O mundo está cada vez mais virado do avesso. A 23 de fevereiro, Alice Weidel será a cabeça de lista do seu partido, Alternativa para a Alemanha (AfD), nas eleições legislativas alemãs. No entanto, a líder dos nacional-populistas germânicos, uma das figuras mais populares e polarizadoras do país, embora se habilite a uma votação recorde e sem precedentes – a maioria das sondagens atribui-lhe intenções de voto acima dos 20% –, prefere não falar em vitória: “Se a comunicação social fosse imparcial, teríamos outros resultados.” Tradução, de acordo com a própria: a AfD poderia ganhar se houvesse um escrutínio livre – algo que inevitavelmente acabará por acontecer “nas próximas eleições federais [em 2029]”.

No início do mês passado, numa reportagem publicada no Neue Zürcher Zeitung, um dos mais antigos jornais do mundo (fundado em Zurique, em 1780), ficamos a saber que a dirigente ultranacionalista, de 45 anos, antiga economista do banco Goldman Sachs, tem também nacionalidade suíça e passa a maior parte do seu tempo disponível na pacata cidade helvética de Willerzell. Ou seja, a personagem que admira Donald Trump e recebe todo o tipo de elogios e apoios de Elon Musk tem domicílio fiscal em Überlingen, no Sudoeste da Alemanha, onde vivem os pais, mas prefere o recato dos Alpes suíços. As razões são muitas. Assim pode fazer caminhadas pela montanha Grosser Mythen, abraçar as árvores que lhe apetecer (é fã daquilo a que os japoneses chamam shinrin yoku, vulgo “banhos de floresta”) e sobretudo passear discretamente na companhia da mulher com quem é casada – a produtora de cinema Sarah Brossard, nascida no Sri Lanka – e os dois filhos adolescentes, adotados, do casal. Estranho? Sem dúvida. Afinal, Alice Weidel é uma acérrima defensora do encerramento de fronteiras, da “remigração” (conceito que prevê a expulsão de migrantes, requerentes de asilo e minorias étnicas) e ainda uma crítica feroz do euro, da União Europeia e das sociedades multiculturais. A somar a todas estas contradições à volta de Alice Weidel, que viveu meia dúzia de anos no Japão e na China (aparentemente, é até fluente em mandarim), convém também sublinhar que o programa eleitoral da AfD afirma que “a família, constituída pelo pai, pela mãe e pelos filhos, é a base da sociedade”. 

INIMIGA NEGACIONISTA

A copresidente da AfD (partilha desde 2022 a liderança do partido com Tino Chrupalla, um velho amigo de André Ventura) tem demonstrado ser capaz de condicionar em larga medida a agenda política germânica. Além da cruzada antimigratória e dos apelos aos valores liberais e conservadores – Weidel diz-se grande admiradora de Margaret Thatcher, ex-primeira-ministra do Reino Unido –, a dirigente populista não receia invocar temas sensíveis como o Holocausto e o passado nazi. Na conversa que teve com o homem mais rico do mundo, retransmitida através da rede social X, chamou “comunista” a Adolf Hitler, pediu aos seus compatriotas para olharem para o futuro com “confiança e responsabilidade” e deixarem para trás o “culto da culpa”. Comentários que lhe valeram críticas de todos os seus adversários políticos: “Sois inimigos da nossa democracia; sois inimigos da Humanidade”, acusou Marco Wanderwitz, deputado cristão-democrata (CDU) e um defensor incondicional da ilegalização da AfD.

Protestos Muitos alemães prometem continuar a manifestar-se contra a normalização da AfD, tal como ocorreu no último fim de semana

O ambiente de crispação agudizou-se na passada semana quando a câmara baixa do Parlamento federal (Bundestag) votou duas iniciativas legislativas para endurecer a política migratória e de asilo. Na quarta-feira, 29, a maioria dos representantes conservadores e da AfD votaram em sintonia e o candidato da CDU-CSU à chancelaria, Friedrich Merz, foi de imediato acusado de ter feito um pacto com o Diabo. Isto é, permitira que acabasse o cordão sanitário – literalmente “corta-fogos” (brandmauer, em alemão) – entre os partidos do sistema para isolar as forças extremistas. Merz negou qualquer acordo com Weidel (que recorreu às redes sociais para dizer o contrário e enaltecer a “coordenação” entre os respetivos partidos), mas o tabu estava quebrado e multiplicaram-se as reações.

Angela Merkel, antiga chanceler e rival de Merz na CDU desde o dealbar do século, suspendeu a sua reforma política para denunciar o “erro” e as “manobras táticas” do seu partido. Os representantes do centro-esquerda alemão no Parlamento Europeu divulgaram um comunicado a desancar Merz e a desmentir a necessidade de entendimentos contranatura em Berlim: “Pela primeira vez desde a II Guerra Mundial, os conservadores alemães adotaram uma moção antimigrantes com o apoio da extrema-direita. Friedrich Merz acaba de rasgar o cordão sanitário que tem 80 anos (…) para ter ganhos políticos mesquinhos.” O principal visado tentou defender-se nos últimos dias e, além de manifestar a sua disponibilidade para ouvir os sociais-democratas do SPD, os liberais do FDP e os Verdes, insiste na importância de alcançar maiorias parlamentares: “Não estou disposto a deixar uma minoria dissuadir-me de votar sobre algo que é justo. A nossa proposta é correta e necessária.”

TRUMP ALEMÃO

Um estudo de opinião da ZDF, a TV pública, indica que os alemães estão completamente divididos sobre o que aconteceu no Bundestag, embora dois terços se oponham a acordos de regime que incluam a AfD, por considerarem esta organização um perigo para democracia (41% consideram que deveria ser ilegalizada). Um reflexo disto mesmo aconteceu no último fim de semana, com centenas de manifestações nas principais cidades do país, em que se alertou para a “abertura das portas do Inferno” e para a urgência de não se cometerem erros semelhantes aos do passado, como o colapso da República de Weimar e a ascensão dos nacionais-socialistas ao poder, em 1933. Só em Berlim, no domingo, 2, organizou-se uma marcha sob o lema Despertar da Gente Decente. Nós Somos o Cordão Sanitário, em que terão participado 160 mil pessoas (segundo a polícia), muitas delas aos gritos de “Não permitiremos que Merz seja o Trump alemão!”, “Os fascistas serão sempre fascistas” ou “Não à normalização da AfD”. Os protestos na capital decorreram entre o Reichstag, o histórico edifício do Parlamento junto ao rio Spree, e a sede da CDU, a Konrad-Adenauer-Haus.

