até o Infarmed português ter feito o mesmo, em novembro passado). Além disso, o banco de fagos desenvolvido por Joana Azeredo, que hoje conta com 120 exemplares diferentes, ajudou a elaborar o tratamento para outros três doentes, dois nos EUA e um na Bélgica.

Esperança O investigador Miguel Castanhoe Eda Alves, que sofre de fibrose quísticae partilha a sua luta pelo acesso à terapia fágica

Estes tratamentos são personalizados, uma vez que os fagos são selecionados à medida de cada bactéria que se pretende eliminar, para garantir ataques cirúrgicos e seguros. A investigadora do CEB diz que só os belgas estão a produzir os cocktails farmacológicos necessários, administrados no local da infeção através de nebulizadores, pomadas, injeções endovenosas, etc. No entanto, vários países colaboram para encontrar o fago certo para combater determinada bactéria.

“É um complemento terapêutico aos antibióticos, que serão sempre a primeira linha de ação”, considera Joana Azeredo, sobre este processo complexo e moroso que deve servir, sobretudo, para combater as chamadas superbactérias, insensíveis aos antibióticos tradicionais. Segundo a Organização Mundial da Saúde, este problema está na origem de 670 mil mortes por ano só na Europa.

Eda Alves, que sofre de fibrose quística e partilhou a sua luta pelo acesso à terapia fágica na rubrica Primeira Pessoa, da VISÃO (edição nº 1651), é um caso paradigmático. Suscetível a infeções nas vias respiratórias provocadas por uma bactéria que foi ganhando resistência aos antibióticos, sentiu grande alívio dos sintomas após o primeiro ciclo fágico. Em outubro, a jovem portuguesa contou-nos que já não foi assim na segunda tentativa, porque as bactérias também se adaptam aos fagos. Teve de mudar de cocktail e, dessa vez, já sentiu o efeito do novo fago (fornecido pela Hungria).

“O lado positivo é que, por norma, quando as bactérias estão a desenvolver resistência aos bacteriófagos, perdem-na face aos antibióticos e tornam-se menos agressivas”, explica Joana Azeredo.

Vírus assintomáticos

Os primeiros indícios do viroma humano surgiram há mais de um século. Foi nessa altura, só com a análise de amostras de fezes, que os cientistas descobriram os vírus bacteriófagos.

A investigação prosseguiu, e a descoberta científica seguinte focou-se nos vírus que infetavam as células humanas sem causar quaisquer sintomas de doença. A grande maioria da população mundial é infetada por citomegalovírus (vírus comum da família dos vírus herpes), por exemplo, mas estes permanecem quase sempre “adormecidos”. Não se sabe ao certo por que motivo(s), de um momento para o outro, tornam-se sintomáticos. Por outro lado, há estudos a indicarem que estes vírus “ajudam na prevenção contra algumas bactérias”, contrapõe Miguel Castanho.

Com os avanços na genética e a primeira sequenciação do genoma humano, publicada em 2003, os cientistas encontraram ainda mais vírus na saliva, no sangue e nas fezes. O uso de tecnologia permitiu estimar o número de vírus no corpo, contando as cópias de genes virais. Segundo estimativas recentes, no corpo humano aglomeram-se 100 vírus por cada dez bactérias e por cada célula. Um exemplo: cada grama de fezes contém biliões de fagos. E as espécies virais presentes variam de pessoa para pessoa, incluindo entre casais. Quanto mais pessoas forem estudadas, mais espécies de fagos serão encontradas. Abre-se aqui um parêntesis para sublinhar que o confronto entre vírus e bactérias (e fungos) é anterior à Humanidade.

Mesmo sendo “um parente distante do dengue”, o GB vírus C, ou pegivírus C, também vive em simbiose connosco, de modo “absolutamente assintomático”, multiplicando-se no sangue. De acordo com Miguel Castanho, “está estabelecido que prejudica a progressão do HIV e do ébola”, uma vez que, em pessoas com maior prevalência deste vírus, as infeções provocadas pelos outros dois “não se desenvolvem tanto”. Isto deve-se a uma “competição” entre eles por “recursos do mesmo ecossistema”, ou seja, células humanas onde conseguem multiplicar-se.

IA para detetar o invisível

A investigação sobre as bactérias e a sua importância no microbioma progrediu muito nos últimos 15 anos, mas há uma razão prática para aquelas se terem adiantado aos vírus: são muito mais fáceis de estudar. “As bactérias são muito maiores do que os vírus e, até há pouco tempo, não tínhamos a tecnologia, as ferramentas de sequenciação e a capacidade computacional para estudar os vírus da mesma forma”, justifica Frederic Bushman, microbiologista da Universidade da Pensilvânia e um dos líderes do Programa do Viroma Humano.

