A divulgação dos dados finais do INE relativos a 2024, a execução orçamental do 1º semestre de 2025 e as previsões do Conselho de Finanças Públicas são uma trilogia de dados económicos devastadora para as fábulas com que Luís Montenegro conseguiu ser o líder do partido mais votado em duas eleições legislativas e fixa o ritmo para o tom macambúzio de fim de festa que irá marcar o próximo debate orçamental.

Depois de 18 meses gloriosos em tom de permanente campanha eleitoral, a multiplicar ilusões e a serenar corporações, aproxima-se o momento do esgotamento do modelo que permitiu a vitimização que conduziu às eleições antecipadas de maio passado e que se estende com a repetição da receita de brindes pré-eleitorais até às eleições autárquicas.

Já as eleições presidenciais poderão determinar uma curiosa adaptação do PSD ao modelo de gestão de danos do PS nas últimas quatro eleições, em 2006, 2011, 2016 e 2021.

Em todos esses momentos eleitorais, o PS estava no Governo, mas viu os candidatos que apoiava serem sempre derrotados e eleitos para a Presidência da República dois antigos líderes do PSD, seguindo em frente com o melhor relacionamento possível entre São Bento e Belém e a desvalorização política do impacto na governação daquelas eleições.

A teoria política de evitar colocar todos os ovos no mesmo cesto leva Marques Mendes, para além do facto de ele ser uma versão menor de um Cavaco mas sem autoridade e de um Marcelo mas sem criatividade, a não aspirar a mais do que uma derrota honrosa, exceto se por milagre da lotaria da multiplicação de candidatos conseguisse chegar à segunda volta como o “mal menor” contra o candidato populista.

Face à fragilidade dos apoios da candidatura de Marques Mendes, até dentro do PSD, a solução presidencial mais vantajosa para a estabilidade do governo de Montenegro seria curiosamente a eleição de António José Seguro, que pela sua moderação e sentido institucional será pouco propenso à facilidade no recurso à bomba atómica da dissolução da Assembleia da República que caracterizou os mandatos de Marcelo Rebelo de Sousa.

Pelo contrário, o pesadelo para Montenegro seria uma segunda volta das presidenciais disputada entre o terrorismo institucional de André Ventura e as insondáveis tentações caudilhistas de Gouveia e Melo.

O sonho de Montenegro é, depois de um resultado honroso nas autárquicas e de assegurar uma solução presidencial dentro do sistema, continuar a navegar à vista em quase quatro anos sem eleições até outubro de 2029.

Alguns ainda se lembram que Montenegro fez campanha eleitoral a dizer que o crescimento era lento e que com a AD seria sempre acima dos 3%, que a carga fiscal iria baixar radicalmente e que o investimento iria crescer a começar por uma execução determinada do PRR.

Os dados do INE dizem que o crescimento económico foi superior a 3% em 2023, mas baixou para 2,1% no ano passado e o Governo já aceitou que ficará abaixo dos 2% este ano.

As exportações, que em 2022 tinham atingido o nível recorde de 49,5% do PIB, caíram para 45,8% em 2024 e estão em retração este ano agravada pela instabilidade causada pelas medidas tarifárias de Donald Trump, pelo que a promessa de Miranda Sarmento de chegar a 55% ao longo da legislatura parece mais um mito de campanha eleitoral.

Esta semana, o INE corrigiu em alta o excedente orçamental de 2023 com Medina para 1,3% do PIB, valor tão denegrido pela ingratidão de Miranda Sarmento quando chegou ao Terreiro do Paço, mas corrigiu em baixa o saldo de 2024 para 0,5% do PIB.

O pior é que a execução orçamental do 1º semestre de 2025 aponta para um aumento da despesa muito superior ao da receita, pelo que as previsões do Conselho de Finanças Públicas são de um saldo nulo este ano seguido do regresso ao défice em 2026 face a múltiplas medidas despesistas com caráter permanente.

Destacam-se, para além dos famosos acordos com 19 setores da função pública, o programa agressivo de redução do IRC, acordado com o Chega, completamente em contramão com as recomendações da OCDE para baixas seletivas e com a tendência europeia de agravamento da tributação dos grandes grupos empresariais.

Finalmente a execução do PRR, a menos de um ano do prazo final para a conclusão dos investimentos, está em cerca de 40%, perante a crescente ameaça de desistências de candidaturas e outras com riscos de devolução de fundos.

A ironia final é que o saldo orçamental positivo do 1º semestre se deve sobretudo ao superavit da Segurança Social impulsionado pelo crescimento das contribuições dos tão vilipendiados trabalhadores imigrantes que são já cerca de 20% dos inscritos.

Neste quadro, compreende-se que a discussão das opções do orçamento só se inicie depois de 12 de outubro e a estratégia de sobrevivência governamental passe do ritmo de campanha eleitoral para o de resistência à tempestade da impopularidade que se aproxima.