Qual o efeito deste ambiente no resultado eleitoral deste mês é a grande incógnita. Para já, todas as sondagens apontam para uma vitória dos cristãos-democratas, na ordem dos 30%, menos três do que as estimativas em novembro, quando se começou a dissolver a coligação liderada pelo social-democrata Olaf Scholz (que é novamente candidato a chanceler e tem fortes hipóteses de ser chamado para uma futura geringonça liderada por Merz). Quanto a Alice Weidel, cuja popularidade quase duplica a dos seus rivais diretos, surge num destacado segundo lugar, com 21%, com alguns analistas a acreditarem que ela pode ainda surpreender. É o caso de Max Krahé, diretor do centro de reflexão financeiro Dezernat Zukunft. Num artigo que escreveu para o Le Monde, este economista põe a hipótese de ser ela a grande beneficiada com o fim do wirtschaftswunder – o chamado “milagre económico” alemão: “A estagnação é mais do que uma mera estatística. É um verdadeiro veneno para a imagem que a Alemanha tem de si própria e uma ameaça para a identidade coletiva. Há o risco de as conceções reacionárias se propagarem. A extrema-direita pode muito bem atingir os 25% nas eleições de 23 de fevereiro. Que fazer? Como numa crise de quarentena, é essencial proceder a um diagnóstico honesto. É um processo doloroso que implica reconhecer erros passados e ajustar as expectativas à realidade. (…) É essencial que se realize um verdadeiro debate sobre o modelo de crescimento da Alemanha.”

PAXÁ GIGANTE

Com o país politicamente paralisado e sem Orçamento do Estado, a antiga locomotiva da Europa está há dois anos em recessão e o ainda vice-chanceler Robert Habeck, que tutela os assuntos económicos e da transição energética, já admitiu que o próximo executivo tem enormes desafios pela frente. O também cabeça de lista dos Verdes anunciou na passada semana que a situação é “grave” e que as perspetivas de crescimento do PIB para o presente ano foram revistas em baixa – de 1,1% para 0,3%. Neste momento, a Alemanha tem o pior desempenho do G7, as sete maiores economias do planeta, e as causas desta “estagnação estrutural” são conhecidas: quebra brutal da produção industrial, custos elevados da energia (agravados pelo conflito ucraniano e pelo fim do abastecimento de gás natural russo), perda de competitividade face à concorrência chinesa, em particular no setor automóvel, e crescente falta de mão de obra em áreas críticas, da saúde à tecnologia. Motivos de sobra para Michael Grömling, do instituto IW, com sede em Colónia, dizer que a Alemanha se encontra em “terreno desconhecido” e que tudo pode piorar com uma guerra comercial global, caso a Administração Trump cumpra as ameaças de impor tarifas aos produtos germânicos e da União Europeia. Monika Schnitzer, a presidente do prestigiado comité de (cinco) sábios que apresentam recomendações económicas ao Parlamento e ao governo de Berlim, está inteiramente de acordo. E, numa entrevista recente ao Le Monde, vai mais longe: “Em matéria de segurança, durante décadas, creio que fomos demasiado ingénuos e confiantes por acreditarmos que a poderíamos confiar aos americanos. (…) Agora não temos escolha. Se queremos ser soberanos nas nossas decisões e não depender de Washington, temos de desenvolver as nossas próprias forças.” A professora da Universidade Luis Maximiliano de Munique, sem se comprometer, está a dizer algo parecido com o que promete o homem que gosta de soletrar o seu apelido (Merz) para não haver confusões com o mês de março (märz). O líder da CDU quer que o seu país seja uma “potência média de primeiro plano” e contribua para uma “Europa soberana”. Como pretende fazê-lo ainda não se sabe porque o seu programa eleitoral promete, por exemplo, “apoiar a Ucrânia com todos os recursos diplomáticos, financeiros e humanitários necessários”, sem esclarecer se o país invadido pela Rússia em fevereiro de 2022 conta com o apoio de Berlim para entrar na UE ou na NATO.

Rivais Angela Merkel e Friedrich Merz tinham ambos a ambição de liderar a CDU e a Alemanha. Ela conquistou a chancelaria em 2005, ele dedicou-se aos negócios Foto:Stephanie Pilick/LUSA

Friedrich Merz já disse várias vezes que, com ele no poder, haverá “ruturas estruturais – epochenbruch – e não uma simples “viragem política” (zeitenwende), como a que anunciou Olaf Scholz após as tropas russas entrarem em Kiev, com um investimento de 100 mil milhões de euros nas Forças Armadas alemãs. O gigante democrata-cristão (tem 1,98 m) apresenta-se nestas eleições como um falcão em política externa e já garantiu que não será um “chanceler da paz” como Scholz. Quais as implicações desta postura? “Os europeus têm de construir um mercado de produtos militares suficientemente forte para reduzir a nossa dependência” [entenda-se dos EUA]. Uma frase batida que a maioria dos líderes da UE subscreve. Os detratores deste jurista católico que foi eurodeputado, deputado e administrador de 16 grandes empresas (BlackRock incluída, a multinacional que gere ativos superiores a dez biliões de euros e cujos interesses já se estendem à futura reconstrução da Ucrânia) não vão dar-lhe descanso. Quanto mais não seja porque Friedrich Merz é um poço de contradições equiparável a Alice Weidel. Filho e neto de nazis, acusam-no de ser arrogante, implacável, ambicioso e desbocado. Não é de estranhar. Este conservador já comparou a homossexualidade com a pedofilia, já acusou os refugiados de guerra ucranianos de serem “turistas das ajudas sociais” e já afirmou que os imigrantes em geral se comportam como “pequenos paxás” que merecem ser deportados para países como o Ruanda. No final de novembro, a Economist escreveu que a Alemanha iria “virar à direita”. Veremos até que ponto Friedrich Merz – ou Alice Weidel – lhe dará razão.