Os vírus que infetam células humanas revelaram-se inesperadamente diversos. Em 1997, investigadores no Japão que analisavam o sangue de um doente descobriram uma família viral inteiramente nova que veio a ser conhecida como Anellovirus (Anelloviridae), com duas espécies geneticamente distintas de Torque Teno Virus. No início de janeiro, um estudo publicado pela Universidade de Oxford revelou 829 novas espécies de Anellovirus, elevando o número total de espécies conhecidas para mais de 6 800.

Quanto mais se sabe sobre o viroma humano, mais questões são agora levantadas sobre a própria definição de vírus. Um vírus comum consiste num invólucro proteico que contém genes que são codificados em DNA (material hereditário) de dupla hélice ou RNA (abreviatura de ácido ribonucleico) de hélice simples. Mas os cientistas estão a descobrir que o corpo do Homem também alberga anéis extraordinariamente pequenos de RNA flutuantes.

Os vírus são tão pequenos que podem permanecer invisíveis dentro das células. Alguns podem até infiltrar os seus genes no DNA da célula hospedeira, onde conseguem esconder-se durante vários anos antes de se replicarem. Só com ferramentas inovadoras e recentes poderá haver progresso científico.

É aqui que entra o desenvolvimento de um sistema de Inteligência Artificial por Pardis Sabeti, bióloga computacional da Escola de Saúde Pública de Harvard, e mais colegas, ao qual o Programa Viroma Humano irá recorrer para descobrir características muito subtis de genes virais. E assim conhecer melhor todos estes bichos que vivem em nós

IA e a próxima pandemia

Como pode a Inteligência Artificial transformar a investigação sobre doenças infecciosas e salvar mais vidas? Esta foi a pergunta a que investigadores do Instituto de Ciências da Pandemia (Pandemic Sciences Institute, PSI) e da Universidade de Oxford, com outros colegas do meio académico, da indústria e de organizações políticas de todos os continentes, tentaram recentemente responder. O estudo, o primeiro do género, publicado no mês passado na revista Nature, descreve pela primeira vez os avanços possíveis na resposta a surtos.

Se, antes, a solução se concentrava no diagnóstico clínico, na medicina de precisão e no tratamento clínico, agora, Moritz Kraemer, professor de Biologia do PSI e de Oxford e principal autor do estudo, garante: “Nos próximos cinco anos, a IA tem o potencial de transformar a preparação para novas pandemias. Isso irá ajudar a antecipar melhor onde começarão os surtos e a prever a sua trajetória, usando terabytes de dados climáticos e socioeconómicos reunidos com frequência. Também poderá ajudar a prever o impacto dos surtos de doenças em pacientes únicos, estudando as interações entre o sistema imunológico e os patogénicos emergentes.”

“Temos fago promissor para o Alzheimer”

A investigadora do Centro de Engenharia Biológica (CEB) da Universidade do Minho, Joana Azeredo, trabalha com os bacteriófagos, vírus capazes de destruir bactérias

Em 2021, o seu apelido foi atribuído a uma subfamília de vírus bacterianos. Os Azeredovirinae servem para a terapia fágica?
Infelizmente, não são muito bons. Como se integram no genoma da bactéria, podem propagar resistências e virulência. Para a terapia, usamos bacteriófagos que só matam as bactérias. Temos de ter o cuidado de os caracterizar bem, geneticamente, para garantir a segurança do processo.

Que doenças são mais propícias a beneficiar deste tratamento com fagos?
Genericamente, qualquer infeção causada por bactérias. No entanto, como o processo é personalizado e desenvolvemos um cocktail específico para a bactéria alvo, o processo ainda é demorado e temos mais sucesso no tratamento da doença crónica do que numa situação crítica de falência, como uma septicemia. Mas não significa que não seja possível. E temos a questão das bactérias resistentes, que deixam de ser sensíveis aos antibióticos.

Em novembro, o Infarmed aprovou a terapia. Já foi aplicada em Portugal?
Não sei. Nós temos estado a apoiar doentes, mas ainda por intermédio da Bélgica. Portugal precisa agora de se capacitar para produzir os cocktails e não estar dependente da Bélgica. No nosso laboratório também vamos tentar criar uma pequena unidade de produção, só para casos mais específicos.

Só a Bélgica é que produz?
Os outros países também recorrem aos produtos belgas, mas Portugal tem aqui uma oportunidade única, porque somos o segundo país do mundo a ter esta autorização, o que nos coloca numa posição de vanguarda interessante. Adotámos o modelo belga, da fórmula magistral, o que significa que o preparado farmacêutico, com os fagos, é feito nas farmácias hospitalares após a prescrição médica como produto farmacológico ativo. Se fosse como os antibióticos, era preciso fazer todas as validações com ensaios clínicos, mas não seria possível estar a fazer isso para cada bacteriófago.

Há outros vírus bons a serem estudados no CEB?
Temos um fago para ser utilizado no diagnóstico e tratamento de doenças neurológicas, inclusive Alzheimer. São vírus que se ligam às proteínas precursoras das placas que causam a doença e diminuem a sua progressão. Já o mostrámos em modelos de ratinhos e está em desenvolvimento, mas pode ser uma tecnologia promissora. Já está patenteada e é de uma colega que trabalha comigo.