É certo que o almirante da nau é Luís Montenegro, mas o prémio Laranja Amarga de hoje vai para o imediato da embarcação Miranda Sarmento a caminho de ter de corrigir a rota quando fraquejar o vento orçamental para a demagogia.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Há vários argumentos de ordem jurídico-política – e já lá vamos – que poderiam ser invocados para recusar o reconhecimento do Estado da Palestina. Mas a não entrega dos restantes reféns israelitas, mantidos em cativeiro, pelo Hamas, não é um deles. O Hamas não representa, de forma alguma, nem o povo palestiniano, nem as suas instituições, nem as suas reivindicações. O Hamas não é um governo embrionário, nem um movimento de libertação, nem um símbolo de autodeterminação, nem uma força insurgente. O Hamas é um simples grupo terrorista. E fazer depender da libertação dos seus reféns o reconhecimento do Estado da Palestina é fazer uma ligação que devíamos afastar. É dar-lhe um protagonismo que não tem, nem merece. É fazer o jogo de Israel, mas é, também, fazer o jogo do Hamas. É muito curioso que seja o próprio governo de Israel a reconhecer-lhe esse estatuto (de parte beligerante). O Hamas não é, sequer, parte beligerante. Não tem um exército regular a combater. Por isso é que Israel pode fazer o que quer, à margem das leis da guerra, bastando-lhe apontar o dedo a qualquer cidadão de Gaza incauto, matá-lo e dizer: “Ele era do Hamas.” E é mais curioso ainda ver partidos da direita ou pró-israelitas, como, em Portugal, o Chega, a invocar o argumento dos reféns, reconhecendo, assim, um papel de representação palestiniana, quase institucional, aos terroristas.

Sempre a meio da ponte, mas em linha com a tradicional posição de prudência da diplomacia portuguesa, o ministro dos Negócios Estrangeiros, Paulo Rangel, dá uma no cravo, outra na ferradura, como se tivesse medo de alguma coisa – por exemplo, da má disposição do “amigo americano”, agora representado pelo trumpismo triunfante. Oiçamo-lo: “Israel tem o direito às ‘necessidades de segurança’. ‘Portugal condena os ataques do Hamas e todas as ações por parte de grupos, terroristas ou não, que neguem o direito de Israel à existência.” “Portugal exigiu a libertação imediata de todos os reféns, assim como dos corpos dos mesmos. Esta decisão não é contra Israel, é a favor da paz.” E Rangel acrescenta que Portugal usará todos os instrumentos diplomáticos com os israelitas para os “convencer da bondade” desta posição, que “visa defender a segurança também de Israel”. Na semana em que Netanyahu disse que “nunca haverá um Estado palestiniano”, Rangel reitera que “é também no interesse de Israel” que esse processo “tem de avançar”.

O Governo português, ao referir o Hamas, continua a ligar a legítima luta dos palestinianos por uma pátria ao terrorismo. Sabemos bem que as ações terroristas foram a forma encontrada por vários grupos palestinianos para lutar contra o ocupante israelita. Mas também sabemos que isso podia ter sido ultrapassado quando dois homens de lados opostos, Yasser Arafat e Yitzhak Rabin, chegaram a acordo para dividir, pacificamente, a “terra do leite e do mel”. E sabemos de quem foi a culpa do falhanço desse projeto, planeado por aqueles dois Prémios Nobel: foi um judeu fanático que disparou sobre Rabin. Não foi um terrorista do Hamas.

Condena-se o terrorismo palestiniano – e por arrasto, o terrorismo islâmico –, mas ninguém fala do papel do sionismo na alimentação do monstro. Durante a II Guerra Mundial houve projetos, delineados por Hitler e partilhados com o seu provisório amigo Estaline, para erradicar o povo judeu do continente europeu, transferindo-o para um fim do mundo perdido no hemisfério sul, a ilha de Madagáscar. Um desígnio que as vicissitudes da História acabaram por fazer abortar. Ao ouvirmos falar dos projetos do governo de Israel, em conluio com o promotor imobiliário Donald Trump, para a erradicação, da Faixa de Gaza, de todos os palestinianos – deixando, talvez, alguns, para servirem à mesa… –, para que ali nasça uma nova “Riviera”, não podemos deixar de pensar como a História se repete, mesmo que os protagonistas se invertam. O desafio da comunidade internacional é o de impedir que se chegue à fase das câmaras de gás. E o reconhecimento do Estado da Palestina é um passo nesse sentido.

Há, no entanto, perplexidades jurídicas que, essas sim, merecem algumas respostas. Evidentemente que este reconhecimento, que Lisboa subscreve, não numa decisão unilateral, mas só depois de bem acompanhada por outros Estados de maior peso, como Reino Unido, Canadá e Austrália (talvez para que não se note muito o nome de Portugal neste “reconhecimento coletivo”), é um ato político, que tem pouco de jurídico. (Alguns dirão que, se já ninguém liga ao Direito Internacional, porque havíamos nós de ser os “anjinhos”?) E serve mais para apaziguar tensões internas do que para fazer diplomacia. Repare-se na justificação de Rangel: a decisão surgiu depois “da convergência do Presidente da República”, Marcelo Rebelo de Sousa, e da “larguíssima maioria dos partidos com assento parlamentar”. Mais, a consulta que culminou na tomada de decisão abordou também a solução de dois Estados: “Como solução futura no que concerne ao conflito israelo-palestiniano, pôde mesmo verificar-se uma posição unânime dos partidos representados na Assembleia da República.” Portugal, aliás, sempre prudente, é o 13º país da UE a reconhecer a Palestina. Somos 27, está mais ou menos a meio da tabela.

Muito bem. Então, na verdade, estamos a reconhecer o quê? Um projeto, não uma existência. A Palestina não tem instituições, não tem um governo, não tem uma capital, não tem um interlocutor, não tem uma moeda, não tem uma verdadeira diplomacia, não teve eleições e os palestinianos não têm representantes que, a não ser a fingir, sejam reconhecidos como fidedignos. Estamos a reconhecer o quê? Um ideal? Uma utopia? Estaremos nós, ao dar este passo, sem que haja força militar e política para o impor, na prática, a lavar a nossa consciência? Ou temos um projeto no terreno para ajudar os palestinianos a ter eleições, um governo, uma diplomacia, uma moeda, uma capital, fronteiras definidas e instituições minimamente representativas? O reconhecimento de um “Estado” com estas características é o quê?