Miguel Arruda, o deputado que ficou como não inscrito depois de ter sido acusado de roubar malas nos aeroportos de Lisboa e Ponta Delgada usou, esta sexta-feira, uma forma peculiar de votar no plenário da Assembleia da República. A cada votação levantou o braço em riste, emulando o gesto feito pelos nazis.

O gesto de Miguel Arruda provocou uma intervenção de deputado do Livre, Rui Tavares, mas a VISÃO sabe que a forma como o deputado que saiu da bancada do Chega votou causou desconforto em várias bancadas.

Rui Tavares fez uma interpelação à mesa da Assembleia da República para denunciar que Arruda, pelo menos por duas vezes, “de forma consciente e deliberada”, votou “fazendo o gesto da saudação fascista, nazi ou romana”.

“E é um facto que em qualquer parlamento europeu ou qualquer parlamento do mundo tem uma gravidade enorme, porque é uma afronta aos valores democráticos”, acusou o deputado do Livre.

Arruda nega simbolismo do gesto

Confrontado pelo vice-presidente da Assembleia, o socialista Marcos Perestrello, Miguel Arruda, que num telefonema divulgado pela página humorística Jovem Conservador de Direita, revelou a sua proximidade a Mário Machado e ao movimento nacionalista, negou que estivesse a usar o gesto nazi.

“Estava só a sinalizar o meu sentido de voto desse modo. Há vários líderes a fazerem o mesmo, até de esquerda”, disse, argumentando que estica o braço para tornar o seu voto visível para a mesa da Assembleia da República, uma vez que ocupa a última fila do extremo direito do hemiciclo, atrás do Chega.

A votação de Miguel Arruda não deu nas vistas, porém, apenas pelo gesto usado. Arruda foi o único a votar, esta sexta-feira, contra o voto de pesar pela morte da escritora e feminista Maria Teresa Horta, que foi vítima de perseguição no Estado Novo.

O texto do voto de pesar, que teve o voto favorável de todos os outros deputados, enaltecia Maria Teresa Horta pelo seu “percurso de vida marcado pela resistência ao fascismo e pelo ativismo em defesa da democracia e da emancipação da mulher”.

“Em 1972, escreveu, com Maria Velho da Costa e Maria Isabel Barreno, as Novas Cartas Portuguesas (1972), obra seminal do pensamento feminista português e texto decisivo de oposição ao Estado Novo. O livro, que denunciava a situação política do país, a guerra colonial, a condição da mulher, a emigração e a falta de perspetivas para o futuro dos jovens, agitou a consciência pública do país e desembocou num processo judicial politicamente motivado”, lia-se no texto contra o qual Miguel Arruda votou.

Chamemos-lhe o ‘furacão’ DeepSeek. Ninguém conhecia, de repente passou, levando consigo quase um bilião de dólares de valor em bolsa das maiores empresas do mundo, e para trás deixa um rasto de ‘danos’ que vai demorar algum tempo até que as ‘vítimas’ possam recuperar totalmente dele. A tecnológica chinesa saltou para a ribalta do competitivo mundo da Inteligência Artificial e não foi por acaso.

O que torna, afinal, a DeepSeek e os respetivos modelos de IA tão badalados? Porque, é importante sublinhar, foram os principais visados pelo sucesso da empresa – a OpenAI e a Nvidia – os primeiros a admitirem que os modelos da empresa são “impressionantes” e um “excelente avanço de IA”.

Existe um conjunto de fatores que torna a DeepSeek num caso peculiar no segmento da Inteligência Artificial. Para começar, o facto de ser uma empresa chinesa. Isto significa que, em condições normais, a tecnológica não tem acesso aos mais recentes e mais avançados chips de processamento para tarefas de IA da Nvidia, devido aos bloqueios comerciais dos EUA, o que a coloca em desvantagem teórica quando comparado com outras grandes empresas de IA, como a OpenAI, a Anthropic, a Meta ou até mesmo a europeia Mistral.

Pode parecer um pormenor numa história maior, mas não é. Esta limitação de hardware obrigou a tecnológica a ser criativa do ponto de vista do software. E é desta criatividade que surgem as características que tornam os modelos da DeepSeek tão diferenciadores, sublinha a publicação Stratechery.

Os modelos da DeepSeek que estão a fazer furor – DeepSeek-V3 e DeeSeek-R1 – pertencem à chamada categoria dos grandes modelos de linguagem (LLM), que são capazes de interpretar e gerar texto com uma qualidade próxima à dos humanos em diferentes tópicos. Mas é preciso recuar uma geração, até ao DeepSeek-V2, para perceber os ‘ingredientes’ secretos.

Foi no DeepSeek-V2 que a tecnológica chinesa introduziu o conceito de Mixture of Experts (MoE no acrónimo em inglês, mistura de especialistas em tradução livre). Nas versões anteriores deste modelo (e de outros, como o GPT-3.5 da OpenAI), o modelo era todo ativado durante o processo de treino e de inferência (na prática, quando aplica a aprendizagem na resolução de problemas). Aquilo que as empresas começaram a perceber é que não é necessário ‘acordar’ todo o modelo de IA para executar uma grande parte das tarefas. Aquilo que o MoE permite fazer é ‘dividir’ o modelo por diferentes áreas de especialidade. Com o DeepSeek-V2, a startup chinesa criou não só caminhos de resposta especializada, mas também caminhos de resposta partilhados. Assim, um determinado pedido ativava um grupo mais pequeno de parâmetros, enquanto outro pedido ativava outro conjunto de parâmetros.

A empresa introduziu ainda outra novidade, chamada de DeepSeekMLA, ou multi-head latent attention (atenção latente múltipla, em tradução livre), que na prática permite reduzir de forma significativa a quantidade de memória que o modelo precisa na fase de inferência.

Estes foram os passos que permitiram à tecnológica, numa primeira fase, criar um LLM mais otimizado e eficiente. E com base nestes desenvolvimentos, a empresa conseguiu ainda melhores resultados de eficiência quando lançou, em dezembro de 2024, o modelo DeepSeek-V3.

Segundo dados da tecnológica, o modelo V3 tem 671 mil milhões de parâmetros, mas cada ‘especialista’ apenas ativa 37 mil milhões de parâmetros para responder aos diferentes comandos do utilizador. O que significa que é necessário muito menos poder de computação para responder aos pedidos dos utilizadores, o que torna a utilização global destes modelos mais acessível para a empresa.