No mais recente disco de Luísa Sobral, DanSando, de 2022, podia ouvir-se a canção Maria Feliz. “Foi um pacto delicado/ Partirmos lado a lado/ Mas se outro mundo houver/ Quero entrar de braço dado”, ouvia-se, na voz nasalada de Luísa. Na base desse tema estava a mesma história real, lida numa notícia, que inspirou o romance de estreia da cantora e compositora, Nem Todas as Árvores Morrem de Pé, já nas livrarias. No concelho de Vila Real, um casal de estrangeiros, alemães, quase eremitas e com um grande amor pela Natureza, pôs fim à vida em conjunto. O romance de Luísa ficciona um passado para “Maria Feliz” (era mesmo por esse nome que era conhecida) e leva-nos à Alemanha de Leste (RDA), há mais de 50 anos, e a uma passagem por Itália, um mundo com um muro a dividi-lo, entre utopias e opressão. A narrativa desenrola-se entre várias épocas e protagonistas, num hábil puzzle, entrecortado por “interlúdios” poéticos, que nos revela, às vezes com simetria, uma história de mães, pais, filhos; uma mulher que, depois do nascimento da filha, se recusa ser mãe, outra que deseja sê-lo, mas não consegue engravidar. Luísa tomou-lhe o gosto e já está a escrever um segundo romance.

Artista total Além da dedicação à música e à literatura, Luísa Sobral, 37 anos, também gosta muito de fotografia e de teatro. “Tenho saudades de representar”, diz

No prefácio deste romance, ficamos a saber que tudo começou numa notícia de jornal, que dava conta de um pacto de suicídio de um casal de estrangeiros, no concelho de Vila Real. Quando decidiu partir para o romance, pensou num trabalho à la Truman Capote, que no seu célebre A Sangue Frio investigou a fundo as circunstâncias de um caso real, ou optou por preencher os muitos espaços vazios, tudo o que não se sabia, com a sua imaginação?
Logo nas primeiras dez páginas que escrevi, senti-me supercondicionada pela parte histórica. Sabia que ela tinha vindo da Alemanha de Leste, e quando percebi que tinha de recuar uns anos e escrever algo com um contexto histórico que fizesse sentido, isso fez-me largar essas páginas logo a seguir. Corria o risco de pôr a personagem a dizer coisas que não se diziam, a fazer coisas que não se faziam… Senti-me tão condicionada e assoberbada que parei, com a sensação de que não conseguia ser criativa com todos esses condicionamentos. Pensar em todo o contexto histórico já me deixava tão preocupada e claustrofóbica que a parte da história real daquelas pessoas não era essencial, não podia condicionar-me ainda mais… Tinha quatro informações e nem quis saber muito mais.

Quais eram?
O pacto de suicídio, sabia que ela era da Alemanha de Leste, que às tantas, na sua vida, tinha tido um amor em Itália e sabia da sua paixão pelas flores e pelas plantas. Estive com pessoas que os conheceram, e que até passaram algum tempo a viver com eles, e soube que eles eram muito reservados em relação ao seu passado, não contavam nada. Ainda tive algumas informações. Mas rapidamente percebi uma coisa: eu não quero escrever exatamente sobre estas pessoas, mas sim sobre o que elas me inspiram. Essa história, essa notícia, foi só o ponto de partida.

Optou, então, por preencher a narrativa com a imaginação, tendo os alicerces numa história real.
Sim, porque até corria o risco de ir investigar a fundo a história deles e ela não ser muito interessante, nem ir ao encontro do que eu queria. Depois de passar a tal fase de me sentir condicionada, quando comecei a pesquisar mais o contexto histórico, passei a sentir-me, pelo contrário, muito inspirada.

Não só houve o risco de se atirar a um primeiro romance, quando está muito mais habituada a escrever canções e a fazer música, como tornou o desafio mais difícil ao situar a ação num país distante, a Alemanha, num tempo que não viveu…
A culpa não foi minha, fui lá parar, as personagens disseram-me aonde é que eu tinha de ir… Agora, já estou a escrever um segundo romance e passa-se em Sintra, que é onde eu moro [Risos].

Tem alguma ligação pessoal ou familiar com a Alemanha? Fala alemão?
Nada, nada… Falo algumas línguas, mas alemão não é uma delas. Nada me liga à Alemanha, além da minha cara. Fora de Portugal, muitas vezes pensam que sou alemã.

Como avançou para a pesquisa desse contexto das duas Alemanhas antes da queda do muro, especialmente a RDA?
Vi vários filmes, li vários livros… Um deles muito interessante escrito por alguém que viveu na Alemanha de Leste e se fartou um bocadinho de só falarem nas coisas más da RDA e quis apresentar a realidade, a sua verdade, também irritado por os alemães de leste serem sempre tratados como uns coitadinhos. Achei isso muito interessante, até porque gosto sempre de ver os dois lados das coisas. Inspirei-me nesse processo de investigação para continuar a escrever, em vez de ir escrevendo e me aperceber, depois, de que aquilo podia não ser verosímil.