Para já, deve implicar, na ONU, uma representação ao nível e com o estatuto de todos os outros. Na ONU, na União Europeia e em todos os outros areópagos internacionais onde a “existência” da Palestina independente se reconhece. Mas como irão os palestinianos ser representados se não têm governo que nomeie esses representantes? Depois, é preciso ajudá-los a caminhar: um programa económico, investimento estrangeiro, assistência financeira e militar, cooperantes técnicos, programas de reconstrução. Veja o que se fez em Timor-Leste. Mas como fazer tudo isto num país sem nada para oferecer – nem petróleo, nem minérios, nem “terras raras”? Ninguém vai mexer um dedo.

Atenção: o domínio do simbólico é importante. A pressão sobre Israel conta. Tudo isso é muito bonito e tem o seu mérito. Mas reconhecer uma ficção não vai, por si só, travar o alegado genocídio, não vai melhorar o dia a dia dos habitantes de Gaza – e talvez contribua para o piorar – e não vai salvar uma única vida. A comunidade internacional que reconhece a Palestina, e que, esta semana, se alargou, precisa de um plano. E precisa de liderança. Infelizmente, a liderança passou para o lado dos homens fortes. Do lado certo, do lado da liberdade, da democracia, dos direitos humanos, não temos ninguém que nos guie ou represente. Num certo sentido, nós, nas nossas democracias cada vez mais frágeis, também somos palestinianos à deriva. 

Palavras-chave:

Os resultados eleitorais do Chega nas últimas eleições mudaram de forma radical o enquadramento político-partidário que tínhamos desde a normalização da nossa democracia. Se as de 2024 trouxeram o partido a um lugar nunca ocupado pelo terceiro mais votado, as de 2025 conferiram ao Chega um papel central no sistema. Não apenas por ser o segundo com mais representação parlamentar, mas sobretudo porque instituições relevantes não poderão deixar de ter pessoas indicadas ou, pelo menos, apoiadas por esse partido.

A mudança não foi só de forma, ou seja, a ascensão de um outro partido aos principais círculos do poder político. Representa a subida de uma organização que não partilha os valores democráticos e de organização social dos que governaram no melhor e mais bem-sucedido período da nossa História.

Por muitas explicações que se possam dar sobre o sucesso desse partido, seja a conhecida coligação do ressentimento, seja o protesto contra o “estado de coisas”, o facto é que há 1 600 000 portugueses que votaram numa organização que não gosta da democracia liberal, que não quer o Estado de direito (André Ventura reclama diariamente o poder de mandar pessoas para a prisão) e que rejeita valores constitucionais essenciais para a definição de uma Constituição como democrática.

Dia 12 de outubro vamos assistir a outra mudança estrutural no nosso sistema: o Chega vai vencer câmaras municipais e juntas de freguesia, eleger vereadores, deputados municipais, ou seja, vai enraizar-se no sistema.

Um presidente de câmara ou mesmo um vereador com pelouro tem mais poder do que qualquer deputado ou grupo parlamentar que doutros dependam para definir políticas. Com câmaras e vereações vem o poder real, a capacidade de distribuir empregos, cargos, de gerar cumplicidades. E como ficámos a saber pelo livro de Manuel Carvalho Por Dentro do Chega, a máquina do Chega reproduz para muitíssimo pior o pior das máquinas do PSD e do PS.

Seja como for, a presença de 60 deputados do Chega no Parlamento é bem menos relevante para o nosso sistema democrático do que a autêntica revolução que representará a entrada maciça de homens e mulheres do Chega no poder autárquico. É o passo decisivo para a sua consolidação e para termos um partido que quer derrubar a democracia como força relevante durante muito tempo. 

O terceiro terramoto no nosso sistema poderá acontecer nas presidenciais de janeiro de 2026.

O último Presidente da República eleito democraticamente e sem ligação aos dois principais partidos da nossa democracia foi Ramalho Eanes, no já longínquo ano de 1980. Depois disso, todos os presidentes da República foram homens que tinham sido líderes de um dos dois principais partidos portugueses. Homens que, gostando-se mais ou menos de cada um deles, cumpriram os seus mandatos com um sentido de Estado irrepreensível e dignificaram o País e a democracia. E apesar de todos terem sido homens dos seus partidos, alargaram os seus eleitorados naturais e, no cargo, foram presidentes de todos os portugueses e não das suas fações.

Curiosamente, ou talvez não, Ramalho Eanes lançou um partido desde o seu cargo em Belém. Bem sei que o País assobia para o lado de cada vez que alguém lembra isso, mas talvez haja um avivamento da memória coletiva se um militar “acima dos partidos”, “independente” e entre a social-democracia e o socialismo (?) se instalar em Belém. 

A perspetiva de nem sequer haver um candidato originário do PSD ou do PS numa eventual segunda volta é real e constituiria uma mudança radical, mas já seria muito significativo não ter um Presidente da República proveniente de um desses dois partidos. 

O crescimento das forças populistas e antidemocráticas, repito, tem um significado claro: o reduzido amor pela democracia e pelo Estado de direito de cada vez mais gente. Esse, digamos, descontentamento tem sido acompanhado por uma incapacidade dos partidos centrais de combaterem capazmente essa ameaça, e talvez por isso terem caído numa desorientação que lhes põe verdadeiros problemas existenciais. 