Segundo a publicação técnica partilhada pela DeepSeek, treinar o modelo V3 ‘só’ precisou de 2788 mil horas de computação em gráficas Nvidia H800, o que a um custo de dois dólares por hora, significa um custo total de 5,5 milhões de dólares, cerca de cinco milhões de euros ao câmbio atual, para treinar o modelo.

Importa sublinhar aqui que este custo, apresentado pela própria DeepSeek, tem por base apenas o treino do modelo DeepSeek-V3 e não considera, por exemplo, todo o investimento que foi necessário para desenvolver o DeepSeek-V2, que está em grande medida na base da geração seguinte.

Mas segundo a análise da publicação Stratechery, esta poderá não ser a única razão para os custos inferiores dos modelos da DeepSeek.

O caso do modelo DeepSeek-R1

Se o modelo V3 começou a levantar ondas logo no final de dezembro de 2024, quando foi lançado, foi o lançamento mais recente do modelo DeepSeek-R1 que completou a transformação da startup no tal ‘furacão’. Nos testes de desempenho existentes para modelos de IA, o modelo chinês conseguiu resultados semelhantes aos modelos de referência da OpenAI (GPT-4o) e da Anthropic (Claude Sonnet-3.5).

O R1 pertence à categoria dos chamados LLM de raciocínio, isto é, que estão estruturados de forma diferente para produzir resultados de melhor qualidade em áreas como a programação, a matemática e a lógica. É como se o modelo ‘pensasse’ mais, melhor, para responder ao pedido do utilizador. E também aqui a DeepSeek aplicou uma estratégia que lhe permitiu obter resultados otimizados.

Em vez de usar técnicas de aprendizagem por reforço com feedback humano (RLHF), a técnica que tornou o ChatGPT tão popular, por cruzar a aprendizagem automática com dados oriundos de treinadores humanos, a DeepSeek decidiu usar apenas e só técnicas de aprendizagem por reforço (reinforcement learning). Mas em vez de atribuir uma única recompensa ao modelo pela resposta certa, atribuiu uma segunda, associada à escolha correta do melhor processo de ‘raciocínio’.

Isto fez com que o DeepSeek-R1 passasse mais tempo não só a criar a resposta, mas também a reavaliar a própria abordagem inicial ao problema. Mais do que instruir o modelo sobre a melhor forma de resolver o problema, deram-lhe os incentivos certos para que o descobrisse sozinho.

A publicação Stratechery sublinha que o uso de aprendizagem por reforço, apenas e só, pode lançar o segmento da Inteligência Artificial para um cenário de “descolagem” em termos de rapidez de evolução – de forma simplificada, os modelos de IA estão a ensinar-se a si próprios sobre como resolver problemas.

Processo de destilação

No mundo da Inteligência Artificial existe uma técnica chamada de destilação. Consiste no treino de um modelo de IA mais pequeno, mas com base num modelo de IA maior. Isto permite, na prática, que o modelo mais pequeno consiga aproximar-se da forma de funcionamento (e dos resultados) do modelo mais avançado, mas sendo muito mais eficiente em termos de computação e memória. 

Mas para que o modelo mais pequeno possa ser treinado, é necessário criar o modelo grande. A OpenAI faz isto nos seus modelos. Por exemplo, o GPT-4 Turbo é uma destilação do GPT-4. Mas é possível (ainda que teoricamente ilegal) extrair informação de como os grandes modelos funcionam, sem ser necessário ter acesso interno a esse modelo – via interfaces de programação de aplicações (API) ou dos próprios serviços disponibilizados publicamente (a forma como o ChatGPT responde a um pedido nosso inclui ‘migalhas’ sobre a forma como essa informação foi estruturada).

Não existem provas provadas de que a DeepSeek tenha usado a técnica de destilação relativamente aos chamados modelos de fronteira de empresas como a OpenAI ou a Meta, mas existem suspeitas nesse sentido, como foi recentemente noticiado.

Por outro lado, a DeepSeek disponibiliza os modelos em código aberto, o que significa que qualquer pessoa e empresa pode pegar na base do trabalho da DeepSeek para criar os seus próprios modelos de IA. Uma abordagem que não sendo isolada (a Meta disponibiliza o modelo Llama também em open source), não é exatamente a regra das grandes empresas de Inteligência Artificial do momento.

Importa sublinhar que todas as técnicas aqui descritas não são exclusivas da DeepSeek. São, em grande medida, usadas também pelas restantes empresas de Inteligência Artificial que estão a desenvolver os chamados modelos de fronteira (nome dado aos modelos de IA mais avançados). O que nos leva novamente à questão da otimização: a diferença é que a DeepSeek fez tudo isto com constrangimentos de hardware, o que por sua vez fez com que o custo de desenvolvimento (e de operação) do sistema seja muito mais baixo do que os rivais.

E foi este momento de ‘afinal, é possível fazer semelhante com muito menos?’ que lançou, na semana passada, os mercados bolsistas numa forte quebra, por colocar numa nova perspetiva as reais necessidades de grandes empresas e projetos de IA. Ou como é dito na Stratechery, “simplesmente pagar mais à Nvidia não é o único caminho para criar melhores modelos de IA”.

Todos estes ingredientes permitiram à DeepSeek criar modelos que são semelhantes em desempenho aos modelos de referência da OpenAI (GPT-4o) e da Anthropic (Claude Sonnet-3.5).

A luta pelo domínio tecnológico da Inteligência Artificial segue dentro de momentos.

De acordo com o ministro da Educação, Ciência e Inovação (MECI), Fernando Alexandre, as instituições de ensino superior vão poder abrir mais vagas nos cursos mais procurados pelos alunos – como Medicina e Educação. “Há um conjunto muito elevado de alunos em Portugal que desiste porque estão desajustados do curso que queriam tirar”, disse esta sexta-feira durante a sessão de abertura do III Encontro Intercalar de Provedores do Estudante, em Lisboa.

O ministro da Educação adiantou que é preciso “ajustar a oferta à procura” uma vez que “a percentagem de alunos que não entram na 1.ª opção é muito elevada e, por isso, chegam logo ao ensino superior com alguma desmotivação”. “Não estou a dizer que se irá liberalizar o sistema”, garantiu o ministro, sublinhando que a oferta formativa das instituições deve corresponder às preferências dos alunos, que “à partida estão ajustadas às necessidades da economia e da sociedade”.