Foi, então, imaginando episódios e histórias a partir dessa investigação. Surpreendeu-se com algumas coisas?
Sim. Por exemplo, aquela história das calças Levi’s. Toda a gente queria essas calças e não eram permitidas na RDA. O que é que o governo fez? Decidiu comprar Levi’s e vendê-las superbaratas. Às vezes, sendo anticapitalistas, faziam estas coisas com o intuito de as pessoas se sentirem mais felizes…

Esse processo de pesquisa passou por ir à Alemanha?
Só fui agora, há uns meses, já com o livro escrito. Gosto muito de fotografia, e a minha ideia era ser eu a fotografar a capa. Fui a Leipzig, com o meu marido, uns dias. Já tinha ido cantar várias vezes à Alemanha, incluindo a cidades da antiga Alemanha de Leste, já tinha visto toda aquela atmosfera soviética, aqueles edifícios… Depois, achei que as minhas fotografias, a preto e branco, eram muito tristes. E não queria que o meu livro parecesse triste, negro. Não era isso que eu queria passar e disse à editora, que me enviou um ensaio de capa com uma foto minha: “As minhas fotografias não estão a servir o livro, prefiro outra coisa na capa.”

O livro acabou por chegar às livrarias em cima das eleições legislativas na Alemanha…
Foi coincidência. Como foi coincidência eu ter ido a Berlim, na tal viagem, em novembro do ano passado, quando se assinalavam 35 anos da queda do muro. Depois de escrever este livro, viver essas celebrações deixou-me emocionada.

… e nestas eleições uma das coisas mais significativas foi a grande subida da AfD, de extrema-direita, sobretudo no território da ex-RDA. Como olhou para isso, depois de passar tanto tempo a ler sobre a história do país?
Que loucura, não é? Surpreendeu-me, claro. Acho que é mesmo necessário continuar a escrever sobre estes períodos. Há quem diga que já ninguém tem paciência… Mas, pelo contrário, é cada vez mais importante lermos sobre estes assuntos e a nossa História recente. Li há pouco tempo A Desobediente, biografia da Patrícia Reis sobre a Maria Teresa Horta, e Revolução, do Hugo Gonçalves. Livros como esses são fundamentais para não haver esquecimento. Se houver, o que pode acontecer é voltarmos a viver períodos como esses. Este sucesso da extrema-direita é um reflexo do esquecimento. Custa-me a entender, sobretudo vindo de pessoas da Alemanha de Leste…

O que pode explicar esse fenómeno?
Pensando também em Portugal, a razão mais forte que encontro tem muito que ver com a imigração, a falta de capacidade para lidar com a imigração. É um círculo vicioso: entra muita gente na Europa, vinda de outros países, em busca de uma vida melhor; nós deixamos entrar essas pessoas, o que acho muito bonito, mas não lhes damos apoio. Senti isso quando acolhi uma família ucraniana, em 2022. Nós podemos tentar ajudar, como cidadãos, mas tem de haver medidas do governo, porque se não houver, estas pessoas chegam cá e não têm mínimas condições de vida, o que pode, de facto, fazer aumentar a criminalidade, as tensões sociais. E, nesse contexto, aumentam a xenofobia e as generalizações sobre essas pessoas, há um ódio crescente… Tudo isto, a má gestão das migrações, dá votos à extrema-direita.

Nem falamos só de imigração, também há um grande fluxo de refugiados…
Sim, claro. E faz-me muita confusão a falta de empatia. Acho que atualmente há muita dificuldade em as pessoas se porem na pele dos outros. Muitos destes imigrantes e refugiados que chegam à Europa prefeririam, obviamente, estar nos seus países, vêm porque não conseguem viver lá e dar uma vida melhor aos seus filhos. No caso da guerra na Ucrânia, julgo que foi mais fácil porque sentimos que eram pessoas como nós. Sentir isso com quem vem, por exemplo, da Síria, é mais difícil, por causa da distância e das diferenças, até em termos de religião. Há pessoas que já tinham esses sentimentos xenófobos e pensamentos próximos da extrema-direita, mas achavam que não eram corretos, e de repente ouvem alguém dizer: “Está tudo bem em pensares assim!” Isto para mim é bastante assustador, ainda mais nos jovens. Ouvir pessoas mais velhas, que ainda têm resquícios do colonialismo, com esses pensamentos não me espanta tanto. Agora, ouvir pessoas da minha idade, ou mais novas, é terrível… Muitos dos militantes do Chega são miúdos com 20 e tal anos e isso faz-me muita confusão. Parece que ser rebelde, hoje, é ser de extrema-direita. Há podcasts de miúdos a dizerem coisas como: “Mulher minha não vai trabalhar!” Como assim? Que grande retrocesso, não consigo entender…

