O futuro deve ser trabalhado já hoje – algo particularmente notório quando falamos de sustentabilidade. Para que possamos ter um futuro mais sustentável, devemos começar a plantar as sementes desse futuro agora, com impacto sentido a vários níveis, incluindo na saúde.

Há muito que a sustentabilidade deixou de ser uma preocupação a considerar apenas para o futuro. É um tema premente já hoje, nos nossos dias, com resultados inquietantes. De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a qualidade do ar é já considerada a 4.ª causa de mortalidade global a nível mundial, sendo que, por ano, morrem 12,6 milhões de pessoas devido a causas ambientais. Quase metade desses óbitos deve-se à poluição atmosférica, que contribui, em grande medida, para várias doenças, sobretudo a nível cardiovascular.

E são muitos os motivos que levam a este cenário, como a degradação do meio ambiente e a perda de florestas. Os recentes incêndios em Los Angeles, nos EUA, relembram-nos para as consequências devastadoras do fogo nas florestas, algo que Portugal conhece, infelizmente, também particularmente bem. Aliás, continua a ser necessário trabalhar para recuperar a Mata Nacional de Leiria, fortemente fustigada pelo grande incêndio de 2017, uma tragédia ainda muito presente na memória de todos os portugueses.

As florestas têm um papel essencial na purificação do ar, através da regulação dos níveis de dióxido de carbono (CO2) e oxigénio (O2), fatores fundamentais para ajudar a mitigar os efeitos das alterações climáticas. Cuidar da nossa floresta é, por isso, um passo importante para garantir o futuro. O projeto “Bosque dos Corações”, que desenvolvemos e está a ser implementado no Pinhal de Leiria, tem, justamente, como propósito reduzir a pegada carbónica e melhorar a qualidade do ar, contribuindo também para melhorar a saúde cardiovascular.

Cada pinheiro produz, aproximadamente, 40 a 70 kg de O2 por ano e estima-se que tenha uma idade mínima de 70 a 90 anos antes de ser cortado. Falamos, por isso, de uma aposta a longo prazo, a pensar no presente, mas, sobretudo, no futuro.

A reflorestação é, assim, uma forma de renovar a esperança, regenerando a natureza e reforçando o nosso compromisso com a preservação do planeta. No fundo, plantamos agora para que os jovens do futuro possam ter sombra, para que as próximas gerações possam ter um futuro mais sustentável e mais saudável.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Graças ao avanço tecnológico, a indústria dos videojogos tem evoluído de forma impressionante, alcançando audiências cada vez mais diversificadas. Nesse sentido, nos últimos anos, a indústria especializada começou a levar mais a sério a incorporação de medidas que tornem os seus produtos e serviços acessíveis a todos, independentemente das suas capacidades físicas, sensoriais ou cognitivas.

De acordo com um estudo da Eurostat, em 2023, 27% da população da União Europeia com mais de 16 anos tinha alguma forma de deficiência. Isto significa que milhares de pessoas encontram barreiras que as impedem de desfrutar a 100% da jornada de um videojogo. Ninguém deve ser excluído deste tipo de experiências, pelo que é fundamental que as produtoras tomem medidas para tornar os videojogos mais inclusivos.

Felizmente, existem já algumas soluções que melhoram a acessibilidade nos videojogos. Algumas das mais relevantes incluem: legendas para jogadores com deficiência auditiva que permitem acompanhar os diálogos e efeitos sonoros através de texto; modos de alto contraste e ajustes de cores que são essenciais para jogadores com deficiência visual ou daltonismo; ou leitores de ecrãs que permitem converter o texto em fala, facilitando a navegação para jogadores cegos ou com baixa visão.

Tais medidas, apesar de parecerem simples, têm um impacto muito positivo para os jogadores que detêm algum tipo de necessidade especial. Foi neste sentido que a Associação de Empresas Produtoras e Distribuidoras de Videojogos (AEPDV), em parceria com a Associação Portuguesa de Produtoras de Videojogos (APVP) e a Sociedade Portuguesa de Ciências dos Videojogos (SPCV), lançou o Livro Branco de Acessibilidade para Produtoras de Videojogos.

Para concluir, considero que a acessibilidade nos videojogos deve passar a ser vista como um elemento essencial do design de um videojogo. Ao eliminar barreiras e garantir que mais pessoas possam jogar, não só promovemos a inclusão, mas também incentivamos a inovação e a criatividade no setor. Além disso, o futuro dos videojogos deve ser acessível a todos, independentemente da sua condição.

Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.

Pedro Nuno Santos, líder da oposição, disse no sábado, em Bragança, que Portugal “parece um bar aberto”, acusando o Governo de Luís Montenegro “de usar bem estes dez meses para tratar da vida dos seus autarcas em final de mandato”, uma vez que, segundo as suas contas, “mais de um terço dos autarcas em final do terceiro mandato já foram colocados no aparelho do Estado porque estão no final do terceiro mandato e não se podem recandidatar”. E deu exemplos, incluindo nas administrações dos hospitais, mais machadadas na triste gestão do Serviço Nacional de Saúde, sabendo todos nós que também o PS, nos seus tempos de governo, espalhava quadros do partido pelos organismos públicos.