A ideia, segundo o ministro, é dar continuidade ao plano que – no atual ano letivo – já permitiu às instituições abrir mais vagas nos cursos mais procurados, como Medicina e Educação. “Vamos ter um aumento muito significativo de vagas na área da Educação”, referiu.

Este ano, segundo o calendário fixado, as vagas para o ano letivo 2025/2026 deverão ser conhecidas a 17 de fevereiro, mais cedo do que anos anteriores, para garantir “que os candidatos conhecem antecipadamente os ciclos de estudos e as vagas disponíveis em todas as vias de ingresso”.

Encontra-se também em curso uma revisão do Regulamento das Bolsas de Estudo no âmbito da Ação Social no Ensino Superior (RABES), tema que Fernando Alexandre comparou “uma manta de retalhos”, por nem sempre ser claro para os alunos quais são os apoios a que podem ter direito. “Não é óbvio que seja eficaz e garanta a equidade para que todos possam ter acesso ao ensino superior”, sublinhou. A revisão deverá estar concluída em abril.

Durante anos, o par Microsoft/Intel deu cartas na indústria das Tecnologias de Informação (ao ponto de ter sido cunhado o termo Wintel para designar o domínio das empresas). Depois, com o advento dos smartphones, ambas ficaram para trás, nos anos 2000 e 2010. Agora, com a Microsoft a recuperar o ritmo, a Intel ainda está com dificuldades. É disso que dá conta Bill Gates que, numa entrevista à Associated Press, considera que as rivais Nvidia e Qualcomm lideram na Inteligência Artificial e nos processadores para smartphones e a TSMC destaca-se nas tecnologias de produção.

“Estou estupefacto que a Intel basicamente tenha perdido o rumo. O Gordon Moore sempre manteve a Intel na vanguarda. E agora estão para trás em termos de design de chips e para trás na fabricação de chips. Acho que o Pat Gelsinger foi muito corajoso ao dizer: ‘Não, vou corrigir o lado do design, vou corrigir o lado do fabrico’. Esperava, para o seu bem, para o bem do país, que fosse bem-sucedido. Esperava que a Intel recuperasse, mas parece ser muito difícil agora”, afirma Gates. De recordar que Pat Gelsinger saiu da Intel em dezembro.

Depois de perderem o ‘comboio’ dos smartphones, Intel e Microsoft puderam capitalizar com outras tendências grandes do mercado, como a Inteligência Artificial e os centros de dados. A Microsoft conseguiu recuperar o fulgor de outros tempos, sobretudo com a IA, mas a Intel não aproveitou a oportunidade e, apesar de vender processadores para as estações do 5G, não conseguiu beneficiar da transição para o 5G como outros players do mercado.

A empresa está a reduzir custos e despediu mais de 15 mil trabalhadores nos últimos 15 anos. Apesar de uma falência ainda ser um cenário distante, dadas as instalações que possui e por ainda ter uma fatia de leão dos processadores de computadores e centros de dados, a Intel enfrenta um futuro incerto para os próximos tempos.

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Inicialmente, os planos da Volkswagen apontavam para o lançamento de um veículo elétrico de baixo custo para 2025. Agora, a empresa revela que quer lançar uma família de carros pequenos, elétricos e a um preço bastante mais baixo do que o das linhas atuais. A fabricante antecipou algumas imagens (não muito reveladoras) do primeiro modelo que deve custar cerca de 20 mil euros e deve estrear-se em 2027. A apresentação, no entanto, deverá ser feita já em março.

A inspiração para esta linha vem do 2021 ID.Life, um conceito apresentado há alguns anos. Ainda não há nome para esta nova série, mas o desígnio ID.1 parece encaixar nas ambições da marca. As linhas arredondadas da frente e os faróis LED semicirculares são dos poucos elementos que é possível apurar por agora, salienta o New Atlas.

Na quarta-feira, a empresa mostrou o conceito aos funcionários durante uma reunião em Wolfsburgo e o diretor executivo Thomas Schäfer descreveu a estratégia para os próximos anos, que inclui veículos de entrada de gama a custos acessíveis. “Um carro elétrico Volkswagen de elevada qualidade, a um preço acessível e lucrativo, da Europa para a Europa – isto é a Liga dos Campeões da engenharia automóvel”, descreveu o executivo.

A demonstração ao público deve acontecer em março, bastante antes da entrada em produção marcada para 2027.

Os veículos elétricos de baixo custo são vistos como fundamentais para a estratégia global da Volkswagen: dos 1,35 milhões de veículos elétricos ID vendidos desde 2019, a entrada de gama ID.3, com um preço de 33 mil euros, totaliza 500 mil unidades ou 37% do volume total. O primeiro passo é baixar o preço do ID.2, construído com a plataforma modular elétrica Volkswagen, para os 25 mil euros e começar a vender com este preço em 2026. Depois, em 2027, deve surgir o ID.1, com um preço abaixo dos 20 mil euros.

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O BYD Atto 2 tem várias características que nos permitem antecipar que este será um modelo de sucesso. Para começar, tem o formato da moda: é um SUV. Depois, apesar de estar situado na categoria dos compactos, acaba por ter espaço para funcionar como um familiar – pelo menos considerando a realidade do nosso mercado. Não menos importante, revelou uma qualidade de construção convincente e um design interior mais conservador, ao gosto europeu. E, claro, está ‘recheado’ de tecnologia, incluindo algumas novidades práticas no sistema de infoentretenimento, e apresenta uma vasta lista de equipamento de série.

Consideramos que o design interior está bem adaptado ao gosto europeu, com alguns detalhes estilísticos, mas sem os ‘exageros’ presentes, por exemplo, no Atto 3 ou no Dolphin

Espaço para esticar as pernas

Confessámos que ficámos surpreendidos pela dimensão do Atto 2, sobretudo no interior. Esperávamos um carro mais acanhado. Assim num primeiro contacto, o espaço útil para os passageiros não nos pareceu muito diferente do que o Atto 3 disponibiliza. Aliás, o Atto 2 é, até, um pouco mais alto. E graças ao formato mais ‘quadrado’ da traseira, o espaço para os passageiros do banco de trás é generoso. Não só para as pernas: este é o único SUV compacto onde, quando sentado nos bancos de trás, o autor deste artigo não sentiu a cabeça a roçar no tejadilho. A grande diferença para o Atto 3 está no espaço disponível para o quinto passageiro (o lugar do meio do banco de trás), que, no Atto 2, é mais reduzido, típico do segmento.