Deixando de lado agora os verdadeiros pântanos em que se converteram as suas máquinas, tomadas por pessoas que transformaram os partidos em agências de emprego e para quem os princípios ideológicos são os que vossa excelência quiser, o PSD e o PS não sabem o que fazer com a ameaça à democracia que é o Chega (não são só os partidos portugueses, diga-se).

O PSD vive na tensão entre quem quer transformá-lo num Chega 2.0, quem acha que comprar as políticas de extrema-direita lhe permite esvaziá-la (a linha suicida de Montenegro), e os dois ou três últimos moicanos que ingenuamente pensam que ainda podem trazer o partido para o campo da social-democracia.

O PS anda perdido em jogos de poder. De gente que procura “o momento certo” para liderar o partido (não percebendo que estão à espera de Godot…), de fações mais à esquerda e mais à direita, com demasiadas pessoas que sabem o caminho que o partido deve percorrer apesar de nunca terem votado nele.  

Se PSD e PS continuarem nesta desorientação estratégica, com máquinas partidárias a deteriorarem-se e incapazes de parar a extrema-direita, será inevitável o aparecimento de novos partidos nessas áreas. A política tem mesmo horror ao vazio – não é frase feita.

O problema é que a eventual reconstrução do sistema político-partidário leva tempo e tem avanços e recuos. Em breve, podemos estar numa situação em que temos os partidos que tivemos até agora a ruir e a ficarem irrelevantes, partidos democráticos em construção e apenas um forte, consolidado e em crescimento: o Chega. É para isso que apontam os três terramotos que acima descrevo.  

Não há nada de bom em cairmos numa situação destas – bastante parecida com a francesa – que a cada dia que passa parece mais inevitável. O mundo não é como o queremos, é como é. Se nada se fizer, e nada está a ser feito, temos todos de nos preparar para esse cenário.  

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Palavras-chave:

1. O presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP), D. José Ornelas, falando após o XVI Encontro de Bispos dos Países Lusófonos, realizada em Lisboa no passado dia 13, citando Jesus Cristo disse não considerar católico quem tem um discurso contra os imigrantes e o seu acolhimento. Um católico não pode ser racista, sublinhou – e, como é óbvio, por maioria de razão não pode afirmar-se como tal, para obter os respetivos dividendos, sendo o “chefe” absoluto de um partido que tem no combate/ataque a imigrantes e ciganos a sua principal bandeira, de par com a de um alegado combate à corrupção.

Face ao que se está a passar em Portugal, julgo que a Igreja e sua hierarquia não podiam ficar em silêncio. Agora não ficou. Com D. José Ornelas a sublinhar também não entender como quem tem – e todos sabemos quem tem – um discurso populista, racista, xenófobo, invoca a fé católica e a matriz judaico-cristã da Europa, que aponta em sentido contrário.

E disse mais (sigo a notícia do Expresso): “Não só precisamos de imigrantes como precisamos de evoluir”, de deixar de ter uma “cultura de medo”. Notando que as propostas do governo de alteração das leis relativas aos imigrantes e à nacionalidade, ao invés, “o que têm mais é proibição e preocupação com o medo que se gerou”, enquanto é “muito, muito parca naquilo que é o dever, a necessidade e o desafio da integração” (dos imigrantes).

Logo na abertura da conferência, aliás, o presidente da CEP lembrou que cabe à hierarquia da Igreja católica instar os governantes a “não cederem a populismos manipuladores, a serem verdadeiramente responsáveis no acolhimento e a saberem integrar os que chegam, na dignidade e na justiça”. Orientação com o generalizado apoio dos outros bispos participantes, de todos os países de língua portuguesa. 

2. Esta posição ou intervenção pública é de grande relevância no momento que vivemos. Ela não se pode classificar como uma “clarificação” da doutrina da Igreja, pois a doutrina da Igreja é absolutamente clara a tal respeito – e o Papa Francisco, neste e noutros domínios, como o do Ambiente e Clima, não se cansou de a destacar e atualizar. Não se trata, pois, de uma clarificação, mas de uma recordação/afirmação de valores essenciais do cristianismo, da Igreja Católica. E do humanismo, hoje dramaticamente posto em causa, em perigo, em tantas partes do mundo.

Inclusive em Portugal. Sobretudo pelo partido que já é o segundo com maior representação parlamentar e que tem o tal “chefe”, presença avassaladora nos media nacionais, em especial nas televisões. Além de nas hoje super poderosas, influenciadoras, redes sociais, onde a mentira, a demagogia e o populismo campeiam e em larga medida o Chega domina  – ao que me dizem, dado não ser seu frequentador e ser “analfabeto” nessa matéria.

Ora, neste contexto, o mínimo que seria de esperar era os media darem o merecido grande relevo ao que disse o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa. Mas não, nada disso – pelo menos pelo que vi, ouvi e li, ignoro se terá havido alguma boa exceção a confirmar a regra… Nada disso, mormente por parte das televisões, em que André Ventura tem a tal presença avassaladora, pés de câmaras e microfones sempre atrás dele ou estendidos ao seu dispor. Não só quando justificado, por se tratar de acontecimento ou declaração que é notícia, como quando de todo jornalisticamente injustificado, por se tratar de simples propaganda partidária e pessoal. Ainda por cima amiúde cheia de difamações, manipulações, aldrabices, sem denúncia imediata, que fazem o seu caminho e vão ficando espalhadas como gasolina a alimentar um fogo sempre aceso contra a democracia – pois outra coisa não representa a “condenação” constante do sistema, da situação do País nos últimos 50 anos, ou seja: depois do 25 de Abril!…

Assim, o que neste aspeto se passa em muita da comunicação social portuguesa, mormente no sector do audiovisual, chega a ser “escandaloso”. Creio que na maioria dos casos não por uma desejada intenção de promover um partido e o seu omnipresente líder, mas por falta de sentido da responsabilidade cívica e social do jornalismo, falta de rigor deontológico e sentido crítico, por vezes também incompetência – e sobretudo a convicção, não sei se certa se errada, que Ventura é que faz vender e dá audiências.

