É hoje que conheceremos o novo Governo. Como não tenho a mais pequena dúvida de que Luís Montenegro quer o melhor para o País, espero que ele tenha conseguido recrutar as pessoas que realmente quis. Numa palavra: os mais competentes e os que melhor queiram servir a causa pública. Estou certo de que o novo primeiro-ministro se riu com vontade ao ouvir a conversa da treta do governo mais ou menos político. Como se a política não fosse a atividade em que se tenta fazer o melhor pelo bem comum e em que não há combate político que mereça esse nome se não tiver por base o interesse da comunidade. Não deve ter sido tarefa nada fácil. Nas presentes circunstâncias, há uma grande probabilidade de que quem quer muito ir para o Governo não ser o mais competente e de que os mais capazes e competentes fujam de cargos públicos como o diabo foge da cruz. Resta-nos pouco mais do que confiar na genuína vontade de servir a causa pública do maior número possível de pessoas e no pecado favorito do diabo: a vaidade.
É, de facto, precisa muita coragem, muita indiferença ou nada ter a perder para aguentar o que já se tornou rotina para detentores de importantes cargos públicos. Tentar fazer o melhor pelo bem comum é agora também estar disponível para ser injuriado, difamado e ver a vida pessoal e dos seus próximos completamente devassada. Exercer um cargo público é, na prática, prescindir da presunção de inocência e dar ao mais impreparado magistrado ou a um pouco sério jornalista o poder de inverter o ónus da prova.
Mas ser ministro ou secretário de Estado, além de já não ser algo que se possa incluir com orgulho no curriculum, passou a ser uma espécie de cadastro. A lista de incompatibilidades que alguém que tenha exercido um cargo no governo é tal que torna muito difícil o regresso à vida no setor privado. O exercício do poder político é cada vez mais apenas possível aos ricos que podem passar longos períodos sem exercer as suas profissões, aos professores, aos políticos profissionais e pouco mais. O que antes já era muito discutível – a velha história de se ficar com a “vida feita” por se ter sido ministro – agora tornou-se uma clara mentira. E, claro, vale sempre a pena lembrar que os salários de ministro e de secretário de Estado são um insulto, não só para quem os recebe, mas sobretudo para a imagem que se dá da importância dos cargos desempenhados. Há algo de muito errado quando um homem ou uma mulher com a responsabilidade política pela Saúde ou Educação de uma comunidade é remunerado como um qualquer diretor de segunda linha de uma multinacional.
O maior obstáculo a ter pessoas competentes a trabalhar para o bem comum é a vontade de que alguns setores da Justiça têm em usurpar as funções de quem é eleito para as exercer. Já não são só os espetaculares e rotineiros processos que não dão em nada e só servem para destruir carreiras e cimentar a ideia de que os políticos são todos uns ladrões. Diga-se de passagem, e repetindo pela enésima vez o que aqui tenho escrito: uma parte importante do Ministério Público (MP) é uma das grandes responsáveis pela má imagem que a classe política tem junto dos cidadãos, pelo declínio do prestígio das instituições e pela fuga dos nossos melhores da mais nobre atividade. E não valia a pena referir: é fundamental o escrutínio da Justiça, mas os resultados têm sido pouco menos do que discutíveis.
Agora estamos noutro patamar. O MP dá-se ao luxo de não concordar com decisões de outros órgãos de soberania e lança processos sobre quem as toma dentro da lei. Acontece com sentenças de juízes, com decisões de organismos do Estado e, claro, do Governo. A Operação Influencer é um caso claro. Põem-se em causa contrapartidas a autarquias para a execução de obras públicas e investimentos relevantes, discutem-se decisões apenas sujeitas ao poder discricionário do executivo. Somado a isto temos agora um novo caso em que o MP impugna a decisão legal e legítima da Agência Portuguesa do Ambiente em autorizar a construção da maior central solar da Europa. A razão é pura e simplesmente achar que quem a contesta e quem deu pareceres não vinculativos tem razão… A isto chama-se subversão dos poderes em democracia ou querer mandar num país sem eleições.
A governação de Luís Montenegro não será fácil visto o reduzido apoio que tem no Parlamento – e não só. Mas seria bom que os opositores fossem forças políticas e sociais e que fôssemos nós depois a avaliar o seu trabalho, não quem tem outras funções. Desejo ainda que não faltem homens e mulheres competentes e com vontade de servir que corajosamente consigam ultrapassar todas as barreiras normais e as que infelizmente se estão a tornar normais.
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