Todos fazem o mesmo. E esta é a frase assassina que sempre foi dita com um encolher de ombros, quando não se vislumbrava alternativa governamental para lá do bloco central, mas que agora serve outros propósitos em tempos extremamente perigosos.

Serve populismos, serve a extrema-direita. Como se esta tivesse mais ética e moral na gestão da coisa pública, como se não estivesse ela própria cheia de casos e casinhos de dirigentes de carácter duvidoso e até criminoso, como se não iludisse tanta gente no ideal de um bem maior que virá pôr ordem na casa, quando querem o mesmo de todos. Querem negócio.

As imensas trapalhadas do bloco central na gestão de crises políticas que destroem a credibilidade de quem nos governa mostram bem como nos faltam líderes à altura do chão minado que pisamos.

Sobre a embrulhada em que está metido o primeiro-ministro – por conta de ter uma empresa familiar, que passou para o nome da mulher quando se tornou líder do PSD, embora seja casado em comunhão de adquiridos, ou seja, vai dar ao mesmo, recebendo uma avença da Solverde, que tem a concessão dos casinos de Espinho e do Algarve –, Pedro Nuno Santos usou outra imagem sugestiva: “Não comemos gelados com a testa. Quem angariou os clientes foi o primeiro-ministro. Aquelas empresas só trabalham com a empresa do primeiro-ministro porque é de Luís Montenegro. Não é por causa dos familiares.”

E agora, Pedro Nuno Santos? Consequências? O PS votaria “obviamente” contra qualquer moção de confiança ao Governo que possa ser apresentada. Mas já anunciou que não vai viabilizar a moção de censura apresentada pelo PCP. Uma e outra resultariam no mesmo, uma eventual queda do Governo, se houvesse votos suficientes para isso.

“O Partido Socialista não será responsável nem fator de instabilidade política em Portugal”, disse Pedro Nuno Santos, percebendo-se que o timing para novas eleições legislativas não convém ao PS. É uma questão de horários. Iriam as eleições resultar numa viragem à esquerda desta vez? Estará o eleitorado para aí virado ou, pelo contrário, seria a extrema-direita a insuflar-se? É que esta crise política tem origem numa identificação de negócios mal explicados, de uma falta de ética com o sistema do arco da governação. E aqueles que se anunciam como antissistema só teriam a ganhar.

Apesar disso, varrer o lixo para debaixo do tapete, dizer que se vai passar a empresa para os filhos, como o fez Luís Montenegro, é mesmo fazer-nos comer gelados com a testa. Não insultem a inteligência dos portugueses – há tiros no pé que saem muito caros à democracia.

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Esquecemo-nos do lugar onde nascemos ou vivemos, deixámos de pensar, porque tudo nos chega a casa com facilidade e, supostamente, a baixíssimo custo, que é o maior problema. Damos como adquirido e certo que há a fruta que hoje nos apetece, a um preço insignificante, num supermercado sempre próximo, saboreamos uvas durante todo o ano.

Deixámos de ter respostas, porque não nos questionamos, aceitamos que pensem e decidam por nós. O clique fácil, acessível, intuitivo, como que a fazer parte do nosso corpo, anestesiou-nos e adormeceu-nos. Parece um enorme paradoxo, mas deixámos de ser livres. À partida, está tudo decidido.

Alguns, poucos, temos acesso a tudo aquilo de que necessitamos à distância de uma tecla e nada nos importa quanto custou, quem regou e colheu aquelas maçãs ou fez os sapatos, muito menos onde. Tudo é acessível e fácil, barato, quase gratuito, entra-nos pela casa. E o maior paradoxo é estarmos mais longe do essencial, na verdade, mais longe de nós próprios, da nossa família e dos nossos amigos, do lugar onde vivemos.

O lugar onde vivemos deixou de ter importância, a sua alma e a sua identidade há muito que se foram e nem damos por isso, e quando esbarramos nalguma fotografia ou história fóssil, isso já não nos toca e pouco nos diz. Aceitamos tranquilamente porque está tudo pensado para uma vida confortável, sem carências nem perguntas, para os que nascemos nesta geografia, uma enorme minoria na Terra. Se está calor, ligamos o ar condicionado, se faz frio, tocamos num botão que faz uma chama parecida com a do madeiro de outrora. Acreditamos que é possível, e aceitável, voar de Lisboa para Londres por 30 euros. Desde há umas décadas que assim tem sido, a “milagrosa solução” está na mão do clique. O resto, a tecnologia, aparentemente, resolve.

Crescer. Crescem a oferta, a procura e tudo à volta; como se pode crescer sempre? E, então, para onde vamos, onde nos leva o incontornável crescimento a que estamos obrigados? Enquanto tivermos limões, mesmo que seja da África do Sul e não do Algarve, isso não nos importa? Assistimos ou decidimos? Será que podemos assistir passivamente? Será que a Terra nos deixa assistir como se nada tivéssemos a ver com o tema?