O design da traseira também acaba por beneficiar o espaço da mala, sobretudo em altura, que oferece 400 litros. A base da mala, que esconde um útil espaço de arrumação para os cabos de carregamento, pode ser removida ou instalada numa zona mais baixa. Se deixarmos esta base na posição mais elevada e rebatermos os bancos traseiros (formato 60:40), ficámos com uma enorme mala com fundo plano (mais de 1400 litros de capacidade). Infelizmente, não há frunk apesar de existir espaço para adicionar este tipo de mala frontal – abrimos o capô e verificámos que há muito espaço por cima do motor. Em conversa com os responsáveis da BYD, foi-nos dito que a marca já está a considerar a hipótese de criar uma frunk para o Atto 2, o que significa que futuras versões deste modelo podem vir a ganhar um pouco mais uma zona arrumação.

Não sentimos que os acabamentos sejam verdadeiramente premium, mas todas as superfícies acima da cintura são suaves. Só encontramos plásticos rígidos em zonas onde normalmente não tocamos. Também ficámos bem impressionados com o isolamento acústico, que permite um ambiente a bordo tranquilo. O ruído de rolamento é quase inaudível e o ruido aerodinâmico é menor do que o habitual, mesmo a velocidade elevada em autoestrada.

Três dedos para controlar o AC

Como é típico da BYD, há poucos botões físicos e o controlo é muito centrado no ecrã central, generoso e rotativo (pode funcionar na horizontal ou na vertical). Felizmente, a consola central inclui botões para acesso direto às funcionalidades mais usadas, como mudança do modo de condução e de regeneração ou para ativar o desembaciamento do para-brisas. E os comandos ao volante são ‘reais’, não seguindo a má tendência dos painéis táteis. Consideramos que este é um bom equilíbrio entre os exageros do ‘tudo-no-ecrã-tátil’, estilo Tesla, e os ‘botões-por-todo-o-lado’ comuns em algumas marcas mais tradicionais.

No entanto, a BYD continua a desenvolver funcionalidades para facilitar a ligação homem-máquina. A mais importante é evolução contínua do sistema de interação por voz. Agora é possível fazer vários pedidos seguidos. Por exemplo: “fecha todos os vidros” e “muda a temperatura do ar condicionado para 20 graus”. O que torna a interação por voz mais fluída e prática. Neste campo, destaque para a barra na parte inferior do ecrã com ícones de atalho para as funcionalidades (ou apps) mais utilizadas. É importante realçar que podemos personalizar estes atalhos de acordo com as nossas preferências e necessidades. Ao estilo dos smartphones, também há atalhos de acesso rápido quando fazemos um swipe de cima para baixo. E, uma vez mais, estes botões virtuais são personalizáveis. Por exemplo, podemos adicionar um atalho para desativar o irritante aviso de ultrapassagem da velocidade máxima – recordamos que este alerta é obrigatório e é reativado sempre que se desliga e volta a ligar o carro.

Os botões na coluna central facilitam o acesso àw funcionalidades mais utilizadas

Mas a novidade que consideramos mais prática é um género de ‘ovo de Colombo’. Se tocarmos com três dedos no ecrã podemos controlar diretamente a climatização: movimentos na vertical fazem alterar a temperatura e movimentos na horizontal alteram a velocidade da ventoinha. Simples, intuitivo e prático.

Naturalmente, o sistema é atualizável remotamente (OTA) e, segundo informações da marca, o infoentretenimento corre sobre um processador de alto desempenho. O que significa que é de esperar que surjam atualizações ao longo da vida deste automóvel e que o desempenho do sistema se mantenha fluido.

Pela negativa, a interface continua a ter uma organização complexa, que exige algum tempo de habituação. E há algumas falhas na hierarquia nos menus, ou seja, há funcionalidades importantes que estão relativamente escondidas.

Como é normal na BYD, a app de acesso remoto tem muitas funcionalidades como, por exemplo, funcionar como chave de acesso ao carro. Aliás, é possível partilhar chaves digitalmente, o que pode ser útil em algumas situações em família. É, ainda, possível aceder ao carro através de NFC (sensor no retrovisor), seja através de cartão, de wearable ou de smartphone.

Naturalmente, há suporte para Apple CarPlay e Android Auto, o que expande ainda mais as possibilidades de utilização de apps. A integração está bem conseguida, mas, durante o teste, experimentámos várias falhas de ligação usando um smartphone Samsung Galaxy S24 Ultra.

Vem com (quase) tudo

A lista de equipamento fornecidos de série é enorme, como, aliás, é habitual nesta marca chinesa. Mas há alguns elementos que vale a pena destacar pelo seu valor e funcionalidade. É o caso do teto panorâmico, que reforça a luminosidade interior; da bomba de calor, que permite aumentar a eficiência, sobretudo durante os dias mais frios; a tecnologia V2L, para, por exemplo, fornecer energia elétrica a uma máquina de café ou a um grelhador; ou a câmara 360, que dá uma boa ajuda nas manobras. Ainda mais inovadora é a bateria auxiliar de 12 volts, que, como a bateria principal (de tração), usa a química LFP (Fosfato de Ferro-Lítio). Isto permite que este componente tenha uma garantia de 6 anos ou 150 mil quilómetros, bem mais do que qualquer bateria de chumbo. A bateria LFP tem, ainda, outras duas vantagens importantes: pegada ambiental e peso menores.

Ao volante

Os responsáveis da BYD sublinharam que o Atto 2 foi desenvolvido e afinado para agradar aos europeus. O que se nota. O carro tem um bom ‘pisar’. De outro modo, sentimos o Atto 2 agarrado à estrada e com boa capacidade de lidar com lombas e irregularidades. Está longe de ter um comportamento desportivo, mas é previsível e, não menos importante para o segmento, confortável. Já referimos o bom isolamento acústico, a que se junta bancos envolventes q.b. com um nível apropriado de dureza. O fundo plano é uma boa notícia para quem vai atrás e não ouvimos quaisquer ruídos parasitas.