Quando, enfim, os media em geral estarão à altura das suas obrigações éticas e responsabilidades?

3. A campanha para as eleições autárquicas há muito está na rua. Nesta altura na máxima intensidade nos muito debates, por todo o País, entre candidatos a presidentes de câmara. Ainda bem: e dos que tenho conhecimento, como natural a qualidade dos intervenientes e o grau de esclarecimento que propiciam é muito diverso.

Mas o que pretendo é chamar a atenção para as eleições das juntas de freguesia. Às quais, como se justifica e impunha, hoje é dada muita mais importância que tempos atrás. Na maioria dos concelhos, e de certeza nos de maior dimensão, a propaganda eleitoral para as freguesias já inclui cartazes com as fotos dos candidatos, etc. E há mesmo freguesias com uma relevância e especificidades que dão particular significado aos seus resultados. 

Flagrante exemplo é o da freguesia de Arroios, em Lisboa. Seguramente uma das mais populosas da cidade: segundo o censo de 2021 com 33 055 mil habitantes, agora com muitos mais, difíceis de contabilizar. Porquê? Porque é de longe a mais multicultural da capital, e do país, com moradores de pelo menos 79 nacionalidades (entre eles, de certeza, muitos imigrantes não legalizados). O que obviamente se reflete na multiplicidade e multiculturalidade de associações, grupos, estabelecimentos comerciais de toda a espécie.

A tal relevância e especificidade este ano acresce que se candidata a presidente da Junta, como independente mas apoiado por uma coligação PS-Livre-BE-PAN, João Jaime Pires. Uma (re)conhecida figura de professor, homem de cultura, pensamento e ação, desde há muitos anos, até há meses se ter reformado, reitor da mais prestigiosa instituição sedeada na freguesia: o Liceu Camões. Foi João Jaime que liderou todo o processo da excelente recuperação/renovação das suas velhas instalações e desenvolveu um trabalho pedagógico e cultural que todos reconhecem notável – assim havendo a expectativa que o mesmo possa acontecer ao nível da freguesia.

Como será viver no melhor país do mundo? Que pergunta! Nós sabemos, claro, os 10 749 635 residentes deste maravilhoso Portugal, onde um jovem recém-licenciado encontra de imediato um emprego à altura das suas qualificações, um salário conveniente ao custo de vida, o que lhe permitirá pagar uma casa arrendada e iniciar a sua própria vida, sem se arrastar anos e anos pela casa dos pais. E onde um velho vive com uma reforma digna, podendo mais tarde pagar um lar que cuide dele, enquanto prolonga os anos de vida saudável porque há médico de família para todos.

“Portugal é o melhor país do mundo”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, esta segunda-feira, num hotel em Nova Iorque, dirigindo-se a emigrantes e lusodescendentes. “Nós somos assim, vamos para nove séculos de História cada vez melhores, mais fortes, mais sofisticados, mais solidários, mais influentes, porque melhores”, acrescentou.

Os maiores. Ou, como canta Sérgio Godinho, “para isto não ficar numa canção em dois tons / vou tentar abreviar / somos todos muito bons!”

E somos especialmente muito, muito, bons em finanças, o que é um espanto, dada justamente a História destes nove séculos. “Para dizer como somos bons nisso, o facto é que já chegámos a uma coisa que era inimaginável, que é não só o equilíbrio das contas públicas, mas superavit! Antigamente eram outros países que tinham essa doença, agora é Portugal”, continuou o Presidente da República.

Agora que aprendemos a nossa matemática, que temos sobras de dinheiro nas contas públicas, o que iremos fazer com ele? Investir na gestão das urgências, para que não fechem, dar melhores salários aos médicos, para que não fujam para o privado, apostar na formação de professores, para que não faltem nas escolas, dignificar a atividade fulcral dos nossos bombeiros, comprar aviões que apaguem incêndios, acabar com o esquecimento das periferias e do Interior, construindo lá equipamentos sociais e de cultura? O que faremos com tanta abundância?

Marcelo Rebelo de Sousa faz o seu papel, não cai bem ir para o estrangeiro falar mal do País. E nós, aqui, se não morremos com o fecho de urgências e maternidades, podemos bem morrer dos maus fígados que nos dá a amargura, isto de estar sempre a falar mal. Existe, no entanto, um ponto que separa a realidade do delírio – e disto padecem muitos dos nossos representantes políticos.

O delírio está no encantamento com o facto de Portugal estar na moda, ser escolhido por cidadãos de certo tipo de países que cá vêm tanto para “turistar” como para viver, sem entender o alcance das consequências desta moda no preço das casas e o drama de milhares de famílias, que não conseguem pagar uma habitação com o seu salário.

“À volta da minha casa, em Cascais, só encontro americanos”, foi dizendo o Presidente da República, acrescentando que estes cidadãos compram “habitação nos sítios mais espantosos”. Lisboa, Porto, Algarve e Comporta são alguns desses locais “espantosos” para melhor se aproveitar o sol, a “segurança, a estabilidade e um ambiente humano único”.