Um dos temas do seu livro é o “mal”. E põe-nos a pensar: um torturador, um violador, pode ter belos sonhos e sentir um amor verdadeiro?
A minha ideia era mesmo conhecermos essa personagem através de cartas de amor que ele escreveu. Eu muitas vezes falava sobre os meus personagens com o meu psicólogo. E ele dizia coisas como: “Claro, isso faz todo o sentido, é o distúrbio (não sei quê)…” Acho que as pessoas “más” também podem ter bons sentimentos. No meu romance isso tem que ver com várias coisas… Ele era uma pessoa insegura, e precisava do poder que vinha do trabalho, na Stasi, para se sentir útil. Nunca senti que ele fosse genuinamente mau, e o amor dele era verdadeiro… Nada é só “mau”. Fiz até questão de falar de um lado da RDA que tinha que ver com a liberdade das mulheres para fazerem todos os trabalhos e com a relação muito mais livre com os seus corpos. Havia coisas em que a RDA estava à frente, e achei importante dizer isso.

A capa que mereces Luísa foi à Alemanha fazer fotografias para a capa do seu romance de estreia. Mas preferiu não usar nenhuma dessas imagens

A arte tem o papel de complexificar, neste mundo em que, por vezes, tudo é apresentado de forma muito simplista: as “pessoas de bem” e os “bandidos”…
Sim, mas tanto neste romance como nas minhas canções, não escrevo como portadora de uma bandeira. Nunca. O meu processo é totalmente egoísta, é para mim. Nem sabia se ia gostar do resultado final deste livro, se iria ser editado… Escrevi porque queria escrevê-lo. No último disco, tenho uma canção sobre o retrocesso dos direitos das mulheres no Afeganistão porque vi uma reportagem no Telejornal que me deixou muito angustiada… Precisei de escrever aquela canção. Se ela, depois, se transforma numa espécie de “bandeira”, já é outra coisa. Ontem fui a uma escola e estavam para aí 50 crianças a cantar essa canção [Serei Sempre uma Mulher], o que me deixou muito emocionada. Também escrevi sobre a guerra na Ucrânia, mas nunca com o intuito de criar bandeiras.

Mas complexificando, com a sua visão…
Escrevi assim porque como leitora não gosto que o autor me diga o que devo sentir. Prefiro exatamente o contrário: que me diga tantas coisas, que eu nem sei bem o que sentir… Aí é que a leitura faz mossa e me pode mudar.

Optou por entrecortar a narrativa com uma espécie de aforismos, de pequenas frases, às vezes mais poéticas…
Para concretizar este livro, o meu marido ofereceu-me um retiro de escrita de três dias, no Alentejo, com um professor, o Pedro Sena-Lino, que é muito bom. Era mesmo um workshop para trabalhar em projetos já existentes. Numa das conversas que tivemos, ele sugeriu: porque é que não incluis no livro algo mais poético e que faça a ponte com o que tu és como cantautora? Fiquei a pensar naquilo, e fiz uns poemas. Mas não queria que fossem poemas… Tornaram-se mais pensamentos. À distância, percebo que é quase como se eu tivesse de transformar o capítulo seguinte numa canção. Esses interlúdios condensam o que aí vem de uma forma poética, e isso está mais próximo do que faço nas minhas canções.

Escrever canções é muito diferente de escrever um romance?
A maior diferença é o tempo. Ao início, foi muito angustiante. E não lidei bem com não saber o fim, ou como lá chegar. Enquanto se escreve um romance, acontecem coisas com as personagens, que podem fugir ao que antes tínhamos planeado, cheguei a ter taquicardias e a não dormir bem por causa disso… Eu escrevo canções muito rapidamente, uma, duas, três horas, e, normalmente, a canção está escrita.

É o velho cliché do autor a ver os personagens a ganharem vida própria…
Acontecia-me todos os dias. Adormecia a pensar neles, acordava a pensar neles. Estava no carro e eles iam-me dizendo para onde queriam ir… Isso nunca me tinha acontecido com uma canção. Eu sou muito controladora com tudo o que faço e isto foi uma aprendizagem, aprender a deixar as coisas fluírem, irem por onde querem ir. Aprendi muito com este processo de escrita para a minha vida.

Saiu dele com mais vontade de regressar às canções ou de repetir a façanha literária? Já disse que está a escrever outro romance…
Vou fazendo canções, lancei uma nova há pouco tempo [O Resto das Nossas Vidas], vou lançar outras, e juntas vão formar um álbum que já está na minha cabeça. Fiquei muito entusiasmada com isto da escrita, mas não me pressionei a escrever este segundo livro, foi uma história que veio ter comigo. Comecei, entusiasmei-me, até já fui outra vez para um retiro de escrita… E acabou por acontecer ter de revisitar, outra vez, um certo contexto histórico, neste caso a guerra em Angola e Moçambique. Está a dar-me muito prazer esta nova arte. Eu leio muito, mas nem sempre um leitor é um escritor…

Por falar nisso, reconhece alguma influência literária óbvia neste romance?
Quando comecei a ler a escritora brasileira Carla Madeira, por exemplo, ela foi muito importante para mim. Eu já tinha feito um curso de escrita de prosa, mas sentia que não conseguia largar a poesia. E via isso como um problema. Mas lendo livros da Carla, e de outros autores brasileiros, percebi que podia ser essa minha voz, sem problema nenhum de resultar numa prosa poética. O primeiro livro que me viciou, há muitos anos, foi Os Filhos da Droga, da Christiane F. Sempre fui muito certinha, nunca fumei, nem bebi, nem experimentei nada de drogas, e precisamente por isso é que esses livros eram tão espetaculares para mim: aquelas pessoas estavam a experimentar tudo o que eu não ia experimentar… Podia viver outras vidas sem estragar a minha.

Como é que se consegue escrever um romance com quatro filhos pequenos? E respondendo já à possível crítica: sim, também poderia perguntar isto a um homem…
Acredito que sim, sendo quatro filhos, o mais velho com oito anos…

Um romance exige fugir para aquele mundo que se está a construir durante horas…
É verdade. Para já, felizmente eles estão na escola… Mas com quatro há sempre um ou dois em casa, doentes, sobretudo quando são mais pequeninos. Sou muito obsessiva nas coisas que faço, e aqueles três dias do tal retiro serviram para eu mergulhar completamente nesta história, definir a cronologia de cada personagem. Isso foi fundamental, e a partir daí já estava tão embrenhada, tão obcecada, que cada segundo disponível era para avançar na escrita. Às vezes, punha o despertador para uma hora antes de os meus filhos acordarem e escrevia com o nascer do sol, foi o Miguel Esteves Cardoso que me ensinou no livro dele [Como Escrever]. E é verdade que funciono muito melhor de manhã, com a casa em silêncio. Quando eles acordavam, sentia que já podia ser mãe a tempo inteiro.

Além da disponibilidade de tempo, esta pergunta também tinha que ver com o tema do livro, muito duro nessa questão da relação pais/filhos… Imagino que mexeu muito com os seus sentimentos.
Claro, emocionei-me bastante nalgumas cenas, chorei muitas vezes a escrever este livro. E dedico-o à minha mãe, com quem tenho uma relação muito boa. As boas relações familiares quase nunca dão bons livros…

Já dizia Tolstoi, no início da Anna Karenina: “Todas as famílias felizes são parecidas, cada família infeliz é infeliz à sua maneira…”
Sim, mas ainda agora li um livro maravilhoso, Somos o Esquecimento que Seremos, do colombiano Héctor Abad Faciolince, que é uma homenagem ao pai dele, uma relação cheia de coisas bonitas. Claro que as famílias felizes também podem dar bons livros.

Acha que Nem Todas as Árvores Morrem de Pé é um livro duro?
Sim, é. Mas espero que quando os leitores o terminem, sintam também que é um livro que fala sobre a fé no amor, a beleza nas relações e, até, a esperança. Também por isso não queria que tivesse uma capa triste.

Nem Todas as Árvores Morrem de Pé

Luísa Sobral

Entre memórias, cartas de amor e a História a acontecer, o romance de estreia de Luísa Sobral apresenta-nos personagens com dificuldade em enfrentar a vida que o destino lhes reservou. Leva-nos à Alemanha dividida pré-1989, a uma quinta em Itália e, finalmente, a um desenlace em Portugal, apresentado logo no início

— D. Quixote
224 págs., €17,70

Palavras-chave:

O aumento das ligações entre os dois maiores municípios das margens do Douro será efetivo no final do próximo ano, quando estiverem concluídas as oito estações da Linha Rubi, que se vai estender entre a Casa da Música e Santo Ovídio, e que será servida pela nova Ponte Ferreirinha, assim batizada em homenagem a Antónia Ferreira, personalidade incontornável da história do Vinho do Porto e do desenvolvimento da região do Douro. Desta maravilhosa obra do arquiteto José Carlos Oliveira, do consórcio Edgar Cardoso, Arenas e NOARQ, já se veem os elegantes pilares que vão ligar as duas margens do rio Douro.

As ligações entre os dois concelhos já foram reforçadas com o crescimento da Linha Amarela com mais duas estações, até ao Hospital Santos Silva, em Gaia.

Os utentes do metro que circulam no interior da cidade do Porto verão entrar em funcionamento a Linha Rosa, que, a partir de julho deste ano, vai ligar a Estação de São Bento à Casa da Música e contará com duas novas estações, Galiza e Hospital de Santo António, com traços dos grandes arquitetos Eduardo Souto Moura e Álvaro Siza, consórcio Ayesa/Quadrante.

O sistema de transporte da cidade será complementado com o metrobus, que vai ligar a Casa da Música à Foz, contando com sete estações.