O Atto 2 está longe de ser um elétrico explosivo, apresentando uma curva de aceleração muito progressiva. Não é, portanto, o melhor elétrico para fazer ultrapassagens, mas desenvolve bem e é capaz de atingir uma velocidade máxima elevada.  

Na verdade, só não gostámos do ângulo de inclinação do volante, mais ao estilo de um furgão do que de um automóvel. O que, claro, afeta negativamente a posição de condução.

Quanto à autonomia, este primeiro contacto não nos permite tirar grandes conclusões. Ainda assim, o percurso levou-nos do centro de Madrid até às montanhas a norte da capital espanhola, onde conduzimos em temperaturas próximas de ‘0’, nada ‘amigas’ da autonomia, e acumulámos um grande desnível (passámos dos 1500 metros de altitude). Parte do percurso foi feito ainda em autoestrada, sempre à velocidade máxima permitida. No final, foram cerca de 150 km acumulados e o indicador de autonomia indicava, precisamente, 99 km. Como começámos com 98% de carga, é fácil concluir-se que seria muito fácil fazer 300 km, já que abusámos um pouco em boa parte do percurso.

Quanto ao carregamento, a BYD anuncia 37 minutos para carregar dos 10 aos 80 porcento num carregador rápido. Nada de especial para os tempos que correm, mas se considerarmos que bateria é de 45 kW, facilmente percebemos que os 65 kW de potência de carregamento máxima não é, assim, tão baixa quanto isso (quanto mais capacidade tem a bateria, mais fácil é aplicar maiores potências de carregamento). De qualquer modo, a velocidade de carregamento é a característica menos impressionante do Atto 2.

Prós
– Espaço a bordo
– Esquipamento de série
– Controlo e personalização do infoentretenimento

Contras
– Autonomia não impressiona
– Baixa velocidade de carregamento

Primeira opinião

Acreditamos que o Atto 2 é mais um bom trunfo para a ‘mão’ da BYD. A relação qualidade/preço é atrativa – o preço base até baixa para €29.990 se o cliente optar pelo contrato de crédito proposto pela marca. Não há, atualmente, nenhum outro SUV no mercado que ofereça tanto neste segmento de preço. E não estamos a referir-nos apenas a especificações. Referimo-nos, também, à qualidade sentida a bordo, com destaque para o conforto e habitabilidade. Apesar de ser apresentado como um SUV compacto, tem níveis de habitabilidade próximos de uma categoria superior. Como referimos no início, o Atto 2 pode muito bem funcionar como carro de família. Estas características também fazem-nos acreditar que este BYD vai ser um sucesso no mercado dos TVDE, já que a autonomia é q.b. para uma utilização urbana e suburbana.

E, claro, a tecnologia marca muitos pontos. As baterias LFP com arquitetura blade já deram muitas provas de durabilidade e segurança; o infoentretenimento, apesar de precisar de umas afinações na usabilidade, está carregado de funcionalidades; o V2L é um extra prático em muitas situações; e, no global, sente-se até algum luxo a bordo.

Voltando à autonomia, é bom verificar que as marcas já começaram a perceber que não precisam de ter baterias enormes em todos os modelos. Um sinal de maturação do mercado. Para muitos perfis de utilização, uma autonomia real em redor dos 300 km, como a que o Atto 2 oferece, é perfeitamente satisfatória para o dia-a-dia e permite viagens longas ocasionais. Como já várias vezes referimos, é preferível demorar mais um pouco em viagens longas esporádicas, em consequência dos carregamentos, do que andar a transportar diariamente uma bateria mais pesada e (muito) mais cara para fazer poucos quilómetros. De qualquer modo, se preferia ter mais autonomia, a BYD anunciou que irá lançar, mais para o final do ano, um Atto 2 com uma bateria maior, capaz de ultrapassar os 400 km de autonomia segundo a norma WLTP.

Se procura um SUV elétrico com espaço q.b. para a família que irá ser usado, maioritariamente, em percursos urbanos e suburbanos, o Atto 2 é uma proposta tentadora. E não se preocupe, já que também permitirá passeios longos com a família, situação em que até é capaz de funcionar como um gigantesco powerbank para, por exemplo, alimentar uma tenda ou um grelhador num piquenique.

Tome Nota
BYD Atto 2 – Desde €31.490

byd-auto.pt

Características Potência e binário 130 kW, 290 Nm ○ Acel. 0-100 km/h: 7,9 s ○ Vel. máx. XXX km/h ○ Bateria: 45 kWh ○ Autonomia WLTP 312 km ○ Potência de carregamento: 11 kW em AC e 65 kW em DC ○ Dimensões (AxLxC): 1,675×1,839×4,310 m

Expectativa: 4

Nuno Mocinha, antigo presidente da Câmara de Elvas, está a ser acusado pelo Ministério Público (MP) da prática de factos suscetíveis de consubstanciar um crime de prevaricação de titular de cargo político. “O Ministério Público contabilizou as vantagens pagas às sociedades beneficiárias que lesaram o município em 292.735,77 euros, tendo sido peticionado que as mesmas fossem declaradas a favor do Estado e condenando-se os arguidos no seu pagamento”, pode ler-se na acusação, que também recai sobre um funcionário do município.

De acordo com uma nota publicada no site do Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP) de Évora, Nuno Mocinha terá celebrado, “mediante a influência” de um funcionário da autarquia, quatro contratos de aquisição de serviços de limpeza, mediante procedimento de ajuste direto, entre junho de 2016 e fevereiro de 2018. Contratos que resultaram em “benefício económico” da então companheira do funcionário, e violaram as normas do procedimento administrativo e de contratação pública.

Nuno Mocinha e o referido funcionário terão ainda indicado “a mesma empresa” ao executivo da Junta de Freguesia da Assunção, Ajuda, Salvador e Santo Ildefonso, usufruindo também da celebração de mais um contrato com recurso ao procedimento de ajuste direto.

Em declarações à agência Lusa, o antigo autarca referiu estar de “consciência completamente tranquila”, salientando que todos os atos que praticou na gestão do município “são legais” e que está a ponderar apresentar instrução ao processo. “Depois vamos ficar à espera da decisão sobre a instrução e se tiver de ir a julgamento vou de consciência tranquila, porque estou convencido que nada fiz para além daquilo que era a minha função”, contou.