A proposta aponta para um lugar, para um sítio onde é possível ter outro modo de vida. Outro modo de vida totalmente diferente, sobretudo verdadeiro, quando comparado com o mundo do clique, do low cost, sem rosto e muito menos alma. Um modo de vida onde os pilares essenciais a uma existência digna e feliz são possíveis. Um lugar com o qual nos identificamos totalmente, que sentimos fazer parte de nós, a nossa terra, que sentimos, respiramos, tocamos e cheiramos. Se for o “nosso lugar”, a terra onde nascemos e crescemos, tanto melhor. O solo, a água e a paisagem onde nascemos. O terroir do nosso corpo, da nossa alma, onde podemos ser mais felizes porque é aqui, na terra que nos sentiu nascer, que melhor nos sentimos. Aqui, neste lugar, há alimento, abrigo e segurança, os três pilares essenciais para o viver feliz. Aqui temos nome e os outros, os vizinhos, conhecem-nos. Não necessitamos de password, integramos esta realidade, esta verdade e é aqui onde melhor podemos estar.

Por muita desmaterialização, sempre ilusória, que nos apregoem, os recursos essenciais – solo, água e ar – continuam a ser locais. Só vivendo o local podemos saber os seus limites, os seus recursos, o seu clima, os seus patrimónios. E só com estes, com todos os seus patrimónios, poderemos aspirar a um modo de vida possível e feliz onde todos caibam e possam dispor dos recursos necessários a uma vida feliz e digna, onde vamos recordar muita coisa essencial que parecemos ter esquecido; as estações do ano sintetizam quase tudo o que é essencial para a vida e a sustentabilidade local. Lugar, aquele território onde a alma suspira de alegria e os olhos riem.

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TRUMP E SUA TRUPE.  O mundo vive um momento dramático, extremamente perigoso e ameaçador. Em que estão a ser cada vez mais postergados, pisados, princípios e valores que pensávamos em definitivos em sociedades civilizadas. Princípios e valores consagrados em na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e/ou que decorrem do “Direito natural”, das normais relações entre pessoas e, por maioria de razão, entre países e povos: como o respeito pelos outros, a boa-fé, a tolerância, a cordialidade, ou pelo menos a não agressividade.

Agora, num mundo já cheio de tragédias, da Ucrânia a Gaza, passando pelo Sudão, etc., é também uma tragédia, e a nível global, o que ocorre nos EUA ‒ embora sem dezenas de milhares de mortos, casas e cidades arrasadas. Porém, com imediatas consequências graves já conhecidas, e prováveis gravíssimas consequências futuras. Desde as políticas ‒ para a democracia, a justiça, as instituições internacionais, a paz – até às que têm que ver com a sobrevivência do planeta, como as climáticas.

O que Trump e sua trupe estão a fazer ultrapassa o que se podia imaginar acontecer num país democrático. Ao inqualificável espetáculo de arrogante exibição de poder – entre o trágico, o demencial e o grotesco – da assinatura de cem “ordens executivas” após a sua posse, sucedem-se, a ritmo alucinante, decisões e intervenções violadoras de normas básicas da democracia, da justiça, da solidariedade, do simples bom senso ou da mera boa educação.

Além de Trump e sua trupe violarem compromissos internacionais assumidos pelos EUA, formalmente e/ou na sua prática de sempre: uma “traição” aos seus aliados, que cometeram o erro de demasiado se terem deixado desvalorizar ou menorizar. E não sei se mesmo “humilhar”, embora nunca como Trump fez agora a Zelensky, na mais vergonhosa cena (anti)diplomática alguma vez transmitida em direto pelas televisões. Com o Presidente do mais poderoso país do mundo como que a transformar a vítima do crime no criminoso, e o criminoso em vítima!…

MONTENEGRO, MUDAR E FICAR NA MESMA.  Face a este “terramoto” global, o que se  passa na política nacional é apenas um sismo de pequena intensidade. Mas, como a “casa” do governo é tão frágil, nos seus alicerces e nos seus materiais, bem poderá desabar. Desabará mesmo se o Governo apresentar a moção de confiança que o primeiro-ministro sugeriu ou anunciou de forma ambígua. E que o PCP parece ter querido evitar ao apresentar uma moção de censura, e ao não a retirar (até quando escrevo: tarde de 2ª feira, 3 de março), apesar de saber que será chumbada.

Assim, e não sendo o PCP ingénuo, só se pode concluir: 1) que prefere que o Governo não caia, porventura por temer eleições antecipadas; 2) em simultâneo imputando a responsabilidade dele não cair ao PS, por não votar a sua moção de censura… Ora, as coisas são diferentes e é bem compreensível que o PS se abstenha na censura e vote contra a confiança.

Quanto ao resto, já muitíssimo foi dito e aqui não cabe dizer mais nada. Sublinho só que, quer pelo tal estado do mundo, com inevitáveis consequências entre nós, quer pelo que a defesa da nossa democracia impõe, deve haver inteligência e moderação no debate político, designadamente no conducente ou não à queda do Governo. Por exemplo, não deixando instalar a perceção (e Luís Montenegro é tão atreito a perceções) de haver neste caso qualquer forma de corrupção ou similar: não há, nem de perto nem de longe, a questão é apenas política e, de certa forma, ética.

Acontece é que não se percebe de todo como Montenegro, para dar como solucionados os problemas decorrentes da sua propriedade de uma empresa, passa as quotas à mulher, com quem é casado em comunhão de adquiridos (e que fosse mesmo com separação de bens…). E, agora, ambos as passam para os dois filhos, de 19 e 23 anos, um estudante outro recém-licenciado em Gestão. Desta modo, embora do ponto de vista formal seja diferente, na essência não muda praticamente nada. Se a empresa já viesse muito de trás, se os filhos fossem profissionais (re)conhecidos, tivessem uma carreira no ramo ou na gestão em geral, etc., seria outra coisa. Assim, não é. 