Não há quem nos bata no ambiente humano, somos mesmo muito bons. Por enquanto. Até ao dia em que “ainda acabamos todos encurralados / a fazer manguitos ao irmão do outro lado / e a gritar: estamos quites / lixaste-me e estás lixado”. (Sul, Norte, Campo, Cidade, de Sérgio Godinho).

Palavras-chave:

As expectativas não faziam por menos. A quatro dias do arranque da Assembleia Geral das Nações Unidas, que junta quase duas centenas de líderes mundiais ao longo desta semana em Nova Iorque, a convicção expressa na página oficial da organização na internet antecipava “um dos encontros anuais mais consequentes na memória recente”. Em conferência de imprensa, o secretário-geral António Guterres proclamava que “a ONU é o local e agora é o tempo”, enquanto apelava aos chefes de Estado para serem “sérios” e “cumprirem”, insistindo numa “paz justa e duradoura no Médio Oriente, baseada numa solução de dois Estados”.

Não obstante o impasse nas negociações para o fim da guerra na Ucrânia e as investidas da Rússia no espaço aéreo de países da NATO, o momento de alta tensão na Faixa de Gaza domina as iniciativas diplomáticas e a respetiva atenção mediática nesta “semana de alto nível”, como é designada. O intensificar da ofensiva terrestre de Israel, a assunção pela ONU da existência de fome na região e a muito recente identificação, por parte de uma comissão de inquérito independente, do crime de genocídio contra o povo palestiniano levaram um conjunto de países ocidentais a marcar uma posição inédita.

França, Reino
Unido, Canadá,
Austrália, Bélgica,
Malta, Luxemburgo,
Andorra e São
Marino são os países
que escolheram
o mesmo momento
de Portugal para
reconhecerem o
Estado da Palestina

Na véspera do início da reunião magna, que decorre entre esta segunda-feira, 22, e a próxima, 29, já uma dezena de aliados tradicionais de Israel e dos Estados Unidos da América, Portugal incluído, anunciava o reconhecimento formal do Estado da Palestina. Uma iniciativa aguardada, com o propósito de aumentar a pressão sobre o governo de Benjamin Netanyahu para acordar um cessar-fogo em Gaza, que mereceu críticas de Telavive e de Washington, com Donald Trump a alinhar na tese de que a iniciativa premeia e favorece “os terroristas do Hamas”.

França, Reino Unido, Canadá, Austrália, Bélgica, Malta, Luxemburgo, Andorra e São Marino são os países que escolheram o mesmo momento de Portugal para alterarem o seu posicionamento, o que estende a lista dos Estados-membros da ONU que já “deram o sim” à Palestina para cima de 150, num total de 193.

Em nome de Portugal, e em plena sintonia com o Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa e a concordância da maioria parlamentar, embora não do CDS, o ministro Paulo Rangel justificou a decisão com a necessidade de “cessar todas as hostilidades”, face à “catástrofe humanitária que se vive na Faixa de Gaza”. Exigindo a libertação de todos os reféns ainda nas mãos do Hamas, na sequência do ataque terrorista de 7 de outubro de 2023 em Israel, o governante com a tutela dos Negócios Estrangeiros não deixou de considerar a resposta israelita “manifestamente desproporcional” e apelou a que se dê uma “oportunidade ao restabelecimento da ajuda humanitária” e “a que se abra uma fresta de luz para a paz”.

Dedo na ferida?

Israel e EUA mantêm-se indiferentes à crescente pressão internacional, mas parecem cada vez mais isolados. Na semana passada, só o veto americano travou uma resolução do Conselho de Segurança das Nações Unidas (os outros 14 membros votaram favoravelmente) a exigir o fim imediato dos ataques e das restrições à ajuda humanitária em Gaza – assim como a libertação dos cerca de 20 reféns ainda mantidos pelo Hamas. Morgan Ortagus, a representante dos EUA para o Médio Oriente, alegou que a resolução não condenava suficientemente o Hamas nem reconhecia o direito de Israel a defender-se. É a sexta vez que tal acontece. Por outro lado, no contexto da Assembleia Geral, são já mais de 140 países a concordar com a solução dos dois Estados, contra apenas dez contra.

As operações
militares de Israel
na Faixa de Gaza
terão provocado
mais de 65 mil
mortes no enclave
palestiniano,
na maioria mulheres
e crianças

Mais difíceis de contornar, contudo, podem ser as acusações de genocídio que vão ganhando tração institucional. O relatório de uma comissão independente nomeada pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, divulgado há poucos dias, tem força suficiente para levar a uma condenação ainda mais generalizada e veemente de Israel no plano diplomático, mesmo que não tenha peso bastante para mudar a situação no terreno de um dia para o outro. As conclusões identificam, nas ações das autoridades israelitas em Gaza, quatro de cinco ações sinónimas do crime de genocídio, a intenção de destruir, em parte ou no seu todo, um grupo nacional, racial, étnico ou religioso.

Segundo a comissão, Israel matou palestinianos na Faixa de Gaza, causou-lhes sérios danos físicos e mentais, infligiu-lhes deliberadamente condições de vida calculadas para provocar a sua destruição total ou parcial – submetendo-os a “condições inumanas, incluindo privação de alimentos, água e medicamentos” – e impôs medidas para impedir nascimentos, sendo esta ideia fundamentada com o exemplo de 4 000 embriões destruídos numa clínica de fertilidade bombardeada. A única das cinco ações genocidas não detetada foi a transferência de crianças, à força, para o seio de outro grupo populacional.