Nuno Mocinha explicou ainda que a acusação “partiu de quatro ou cinco denúncias anónimas”, das quais “constavam mais de 40 assuntos” que foram analisadas e arquivadas pelo MP, menos o caso em que está acusado.

São 16h30. A esta hora, uma espécie de formigueiro invade a mãe, depois de um sobressalto. Contas de cabeça. Quanto tempo é preciso para chegar a horas à escola? Estará trânsito? Há um colega que faz conversa, distraído. Um chefe que se aproxima com uma ideia nova de trabalho, que quer discutir. E o relógio está lá, avançando, mesmo que se sustenha a respiração. Sustém-se a respiração. Fará isso parar o tempo? A culpa espeta-nos como pequenas agulhas. Sabemos que falhamos, falhamos sempre. Os minutos derrapam. É já impossível garantir que se chegará a horas. Mas quando a mãe finalmente se levanta, tentando tornar invisíveis os gestos da saída, leva olhares de reprovação cravados nas costas, que lhe pesam como se fossem pedras atiradas ao corpo. Falhou, falha sempre.

As notícias estão cheias de alertas sobre a natalidade. É preciso produzir crianças. Mas não qualquer criança. Toda a gente sabe como se reprova quem tem filhos e não tem como lhes dar comida nem teto. Não há tradução que faça jus à pergunta que fica assim tão clara em Inglês: “Can you afford having children?” Será que podemos dar-nos ao luxo de nos reproduzir? E quantas vezes podemos fazê-lo?

A mãe chega à escola. Está um pouco atrasada, mas não muito. E tenta ouvir os relatos do dia, acalmar as brigas dos irmãos, perceber onde estão os casacos que se levaram de manhã. O telefone toca e estremece, uma e outra vez. E sabe que se o ignorar vai perder mais uma oportunidade, haverá trabalho que se acumula, perguntas que ficam sem resposta. Ignora-o tempo suficiente para isso se tornar um problema, tempo de menos para dar atenção aos filhos. E tem de repente a sensação de que a infância deles lhe há de escapar entre os dedos enquanto responde a emails e mensagens. Talvez da próxima vez que levante os olhos do ecrã não os consiga já reconhecer e eles tenham parado para sempre de a chamar, ávidos da sua atenção, calando o “mamã”, que agora repetem e lhe ecoa na cabeça até à exaustão. Está exausta. É impossível concentrar-se e é só uma questão de tempo até alguma coisa falhar. “Que tamanho poderá ter o erro?”, inquieta-se.

Ou talvez seja o pai a ir buscar os miúdos à escola, a equilibrar as tarefas do dia e as brincadeiras com as respostas aos emails e os telefonemas, a sentir a reprovação dos que acham que de certeza que não faz nada para conseguir sair assim tão cedo e a inquietação dos que em silêncio se interrogam: “Mas onde estará, afinal, a mãe?”.

A conversa sobre a família e as suas grandes virtudes esbarra num modo de produção que nos quer sempre vigilantes, sempre disponíveis, sempre prontos. No século XIX, as mães operárias punham os filhos a dormir, dando-lhes láudano, uma mistura com ópio, para conseguirem aguentar as noites depois de jornadas de trabalho contínuas, as ceifeiras levavam-nos para o campo em cestas, onde ficavam à mercê dos animais que passavam e do sol que queimava. E tantas outras ficavam simplesmente em casa, trabalhando dia e noite num trabalho que ninguém via, fazendo crescer os filhos até os ver partir.

E agora? Agora, há quem anestesie os filhos com ecrãs para conseguir trabalhar, quem os deixe horas a fio na escola, quem ande num malabarismo constante de atividades, amas e avós. Os salários não esticam, as horas de trabalho multiplicam-se e as contas também e as mães e os pais fazem o que podem. Mas a que custo?

O Público revelou esta semana que há 1806 creches em Portugal que estão abertas das 6h30 da manhã à meia-noite e meia. O número aumentou 42% nos últimos cinco anos e, conta-nos o jornal, a oferta não chega para a procura. Em Braga, uma creche deste tipo teve 400 candidaturas para 90 vagas. A lei diz que “cada criança não deverá frequentar a creche mais do que 11 horas diárias, devendo igualmente usufruir de um período de férias em comum com a família”. Como se isso chegasse. Como se isso fosse aceitável.

Interrogo-me: o que farão estas famílias depois de as crianças fazerem três anos e deixarem de poder estar na creche? Como poderão continuar a conciliar as exigências do trabalho com o cuidado dos filhos?

“Quando consegui esta vaga fiquei mesmo contente porque pensei que não ia conseguir. Muitas vezes recusava trabalho”, diz uma mãe que falou com o Público. O desabafo é recorrente em peças sobre creches. A vaga é diferença entre poder ou não trabalhar, entre ter ou não meios de subsistência. E a maioria das vezes o sujeito destes desabafos é feminino.

Talvez não surpreenda, por isso, que na mesma semana em que o Público contava esta história, o Expresso tenha revelado que em 2024 foram despedidas cinco grávidas por dia em Portugal e que o número está a subir há três anos.

Os filhos são um empecilho. Espera-se das mulheres que engravidem, mas que trabalhem até ao fim da gravidez, que amamentem, mas sem deixar de ser produtivas, que cuidem das crianças enquanto fazem tudo o resto, sem descurar nada. E quem se queixa? Pois que deixe de trabalhar e renuncie ao que sonhou.

Habituem-se as mães e os pais e já agora as crianças. A pátria pede filhos, somos todos a favor da vida, queremos mais natalidade e quem nos pague as pensões, mas (claro) seja português de verdade, daqueles com a genética certa e a melanina na dose correta. E, por isso, ide e multiplicai-vos, mas não deixeis de trabalhar, a menos que vos tenha calhado a fortuna de não precisar de dinheiro. E, nesse caso, ficai em casa, belas, recatadas e do lar, que a pátria vos agradecerá, mesmo que isso vos faça mirrar por dentro. O que é impensável é exigir um sistema justo, com salários dignos e horários regulados. Que o Senhor nos livre dessas utopias. Abençoadas Marias, é vossa toda a glória, mas por agora fiquem-se com a culpa que vos mói quando o relógio bate nas 16h30.