À MARGEM

Imobiliárias e imobiliárias

À semelhança do que acontece(u) com a empresa e a(s) casa(s) de Montenegro, há coisas mal explicadas com a questão das imobiliárias. Porque, para efeitos políticos e éticos relevantes, nem todas as (juridicamente) empresas desse ramo são iguais ou sequer semelhantes.

Há que atender, para tais efeitos, a quando foram constituídas, com que objetivos, negócios, realizados ou possíveis, que podem ou não ser favorecidos pela ação política dos proprietários, etc. Uma coisa é quem vai para o governo, e/ou tem poder autárquico, e constitui uma imobiliária aproveitando-se ou pretendendo aproveitar dessa situação, outra muito diversa é ter uma empresa só para gerir património familiar há muito existente, e até porventura indiviso.

Por isso, fez muito bem a ministra da Justiça, de uma família com um vasto património já antigo, em deixar clara a sua posição a esse respeito. 

Será um hotel dentro de uma cave ou uma cave no interior de um hotel? A dúvida fica a pairar quando entrarmos no parque de estacionamento do novíssimo Tivoli Kopke Porto Gaia (abriu a 1 de fevereiro) e, do lado esquerdo, observamos centenas de barricas com vinho do Porto a envelhecer. Mais tarde, visitaremos essa adega (há outra e bem mais antiga), onde existe um balseiro gigante com mais de 103 mil litros de vinho que, contam-nos, teve de ser construído ali mesmo por não caber na porta.  

O hotel de cinco estrelas, em Vila Nova de Gaia, resulta da parceria entre a marca hoteleira Tivoli, que há quase 20 anos não tinha presença no Porto, e a Kopke, a casa mais antiga de vinho do Porto (data de 1638), pertencente à Sogevinus. Chegados ao lobby, a garrafeira do wine bar espelha a aposta vínica com dezenas de prateleiras cheias de garrafas do portefólio do grupo: Kopke, Calém, Velhotes, Barros, Burmester e Quinta da Boavista. 

O novo hotel de cinco estrelas nasceu a partir das antigas caves da Kopke, a casa mais antiga de vinho do Porto (data de 1638)

Da janela avistam-se os dois telhados cor de tijolo da antiga cave da Kopke (acredita-se ter mais de 200 anos), que se encontra a ser requalificada, devendo abrir no fim de março, tanto a hóspedes como a passantes. Foi à volta desta cave de envelhecimento em pleno funcionamento, com vista desafogada para o Porto e Vila Nova de Gaia, que nasceram os novos edifícios deste hotel com 150 quartos de diferentes tipologias, entre elas, quatro suítes com 100 m². “Este legado da Kopke, que sempre foi a marca mais prestigiada do grupo Sogevinus, alia-se ao grupo Tivoli, com 91 anos de experiência na hospitalidade de luxo. Há uma vontade de ambas as partes de elevar a experiência hoteleira do turista”, diz Francisco Viana Brito, diretor da unidade, durante uma visita guiada. 

Fotografias de Domingos Alvão, obras de Picasso 

Neste projeto do arquiteto José Carlos Cruz somos abraçados pelo vinho do Porto e pela sua História, desde as áreas comuns aos corredores (alguns têm janelas para a tal cave antiga) e aos quartos, decorados com fotografias a preto e branco de Domingos Alvão, fundador da Casa Alvão e pioneiro em imagens do território duriense no século XX.  

No exterior, encontram-se nove mil metros quadrados de jardins construídos em socalco, que atravessam a zona do spa e da piscina exterior (terá um bar a funcionar no verão) e hão de desembocar numa pequena vinha ainda em construção. 

O Tivoli Kopke tem 150 quartos de diferentes tipologias, decorados com fotografias de Domingos Alvão

A espanhola Isabel López Vilalta, responsável pela decoração de interiores, apostou em tons sóbrios e no bordeaux (a remeter para a cor do vinho) em cadeiras, almofadas, tapetes ou fundos de cama. Uma galeria de arte atravessa grande parte das áreas comuns, com obras da coleção privada da Fundação Abanca (de Picasso a Dalí e Miró), o banco espanhol que detém a totalidade do grupo Sogevinus.  

Restaurantes com chefe premiado 

Atrair os locais e não hóspedes ao hotel é um dos objetivos através “de uma oferta cultural com concertos, provas de vinho e a exposição permanente” ou dos dois restaurantes com “uma cozinha atlântica desnuda [nua, genuína]” do chefe Nacho Manzano (três Estrelas Michelin no restaurante Casa Marcial, em Arriondas, nas Astúrias): o Boa Vista Terrace, mais tradicional, e o 1638 Restaurante & Wine Bar, este último de alta-cozinha, que abrirá em meados de março com um menu de 11 momentos apenas ao jantar. “Transformar este hotel em algo mais do que um hotel” é, sublinha Francisco Viana Brito, o objetivo do Tivoli Kopke. Em nome do vinho do Porto, claro.

