Iniquidade é um daqueles termos de recorte teológico cujo significado o cidadão comum desconhece, mas que está ligado à ideia de injustiça, desvantagem ou desigualdade (do latim, iniquitas). Os textos bíblicos mencionam o conceito repetidamente ao condenar os atos iníquos e aqueles que promovem a iniquidade.
A má notícia é que a sociedade se está a tornar cada vez mais iníqua, isto é, desigual e injusta. No Fórum Económico de Davos realizado em Janeiro na Suíça, chefes de Estado, representantes das principais economias do mundo e líderes empresariais e da sociedade civil abordaram a situação, a partir dos últimos dados conhecidos. E a verdade é que, segundo um estudo da Oxfam, a riqueza dos 10 maiores multimilionários do mundo cresceu, em média, 100 milhões de euros por dia no ano passado.
Por isso, esta confederação de dezanove organizações propõe que se apliquem taxas globais para acabar com a riqueza extrema: “a taxação de multimilionários deve ser enquadrada numa nova convenção fiscal da ONU com o objetivo de reduzir as desigualdades económicas no mundo”. Além disso devem-se “tributar heranças para desmantelar a nova aristocracia”, defendendo para tal a abolição dos paraísos fiscais, argumentando que “metade dos multimilionários do mundo vive em países sem imposto sobre as heranças para os descendentes diretos.” De resto, esta crescente acumulação de riqueza deve-se a “uma concentração monopolista de poder, com os multimilionários a exercerem cada vez mais influência sobre as indústrias e a opinião pública”.
É óbvio que se torna urgente reduzir a igualdade de forma muito eficaz. Segundo o Expresso, a Oxfam sugere que “os governos precisam de se comprometer a garantir que, tanto a nível global como a nível nacional, o rendimento dos 10% mais ricos não é superior ao dos 40% mais pobres”, pois, de acordo com o Banco Mundial, tal desiderato permitiria “acabar com a pobreza três vezes mais rapidamente”.
A iniquidade ou injustiça social é um problema humano muito antigo, pelo que podemos compreender dos textos bíblicos, desde quando os profetas do Antigo Testamento zurziam sem dó nem piedade aqueles que exploravam os pobres e mais frágeis socialmente, colocando-os debaixo de condenação divina. