A divulgação dos dados finais do INE relativos a 2024, a execução orçamental do 1º semestre de 2025 e as previsões do Conselho de Finanças Públicas são uma trilogia de dados económicos devastadora para as fábulas com que Luís Montenegro conseguiu ser o líder do partido mais votado em duas eleições legislativas e fixa o ritmo para o tom macambúzio de fim de festa que irá marcar o próximo debate orçamental.
Depois de 18 meses gloriosos em tom de permanente campanha eleitoral, a multiplicar ilusões e a serenar corporações, aproxima-se o momento do esgotamento do modelo que permitiu a vitimização que conduziu às eleições antecipadas de maio passado e que se estende com a repetição da receita de brindes pré-eleitorais até às eleições autárquicas.
Já as eleições presidenciais poderão determinar uma curiosa adaptação do PSD ao modelo de gestão de danos do PS nas últimas quatro eleições, em 2006, 2011, 2016 e 2021.
Em todos esses momentos eleitorais, o PS estava no Governo, mas viu os candidatos que apoiava serem sempre derrotados e eleitos para a Presidência da República dois antigos líderes do PSD, seguindo em frente com o melhor relacionamento possível entre São Bento e Belém e a desvalorização política do impacto na governação daquelas eleições.
A teoria política de evitar colocar todos os ovos no mesmo cesto leva Marques Mendes, para além do facto de ele ser uma versão menor de um Cavaco mas sem autoridade e de um Marcelo mas sem criatividade, a não aspirar a mais do que uma derrota honrosa, exceto se por milagre da lotaria da multiplicação de candidatos conseguisse chegar à segunda volta como o “mal menor” contra o candidato populista.
Face à fragilidade dos apoios da candidatura de Marques Mendes, até dentro do PSD, a solução presidencial mais vantajosa para a estabilidade do governo de Montenegro seria curiosamente a eleição de António José Seguro, que pela sua moderação e sentido institucional será pouco propenso à facilidade no recurso à bomba atómica da dissolução da Assembleia da República que caracterizou os mandatos de Marcelo Rebelo de Sousa.
Pelo contrário, o pesadelo para Montenegro seria uma segunda volta das presidenciais disputada entre o terrorismo institucional de André Ventura e as insondáveis tentações caudilhistas de Gouveia e Melo.
O sonho de Montenegro é, depois de um resultado honroso nas autárquicas e de assegurar uma solução presidencial dentro do sistema, continuar a navegar à vista em quase quatro anos sem eleições até outubro de 2029.
Alguns ainda se lembram que Montenegro fez campanha eleitoral a dizer que o crescimento era lento e que com a AD seria sempre acima dos 3%, que a carga fiscal iria baixar radicalmente e que o investimento iria crescer a começar por uma execução determinada do PRR.
Os dados do INE dizem que o crescimento económico foi superior a 3% em 2023, mas baixou para 2,1% no ano passado e o Governo já aceitou que ficará abaixo dos 2% este ano.
As exportações, que em 2022 tinham atingido o nível recorde de 49,5% do PIB, caíram para 45,8% em 2024 e estão em retração este ano agravada pela instabilidade causada pelas medidas tarifárias de Donald Trump, pelo que a promessa de Miranda Sarmento de chegar a 55% ao longo da legislatura parece mais um mito de campanha eleitoral.
Esta semana, o INE corrigiu em alta o excedente orçamental de 2023 com Medina para 1,3% do PIB, valor tão denegrido pela ingratidão de Miranda Sarmento quando chegou ao Terreiro do Paço, mas corrigiu em baixa o saldo de 2024 para 0,5% do PIB.
O pior é que a execução orçamental do 1º semestre de 2025 aponta para um aumento da despesa muito superior ao da receita, pelo que as previsões do Conselho de Finanças Públicas são de um saldo nulo este ano seguido do regresso ao défice em 2026 face a múltiplas medidas despesistas com caráter permanente.
Destacam-se, para além dos famosos acordos com 19 setores da função pública, o programa agressivo de redução do IRC, acordado com o Chega, completamente em contramão com as recomendações da OCDE para baixas seletivas e com a tendência europeia de agravamento da tributação dos grandes grupos empresariais.
Finalmente a execução do PRR, a menos de um ano do prazo final para a conclusão dos investimentos, está em cerca de 40%, perante a crescente ameaça de desistências de candidaturas e outras com riscos de devolução de fundos.
A ironia final é que o saldo orçamental positivo do 1º semestre se deve sobretudo ao superavit da Segurança Social impulsionado pelo crescimento das contribuições dos tão vilipendiados trabalhadores imigrantes que são já cerca de 20% dos inscritos.
Neste quadro, compreende-se que a discussão das opções do orçamento só se inicie depois de 12 de outubro e a estratégia de sobrevivência governamental passe do ritmo de campanha eleitoral para o de resistência à tempestade da impopularidade que se aproxima.
É certo que o almirante da nau é Luís Montenegro, mas o prémio Laranja Amarga de hoje vai para o imediato da embarcação Miranda Sarmento a caminho de ter de corrigir a rota quando fraquejar o vento orçamental para a demagogia.
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