Tivoli Kopke Porto Gaia > R. Barão de Forrester, 69, Vila Nova de Gaia > T. 22 410 5600 > a partir €300 

Spa e restaurante abertos a passantes 

Tivoli Shape Com entrada separada do hotel, o spa conta com sauna, piscina interior com água aquecida e vista panorâmica. As cinco salas de tratamentos de rosto e corpo, feitos com produtos da Natura Bissé, têm vista para um espelho de água exterior. Na massagem The Essence of Kopke (80 min., €190) utilizam-se pedras de xisto aquecidas e uma manta feita com rolhas de cortiça, numa viagem pelo Douro que finaliza com chá aromatizado com vinho do Porto. Seg-dom 9h-19h30 

Boa Vista Terrace by Nacho Manzano Com vista para os jardins e o casario do Porto, o restaurante mais tradicional do hotel serve uma cozinha portuguesa com influências asturianas, do pequeno-almoço ao jantar. Um dos pratos-estrela é o arroz de capão (€29), idêntico ao que o chefe Nacho Manzano serve na Casa Marcial. Nas entradas, destaque para o brioche de bacon grelhado com mozzarella, a couve-flor com sardinhas fumadas e ovas de arenque e a tortilha de bacalhau e, na sobremesa, a rabanada de coco caramelizado. Seg-dom 7h-11h, 12h-15h30, 19h-23h  

Quando a galeria Senhora Presidenta fechou no final do ano passado, no Bonfim, onde desde 2018 partilhava uma loja com Célia Esteves, a designer dos tapetes artesanais GUR viu uma oportunidade de reformular o negócio. À vontade de dar maior visibilidade à sua marca, promovendo a realização de oficinas de tecelagem, lançou o desafio à It’s a Book – que visitava com frequência em Lisboa – para ocupar o espaço deixado vago, expandindo a venda dos seus livros para crianças ao Porto. Afinal, um e outro projeto tinham um ponto em comum: a ilustração. 

A livraria de Joana Silva e António Alves abriu a 14 de fevereiro, com vistas largas para a rua e uma boa seleção de livros ilustrados de editoras portuguesas (Planeta Tangerina, Mini Orfeu, Bruáa, entre outras) e estrangeiras (França, Itália, Espanha e Reino Unido). “Sempre tivemos uma grande vontade de abrir no Porto, mas nunca pensámos poder dar esse salto”, confessa Joana Silva.  

Ao novo livro de Joana Estrela, Ão Ão!, apresentado na inauguração, juntam-se muitos outros, coloridos e para todas as idades: António Variações Fora de Tom, de Inês Fonseca Santos e Mantraste, Greve, de Catarina Sobral, One Week in January, de Carson Ellis, Este Chapéu não é Meu, de Jon Klassen… À semelhança do que acontece em Lisboa, a It’s a Book há de organizar oficinas com ilustradores do Porto.  

A coleção GUR Faces

A reformulação da loja/oficina permitiu ainda a Célia Esteves “voltar a ser tecedeira” – os seus tapetes GUR, feitos em colaboração com ilustradores como Yara Kono, Madalena Matoso, Mantraste, Júlio Dolbeth ou Carolina Celas, são tecidos em Viana do Castelo.

Num pequeno tear adquirido há uns anos, a designer criou a nova coleção GUR Faces, com figuras que têm tudo que ver com as dos livros da It’s a Book: um gato, um cogumelo, uma minhoca, uma maçã, uma casa, um alien e um elefante. Uma união feliz.

Próximas oficinas

Construção de Personagens e Instrumentos Musicais  Pelo trio contador de histórias Bicho Papelão. 4, 11, 18 e 15 mar, 17h45 > €45 (4 sessões, maiores de 5 anos)  

Tirar o Puxadinho da Chuva Célia Esteves ensina a tecer expressões idiomáticas populares com o ponto puxadinho. 15 mar, 15h > €45 (três horas, adultos) 

GUR e It’s a Book > R. Joaquim António de Aguiar, 65, Porto > T. 91 458 7805 > seg-sex 13h-19h, sáb 10h-17h 

“Se for rejeitada, eu imediatamente convocarei os partidos, se possível para o dia seguinte, e o Conselho de Esrado para dois dias depois”, disse Marcelo Rebelo de Sousa, em Viseu, prometendo depois “um calendário de intervenção o mais rápido possível”, deixando entender como hipótese a realização de legislativas antecipadas em maio.

Marcelo disse, contudo, pretender ouvir primeiro os partidos, designadamente os que suportam o Governo (PSD e CDS-PP), para confirmar que pretendem apresentar-se a eleições, se forem convocadas, com as mesmas lideranças.

Na abertura do debate da moção de censura ao Governo, apresentada pelo PCP e que foi rejeitada pelo parlamento, com os votos contra do PSD, CDS-PP e IL e a abstenção do PS e do Chega., o primeiro-ministro, Luís Montenegro, anunciou que o Governo avançará com a proposta de uma moção de confiança ao executivo pelo parlamento, “não tendo ficado claro” que os partidos dão ao executivo condições para continuar.

A moção de censura dos comunistas, intitulada “travar a degradação da situação nacional, por uma política alternativa de progresso e desenvolvimento”, já tinha chumbo anunciado antes do debate e a votação confirmou este desfecho. PCP, BE, Livre e PAN votaram a favor, PSD, CDS-PP e IL contra e o PS e o Chega optaram pela abstenção.