Linha Rosa (G)

No que respeita à nova Linha Rosa (G), que vai ligar São Bento e a Praça da Liberdade à Casa da Música, ao longo de cerca de três quilómetros, a meta continua a ser julho deste ano enquanto prazo para a conclusão dos trabalhos. Neste momento, faltam 150 metros para completar a escavação do túnel até à Avenida da França, onde vai ficar situada a estação Casa da Música II. Além desta, vão ser construídas mais três (todas subterrâneas): Galiza, Hospital Santo António e São Bento. Em todas as frentes de obra prossegue a edificação das estações.

A construção da Linha Rosa implica um financiamento global de 304,7 milhões de euros, proveniente das seguintes entidades: PO SEUR, Sustentável 2030 e Fundo Ambiental.

Linha Rubi (H)

A Linha Rubi (H) vai unir a Casa da Música, no Porto, a Santo Ovídio, em Vila Nova de Gaia, estendendo-se por mais de seis quilómetros (6,3 km) e contando com oito estações (três à superfície, cinco subterrâneas): Casa da Música (III), Campo Alegre, Arrábida, Candal, Rotunda, Devesas, Soares dos Reis e Santo Ovídio (II). O investimento total nesta obra, que vai ficar concluída até final de dezembro de 2026, é de 435 milhões de euros, assegurados pelo Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), pelo Orçamento do Estado e pelo Fundo Ambiental.

A empreitada relativa a esta linha continua a progredir e é cada vez mais visível no terreno. Desde logo, no Campo Alegre está a ser executada a escavação para a construção da futura estação subterrânea nesta zona da cidade do Porto. No que respeita à Ponte Ferreirinha, existem já pilares a serem erigidos nas duas margens do rio Douro. Em Vila Nova de Gaia, destaque para a conclusão das estacas que permitem efetuar a escavação das estações de Santo Ovídio e das Devesas. Na rotunda Eng.º Edgar Cardoso, onde se trabalha na construção da estação Rotunda (de superfície), faz-se igualmente a escavação para a criação do parque de estacionamento subterrâneo que vai contar com dois pisos.   

Metrobus

A ligação de metrobus Boavista-Império começou a ser construída a 31 de janeiro de 2023, tendo sido terminada a 23 de agosto de 2024. Com prioridade sobre todos os outros modos de transporte (através de um sistema de semaforização inteligente), um canal exclusivo (ou dedicado) e integrado no sistema de bilhética Andante, o metrobus do Porto está alinhado com a tendência de outras cidades europeias no que toca a mobilidade sustentável. A grande vantagem competitiva do metrobus é a rapidez e o fator fiabilidade no cumprimento escrupuloso de horários. A ligação Boavista-Império vai demorar apenas 12 minutos e a viagem entre a Boavista e a Anémona terá uma duração de 17. Um tempo de viagem muitíssimo vantajoso na comparação com outras alternativas e, especialmente, com o automóvel.

A ligação da Boavista à Foz, ao longo das avenidas da Boavista e do Marechal Gomes da Costa, perfaz um traçado de exploração de oito quilómetros (quatro em cada sentido). O serviço conta com sete novas paragens de superfície: Casa da Música, Guerra Junqueiro, Bessa, Pinheiro Manso, Serralves, João de Barros e Império. Além destas, a ligação a Matosinhos, com um total de doze quilómetros, inclui ainda as estações de Antunes Guimarães, Garcia de Orta, Nevogilde, Castelo do Queijo (Praça de Gonçalves Zarco) e Anémona (Praça Cidade do Salvador), em Matosinhos. Todas elas vão dispor de cobertura, máquinas de venda de títulos, validadores, câmaras de videovigilância e sistema de informação ao público – nomeadamente painéis eletrónicos e informação sonora.

A localização das estações encontra-se sempre ao centro da via. Na Avenida da Boavista, o metrobus circulará em canal central exclusivo, ao passo que na Marechal utilizará sempre a faixa de rodagem da esquerda, em ambos os sentidos, partilhando-a com os outros modos.

Palavras-chave:

É premissa cultural generalizada que as mulheres são faladoras. Estão sempre em contacto umas com as outras. Fazem comentários sobre tudo e todos, são tagarelas, enchem o silêncio com palavras muitas vezes desprovidas de conteúdo. Mas, a verdade, é que raramente partilham as suas angústias e tristezas íntimas sobre “assuntos femininos”, o que leva a que muitas passem pela mesma dor e dúvidas de forma isolada e só.

Se durante a puberdade e adolescência a menstruação é assunto recorrente, quase uma ostentação de maturidade – e até porque justifica faltas às aulas de educação física -, a verdade é que, com a idade, estrogénios e progesteronas ficam fechados numa caixa a sete chaves e raramente são aflorados. As irregularidades do ciclo e as dores menstruais ainda geram conversa entre amigas e colegas; os métodos contracetivos supostamente são abordados na escola; as primeiras experiências sexuais podem ser confessadas a amigas próximas; mas, a partir daí, facilmente se entra num secretismo solitário.