“A responsabilidade destas atrocidades é das autoridades de Israel ao mais alto nível, que orquestraram uma campanha genocida ao longo de quase dois anos com a intenção específica de destruir os palestinianos de Gaza”, apontou a jurista sul-africana Navi Pillay, antiga Alta Comissária das Nações Unidas para os Direitos Humanos (2008-2014) que liderou esta comissão.

O relatório de 72 páginas é resultado de quase dois anos de investigação à guerra iniciada com o ataque do Hamas em solo israelita, a 7 outubro de 2023, que matou 1 200 pessoas e fez outras 250 reféns da organização islamita. Entretanto, as operações militares de Israel na Faixa de Gaza terão provocado mais de 65 mil mortes no enclave palestiniano, na maioria mulheres e crianças.

Este relatório surge na sequência de outras denúncias prévias no mesmo sentido, por exemplo, da Associação Internacional de Académicos do Genocídio e também de organizações humanitárias presentes no terreno, como a Amnistia Internacional, a Médicos sem Fronteiras ou a Save the Children, mas Israel nega todas as acusações, quando não contra-ataca com o argumento do antissemitismo.

Não é muito diferente do que fez há um mês, em resposta ao relatório de segurança alimentar, apoiado pela ONU, que decretou a fome em Gaza em mais de 500 mil pessoas, com estimativa para atingir mais de 640 mil no final deste de setembro.

Sob o tema Melhor Juntos: 80 Anos e Mais por Paz, Desenvolvimento e Direitos Humanos, os habituais discursos dos líderes mundiais na Assembleia Geral da ONU decorrem até à próxima segunda-feira, com apenas um dia de pausa no domingo. A vez de Portugal chegará na sessão vespertina desta quinta-feira, através do primeiro-ministro, Luís Montenegro.

Por mais que António Guterres ainda não tenha ido ao ponto de classificar de genocídio os acontecimentos em Gaza, até porque, em última instância, cabe ao Tribunal Penal Internacional fazer esse julgamento (o que poderá demorar anos), ninguém pode impedir os líderes mundiais de porem o dedo na ferida e tentarem parar o derramamento de sangue. Terão, pelo menos, a força das palavras, em plena sede da ONU em Nova Iorque.

Há muito que se sabe que os alimentos ricos em cobre previnem danos nas células cerebrais através de efeitos antioxidantes, além de ajudarem o cérebro a produzir energia.

A boa notícia para quem gosta de comer carne de vaca, vísceras, marisco, sementes, cogumelos, nozes ou chocolate negro é que eles são particularmente bons para a memória.

Foi essa conclusão a que chegou a equipa de investigadores da Universidade Rush, em Chicago, nos EUA, que tem em curso um estudo clínico-neuropatológico longitudinal em cerca de 40 comunidades de reformados, habitações subsidiadas e lares individuais da região.

A neurologista Puja Agarwal e os seus colegas encontraram uma relação entre níveis mais elevados de cobre no cérebro e um declínio cognitivo mais lento que corrobora o papel de uma dieta rica em cobre na manutenção da saúde cerebral “e, possivelmente, no atraso do processo do Alzheimer” que, como se sabe, impacta a memória, lê-se no relatório, publicado em 2022, na revista Molecular Psychiatry.

Mas há mais em defesa especificamente do chocolate negro, quando o assunto é a memória: ele melhora a função da memória episódica verbal, pelo menos em adultos jovens e saudáveis, concluíram investigadores da Faculdade de Psicologia e Ciências da Linguagem Clínica, da Universidade de Reading, no Reino Unido.

Num estudo realizado com 98 voluntários entre os 18 e os 24 anos, verificou-se que, duas horas após comerem 35 gramas de chocolate com 70% de cacau, os participantes recordaram mais 17 palavras do que o grupo de controlo, ao longo de sete ensaios.

Os flavonoides do cacau melhoram a função da memória, provavelmente através do aumento do fluxo sanguíneo para o cérebro, sugerem os investigadores, no estudo publicado em 2020 na revista Nutrients.

“E o cacau funciona também para pessoas mais velhas”, escreveu recentemente Richard Restak, autor de Como Funciona a Nossa Memória (ed. Presença), no Guardian. “Há uma região do hipocampo, o giro dentado, que é a parte do cérebro responsável pela melhoria da memória e que diminui de tamanho e a função com o envelhecimento”, lembra. “Em testes com voluntários dos 52 aos 69 anos, aqueles que foram submetidos a uma dieta com maior teor de flavonoides do cacau apresentaram um giro dentado muito mais ativo, o que significa que não estavam a perder a memória.”

Uma mão-cheia de nozes ao pequeno-almoço pode dar aos jovens adultos uma vantagem mental quando precisam de atingir o auge do seu desempenho”

Claire Williams, Investigadora da Universidade de Reading, no Reino Unido

Se o caro leitor aprecia particularmente frutos secos, também vai gostar de mais esta boa notícia: investigadores da Universidade de Reading, no Reino Unido, descobriram que comer de manhã 50 gramas de nozes misturadas com muesli e iogurte resultou em tempos de reação mais rápidos ao longo do dia e num melhor desempenho da memória no final do dia, em comparação com um pequeno-almoço equivalente em calorias, mas sem frutos secos.

O estudo, publicado em março, na revista Food & Function, envolveu 32 jovens, entre os 18 e os 30 anos, que realizaram testes cognitivos enquanto a sua atividade cerebral era monitorizada nas seis horas seguintes ao consumo dos diferentes pequenos-almoços.

“O nosso estudo ajuda a fortalecer a ideia de que as nozes são um alimento para o cérebro”, disse Claire Williams, que liderou a investigação. “Uma mão-cheia de nozes ao pequeno-almoço pode dar aos jovens adultos uma vantagem mental quando precisam de atingir o auge do seu desempenho. É particularmente entusiasmante que uma adição alimentar tão simples possa fazer uma diferença mensurável no desempenho cognitivo.”

Um outro alimento que também podemos privilegiar na nossa dieta é o ovo, outrora considerado o Diabo no prato. Um estudo publicado em agosto do ano passado, na revista Nutrients, mostra que ele está por detrás de impactos positivos na memória, sobretudo entre mulheres.

Investigadores da Universidade da Califórnia em San Diego, nos EUA, analisaram os hábitos alimentares e os testes cognitivos de 890 pessoas com mais de 55 anos, seguidas em consulta entre 1988 e 1996. Os resultados sugerem que o consumo de ovos tem efeitos benéficos na memória semântica (memória dos factos) nas mulheres. A ausência de declínio observada em ambos os sexos sugere ainda que comer ovos pode ter um papel na manutenção da função cognitiva em geral.

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Um dos estudos mais surpreendentes, porque ofereceu uma instrução muito precisa, foi aquele que demonstrou como o exercício físico realizado quatro horas após a aprendizagem melhora a retenção da memória associativa.

Segundo essa investigação liderada por Eelco V. van Dongen, do Instituto Donders para o Cérebro, Cognição e Comportamento, da Universidade Radboud, nos Países Baixos, a ressonância magnética mostrou uma maior atividade hipocampal quatro horas depois de os participantes (de várias idades) fazerem exercício aeróbico. Sim, vou escrever uma terceira vez: quatro horas, nem mais, nem menos. E treinar imediatamente após aprender uma matéria nova não surtiu o mesmo efeito, lê-se no relatório, publicado em 2016, na revista Current Biology.

A persistência da memória a longo prazo depende de processos de consolidação que, por sua vez, parecem depender de substâncias neuromoduladoras como a dopamina, a noradrenalina e o fator neurotrófico derivado do cérebro (BDNF). Os investigadores explicam que se o cérebro não libertar estas substâncias logo a seguir a aprender alguma coisa nova, essa coisa será rapidamente esquecida. “O exercício físico estimula a libertação dos fatores de consolidação” e “pode ter potencial como intervenção da memória em ambientes educativos”, escreve van Dongen.

Para aumentar ainda mais os benefícios do exercício físico para a memória, há cada vez mais provas de que o melhor será praticá-lo no exterior. E nem é preciso investir muito tempo para obter benefícios cognitivos. Uma caminhada ao ar livre de 15 minutos melhora a memória e a concentração mais do que uma caminhada semelhante feita em ambientes fechados, demonstrou um estudo publicado em 2023, na revista Scientific Reports.

Katherine Boere, a principal autora desse estudo, na altura estudante de doutoramento em Neurociência, contou ao Washington Post que o seu interesse pelo tema começou quando ela e os colegas passeavam e conversavam enquanto faziam reuniões curtas ao ar livre, durante a pandemia. Dali a pouco tempo, estava a recrutar 30 estudantes e a avançar com a investigação.

A sua equipa descobriu então que a resposta neuronal relacionada com eventos, que tem impacto na memória de trabalho e na atenção, aumentou nas caminhadas realizadas em trilhos cobertos de folhas. Em contraste, o resultado não foi tão consistente quando os participantes caminharam dentro de um edifício.

“Em vez de dominar a atenção, a Natureza restaura as capacidades mentais e melhora o desempenho cognitivo”, lembra no relatório, um efeito que em Ciência se conhece como “fascínio suave”.

A expressão, deliciosa, tem décadas e foi cunhada por Rachel e Stephen Kaplan, ambos professores de Psicologia na Universidade de Michigan, nos EUA. Segundo a teoria da restauração da atenção proposta pelo casal, para que a Natureza exerça melhor o seu efeito relaxante, é preferível que o local tenha um elevado nível de fascínio. “Um ambiente que atraia automaticamente o observador é o mais benéfico”, defendem.

“Os ruídos são uma sobrecarga sensorial, porque o cérebro está a processar e a integrar a informação toda ao mesmo tempo”, lembra também Luísa Lopes, neurocientista da Fundação GIMM e da Faculdade de Medicina de Lisboa. “Nós, em termos primários, temos de escapar aos predadores. Quando estamos num ambiente seguro, o cérebro descansa.”

Não se estranha, por isso, que os sons associados às cidades modernas (trânsito, aviões, comboios) prejudiquem a memória episódica, em comparação com os sons da Natureza.

É isso mesmo que sugere um estudo publicado em julho na revista Applied Psychology, pioneiro a debruçar-se sobre a exposição aos ruídos urbanos. Com o objetivo de compreender melhor que efeito têm os diferentes sons ambientais na memória episódica, investigadores da Universidade de Illinois, em Chicago, nos EUA, compararam os efeitos dos sons relacionados com a cidade com os da Natureza e o ruído branco (para controlo), tanto na memória de itens específicos estudados como na memória contextual (detalhes associados aos itens).

Os resultados demonstraram que a exposição aos sons da cidade reduziu significativamente a memória contextual, implicando um custo para a memória episódica. “O nosso estudo sugere que [os sons da cidade] levam à redução da capacidade de formar memórias ricas em detalhes”, resume o principal autor, o psicólogo Zerin Fejzic.

Vai uma caminhada no campo?

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