Ao primeiro-ministro cabia, ao iniciar o debate da segunda moção de censura, avaliar com a maior precisão possível se, em março de 2025, a maioria dos portugueses se revê na sucessiva turbulência no Parlamento e, com base nisso, decidir diretamente o futuro deste Governo, usando um instrumento constitucional. A moção de confiança, que também já morreu.

Se houvesse coerência, em boa verdade, o PS deveria aprovar a moção de censura, independentemente de quem a apresentou, e entregar ao Presidente da República a decisão sobre a realização de eleições. Um governo minoritário estará sempre sujeito à vontade desta ou daquela força política, o que não permite qualquer estabilidade no momento mais difícil da conjuntura internacional que vivemos, e à qual não escapamos, sendo nós membros da NATO e da UE.

Uma coisa é certa: os portugueses vão decidir se querem dar maior estabilidade a um Governo como este, reformista e com um ritmo decisório invulgar, ou voltar a baralhar as cartas e deixar tudo na mesma. Neste mundo de ditadores, neo-ditadores e velhos autocratas, é muito positivo que o povo diga o que quer, como quer e quem quer. É soberano e respeitado.

E, em democracia, o povo pode e deve ser sempre chamado a pronunciar-se sobre o seu futuro, independentemente do calendário eleitoral. Já sabíamos como tudo isto iria acabar no Parlamento. Agora, o mais rapidamente possível, vamos escolher e clarificar.

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Perto das duas horas da madrugada, os sindicatos conhecem a decisão do Conselho da Revolução (CR) de nacionalizar a banca. Quase de imediato, começam a fazer as listas com os nomes dos dirigentes a nomear. Encerrados desde o golpe de 11 de março, os bancos já não tiveram tempo de abrir as portas nessa sexta-feira, 14, mas alguns reabriram-nas no dia seguinte, um sábado. A banca estava finalmente “ao serviço do Povo”, como ordenavam os cartazes pendurados nas fachadas. Na véspera, milhares de trabalhadores tinham saído à rua, pedindo a estatização do setor financeiro para eliminar a “sabotagem económica” e estancar a “fuga de capitais para o estrangeiro”. As nacionalizações iniciaram-se pela banca (Decreto-Lei nº 132-A/75 de 14 de março) e prosseguiram com os seguros (Decreto-Lei nº 135-A/75 de 15 de março). Foram um ato político, sem planeamento nem estratégia, como se verá de seguida.

Vasco Gonçalves (à direita com gravata), político português, numa visita à SOREFAME, empresa metalo-mecânica, na Amadora.
Foto: A Capital

Na tarde do dia 13, José da Silva Lopes, ministro das Finanças, e Manuel Jacinto Nunes, governador do Banco de Portugal, são chamados ao Palácio de Belém, onde se iria reunir pela primeira vez o recém-criado Conselho da Revolução, emanado da Assembleia Militar “selvagem” de 11 março. “A banca estava fechada há três dias, por ordem dos sindicatos. Sabíamos que a reunião era por causa disso”, contou Silva Lopes à VISÃO História, em 2010.

A pedido do primeiro-ministro do III Governo Provisório, Vasco Gonçalves, os dois altos responsáveis do sistema financeiro levavam na pasta uma proposta de seis páginas, escrita à mão por Silva Lopes, prevendo a reabertura dos bancos através da nomeação temporária de gestores do Estado, sem afastar os acionistas privados. A palavra nacionalização nem sequer constava do manuscrito que tinham preparado horas antes, com o apoio dos juristas Medina Carreira e Joaquim Mexia. Entraram em Belém convencidos de que a proposta “iria passar”, mas na verdade “nem chegou a ser discutida”. O rumo que a economia portuguesa tomaria nas décadas seguintes seria traçado ainda nessa noite, a quente.

À espera em Belém

Silva Lopes e Jacinto Nunes aguardaram longas horas nos corredores do Palácio de Belém, antes de serem convidados a participar na reunião do CR. Foi com surpresa que viram passar Mário Murteira, ex-ministro do I Governo Provisório. No dia anterior, o economista tinha sido indicado para um dos lugares de vice-governador do Banco de Portugal, numa nomeação encarada como um reforço da presença do PCP nas estruturas do poder financeiro. Muitos anos depois, os dois homens, entretanto falecidos, afirmariam que a redação do decreto-lei da nacionalização da banca terá sido da autoria de Murteira.

Só perto do final do encontro, quando a nacionalização da banca já estava decidida, é que o ex-ministro e o ex-governador entraram na sala onde se encontrava também Mário Murteira, sentado à mesa com o Presidente da República, Costa Gomes, e o primeiro-ministro, Vasco Gonçalves, e outros cerca de 40 participantes. Na realidade, a estatização do setor financeiro tinha-se tornado irreversível desde a Assembleia Militar convocada de emergência na noite de 11 para 12 de março. Na reunião – batizada como “selvagem” por causa dos apelos ao “fuzilamento” dos golpistas –, foi reafirmado o apoio às grandes reformas económicas do III Governo Provisório, nomeadamente através da “nacionalização da banca e do Comércio Externo” e do avanço da Reforma Agrária. A publicação da transcrição da gravação original (A Noite que mudou a Revolução de Abril, 2019, ed. Colibri/A25A) revelou que esse ponto fazia parte de uma proposta apresentada por Vasco Lourenço, ex-capitão e membro da comissão coordenadora do MFA e do Conselho dos Vinte.

Dupla da finança Jacinto Nunes e Silva Lopes redigiram uma proposta que excluía as nacionalizações, mas o documento (em baixo) não chegou a ser discutido pelo Conselho da Revolução

Em poucos minutos, Silva Lopes e Jacinto Nunes perceberam que tinham sido chamados a Belém apenas para esclarecer a ala moderada e legitimar a decisão do CR. Da esquerda à direita, nenhum partido, nenhum político, nenhum militar discordou da medida que tinha ditado o fim ao Programa Económico e Social, também chamado Plano Melo Antunes. O documento, de que o próprio Silva Lopes tinha sido um dos redatores, não contemplava nem as nacionalizações nem a Reforma Agrária.

“De nada serviria termo-nos oposto”, sublinhou Jacinto Nunes, nas declarações prestadas à VISÃO História. Mas enquanto o ex-governador do Banco de Portugal calou as dúvidas, Silva Lopes optou por participar na discussão. “É verdade que não me opus. Não era um projeto meu, mas não só não levantei dificuldades como até disse que a nacionalização da banca tinha a vantagem de parar a hemorragia de capitais. Ainda hoje estou convencido de que evitou a fuga de muito capital e permitiu a atribuição de crédito a empresas intervencionadas que, de outra forma, não o teriam conseguido. Ajudou a que a crise não fosse maior.”

Com o tempo, o antigo titular das Finanças apercebeu-se de que as coisas não tinham corrido bem, mas, naquela noite, “queria era que os bancos reabrissem”. “Não lancei foguetes, mas também não vim para casa amargurado”, disse Silva Lopes, recordando que ao menos os seus alertas sobre os perigos da nacionalização da banca estrangeira foram ouvidos. Escaparam à fúria estatizante o Crédit Franco-Portugais, o Bank of London & South America e o Banco do Brasil.

Além dos três bancos estrangeiros, existiam em Portugal 13 instituições de dimensão relevante controladas por capitais portugueses – Caixa Geral de Depósitos, Banco Português do Atlântico, Banco Espírito Santo, Banco Totta & Açores, Banco Borges & Irmão, Banco Fonsecas & Burnay, Banco de Fomento Exterior, Crédito Predial Português, Banco Pinto & Sotto Mayor, Banco Nacional Ultramarino, Banco da Agricultura, Banco Agrícola e Industrial Visiense e União de Bancos Portugueses. Foram todos nacionalizados.

No IV Governo Provisório, que entrou em funções a 26 de março, Mário Murteira assegurou, como independente, a importante pasta ministerial do Planeamento e Coordenação Económica, ficando responsável pelo processo de nacionalização da banca. Silva Lopes trocou as Finanças pelo Comércio Externo; Jacinto Nunes manteve-se como governador do Banco de Portugal.

A “nave de loucos”

Ao longo da tarde e noite de 13 de março, a confusão instalou-se em Belém. O debate, acalorado, prosseguia dentro e fora da sala do CR. Alguns participantes saíam da reunião, falavam com os jornalistas e voltavam a entrar. O almirante Pinheiro de Azevedo, que viria a chefiar o VI Governo Provisório até ao 25 de Novembro, encontrava-se num estado “alucinado”, na descrição de Jacinto Nunes. “Estava perturbado, só dizia disparates. Era o mais excitado”, confirmou Silva Lopes. Por pouco, nem a Caixa Geral de Depósitos (CGD) escapava à fúria estatizante. Por vontade do almirante, também se deveria nacionalizar o banco que… já era público! “Dizia que uma vez tinha sido mal atendido ao balcão”, contou ainda Jacinto Nunes, a quem coube a tarefa de lhe explicar que não valia a pena o Estado nacionalizar o que já era do Estado. O Montepio Geral também “escapou” por pouco. “Havia quem tivesse lá conta, sabia-se que a instituição era uma mútua, que pertencia aos depositantes e que tinha um estatuto próprio…”

Perto da meia-noite, numa pausa para jantar, já com a nacionalização da banca em marcha, o antigo governador do banco central aproximou-se de Ernesto Melo Antunes, também presente em Belém, para saber o que pensava sobre a decisão. “Não gosto de dar tiros de pólvora seca”, foi a resposta do ideólogo da Revolução.

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O autor do Plano Económico e Social defendia a presença do Estado nos setores estratégicos através da criação de sociedades anónimas de capitais públicos, mas não concordava com a nacionalização indiscriminada dos meios de produção. Nessa noite, não se manifestou, nem a favor nem contra a decisão do CR, fugindo à discussão e optando por se retirar antes do final do encontro. Durante a conversa com Jacinto Nunes, descreveu o ambiente vivido em Belém como uma espécie de “nave de loucos”.

Há um ano, a propósito da publicação da obra Memórias de Dois Regimes (Temas & Debates, 2024), o ex-ministro da Economia do III Governo Provisório, Rui Vilar, recordou, em entrevista à VISÃO, que o plano, de que também foi redator, foi concluído no fim de 1974. Quando foi aprovado, a 7 de fevereiro do ano seguinte, o governo “já não tinha condições políticas para o executar”. O debate conturbado em torno da unicidade sindical [defendida pelo PCP e rejeitada pelo PS, impunha a união de todos os sindicatos numa frente liderada pela CGTP] mostrara a impossibilidade de conseguir consensos entre os principais partidos.