Refiro-me a temas que podem mesmo ser tabu: a infertilidade, os abortos – espontâneos ou provocados -, as agruras da gravidez, as sequelas do parto, a maternidade não esplendorosa, o suplício da amamentação, a deformação do corpo, a menopausa, o envelhecimento. E a falta de líbido, a anorgasmia, o desinteresse sexual. A perda de identidade com a fusão dos vários papéis de mulher, mãe, cuidadora, trabalhadora, doméstica, estudante, cônjuge. E o impacto de todos estes temas é ampliado se se tratarem de mulheres pertencentes a grupos minoritários.

Sou médica há 15 anos. Durante a faculdade, estes assuntos foram estudados sobretudo sob a perspetiva orgânica, mas não foram verdadeiramente debatidos. Não sou obstetra, mas há mais de 10 anos que faço uma consulta especializada com doentes que passam por abortos (espontâneos) de repetição e a verdade é que, até há pouco tempo, não tinha a real noção do que é passar por uma perda gestacional. Felizmente continuo sem ter, mas uma amiga, em conversa de esplanada, teve a coragem de verbalizar aquilo por que passou, quase de forma gráfica. E isso ajudou-me a ajudar outras mulheres. Porque um aborto é muito mais do que uma menstruação. Porque o paracetamol não chega para as dores da expulsão. E é muito raro falar-se disso. As perdas são guardadas em segredo, com vergonha.

A infertilidade é outra temática complexa. É algo escondido pelo casal, como um ato de fracasso.  Se importa não fazer perguntas desconfortáveis por parte de familiares e amigos, também é importante haver diálogo entre o casal e o médico assistente. A procriação medicamente assistida tem de ser desmistificada. É cara, é verdade, mas o Sistema Nacional de Saúde ainda consegue dar alguma resposta. E é premente pedir ajuda, porque, convenhamos, o tempo avança e a biologia não está do nosso lado.

Aqui, temos também as muitas mulheres solteiras, ainda em idade fértil, angustiadas por não encontrarem um parceiro passível de ser pai dos seus filhos, enquanto o mundo à volta delas gira, os amigos procriam e elas ficam para trás. O congelamento de óvulos é também uma opção pouco divulgada, que pode contribuir para reduzir a angústia da espera e da solidão.

Depois há o mito da gravidez como estado de graça. Ora, as gravidezes não são todas iguais, mesmo numa mesma mulher. Ninguém nos prepara para o cansaço inexplicável, os enjoos, os vómitos, a azia, os inchaços, as hemorroidas, a incontinência, as candidíases, o sono, a apatia, a insónia, a tensão mamária, o apetite voraz, as dores abdominais e pélvicas em sítios que nunca imaginámos que existiam, a lentificação do raciocínio e as falhas de memória, a labilidade emocional. E há aqui uma enorme falta de compreensão generalizada. Porque, embora as mulheres não falem umas com as outras sobre estes temas, podem ser rápidas no gatilho do julgamento. Frases como “A gravidez não é doença”, “Eu trabalhei até à véspera de entrar em trabalho de parto”, “Já tive 3 filhos e nunca me queixei” geram estigma e ampliam o sofrimento de quem não se sente encaixada na aura de felicidade flutuante atribuída à gravidez. Eu própria me senti ambivalente e alienada nos primeiros meses de gestação, em que hormonas, desconforto e cansaço geraram um cocktail nada inebriante ou agradável.

Depois do parto, nem todas as mulheres sentem uma explosão de amor e imediata identificação com o recém-nascido, o que acarreta uma grande culpabilização. Mas isso é normal. As variações hormonais não são iguais em todas, o corpo está dilacerado e exausto, e a montanha russa de sentimentos não tem um comando ou interruptor. A amamentação pode também ser um processo duríssimo, sendo certo que os conselhos e dicas facilmente variam entre as muitas especialistas no tema – sejam profissionais ou familiares.

Toda a vivência da maternidade é altamente subjetiva, mas o cansaço é um denominador comum à maioria das mães. Tenho doentes em que a sobrecarga de trabalho doméstico levou mesmo à descompensação de doenças crónicas de base, tendo justificado intervenção multidisciplinar junto das respetivas famílias.  E a maioria destas situações não é reconhecida sequer pelas próprias.

A menopausa é também um período conturbado e muito pouco abordado. O corpo volta a mudar de forma radical, novamente com circuitos de emoções descontrolados. As terapêuticas sintomáticas não são igualmente seguras e eficazes e o impacto na qualidade de vida das mulheres nesta fase da vida pode ser também debilitante e facilmente incompreendido. O envelhecimento é algo que não gostamos de abordar, de todo, enquanto sociedade.

Cada um destes assuntos é extenso e merece reflexões separadas. Temos de ser mais compreensivas connosco próprias e aprender a pedir ajuda. E não, não precisamos de anunciar a nossa vida publicamente, mas tenhamos a coragem de partilhar as nossas feridas e mazelas, para ajudar a prevenir, ou mesmo cicatrizá-las, noutras mulheres. Porque, por muito cliché que possa parecer, juntas fortalecemo-nos.

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