Um decreto feito à pressa

O ano de 1975 começara com notícias na imprensa, rádio e televisão, denunciando a “sabotagem económica” e a “fuga de capitais para o estrangeiro” e atacando os “capitalistas”. É provável que Vasco Gonçalves pensasse já nas nacionalizações quando encarregou Mário Murteira de fazer um levantamento das participações empresariais do Estado. Em 2000, o académico admitiu ao jornal Público que, antes do 11 de março, a estatização dos setores estratégicos da economia “já estava no ar, mas não se sabia qual iria ser a extensão”. Depois do golpe militar, o processo acelerou irremediavelmente e as nacionalizações simplesmente “aconteceram, não foram planeadas”.

No final da maratona de Belém, Silva Lopes e Jacinto Nunes disponibilizaram-se para retocar o decreto das nacionalizações. Do ponto de vista jurídico, pareceu-lhes “um pouco feito à pressa, malfeito até”. Tentaram consertar o que já não tinha conserto. As nacionalizações, primeiro da banca e dos seguros, depois da indústria e serviços, decorreram sem estratégia, numa economia que começava a dar sinais de cansaço do controlo de preços, da subida galopante dos salários, das ocupações e intervenções nas empresas. O escudo, a moeda nacional, mantinha-se forte, mas o País pouco produzia, importando quase tudo o que consumia.

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A seguir ao 11 de março, diversas empresas foram tomadas de assalto por comissões de trabalhadores, comités populares, piquetes de greve. Inúmeras fábricas foram intervencionadas ou entraram em autogestão, a produção quase parou, os administradores foram saneados e os patrões ausentaram-se. Os que ficaram, enfrentaram acusações, quase nunca provadas, de “sabotagem económica”, foram sequestrados e presos. Em quase todos os setores da economia, os corpos sociais foram substituídos por comissões administrativas nomeadas pelo Estado – na realidade, pelos sindicatos e partidos políticos.

Depois da banca e dos seguros, as nacionalizações estenderam-se a todos os setores. A 16 de abril, foram estatizados grande parte da indústria transformadora, os transportes e as comunicações. Até junho, muitas outras empresas foram adicionadas ao rol das participações do Estado. Em agosto, foi a vez do conglomerado CUF, da família Mello, com quase 200 empresas e mais de 100 mil postos de trabalho, representando 5,5% do PIB nacional. Em vésperas do 25 de Novembro, o longo braço do Estado tutelava 1300 empresas ‒ algumas delas muito pequenas, como barbearias e floristas, cujos títulos de propriedade se encontravam guardados nos cofres dos bancos e empresas nacionalizados ‒, representando, no total, 15% a 20% do PIB nacional. A Constituição de 1976 iria consagrar, por mais de uma década, a irreversibilidade dessas nacionalizações.

Milionários presos no 11 de Março

Impedidos de sair do País, os líderes e gestores dos grandes grupos acabaram detidos em Caxias

Na manhã de 14 de março, o governo proíbe a saída do País dos administradores dos bancos privados e a sua substituição por representantes do Estado. O objetivo é investigar atos de “sabotagem económica”, um dos argumentos usados para nacionalizar a banca e os seguros. A Revolução estava novamente em marcha e os líderes dos três grandes grupos económicos, de origem familiar, que controlavam a banca, os seguros e a indústria – Mello (CUF, Banco Totta e Império), Champalimaud (Banco Pinto & Sotto Mayor, Mundial, siderurgia e cimentos) e Espírito Santo (BESCL e Tranquilidade) – eram alvos a abater.

Logo na tarde de 11 de março, gestores e membros da família Espírito Santo tinham sido detidos na sede do banco, na Rua do Comércio, por ordem do tenente Rosário Dias, adjunto para os assuntos económicos do primeiro-ministro. Manuel Ricardo, José Manuel e Jorge Espírito Santo, António Ricciardi, José Roquette e outros foram forçados, por trabalhadores do próprio banco, armados, a entrar em três carros que os levaram para a prisão de Caxias, aí permanecendo por quatro meses e meio. Na manhã do dia seguinte, Jorge de Mello foi detido na sede da CUF e transportado, com aparato, igualmente para Caxias. O filho Manuel Alfredo, a cumprir o serviço militar, assistiu à detenção, assim como o irmão José Manuel, que se encontrava no edifício. O cativeiro durou alguns dias, até que o Presidente francês, Giscard d’Estaing, intercedeu pela sua libertação junto de Vasco Gonçalves.

António Champalimaud foi o único dos dirigentes dos três grandes grupos económicos que não chegou a ser preso. No dia 11 de março, estava em Paris (diz-se que terá financiado a intentona de Spínola) e não voltou a Portugal. A mesma sorte não teve o filho Manuel, preso quando passeava de barco, nem os gestores do Banco Pinto & Sotto Mayor. O presidente, Eduardo Furtado, e os administradores Fernão Ornelas e Pinto Elíseo foram enviados em carrinhas militares também para Caxias, onde permaneceram durante cerca de seis meses, sem acusação.

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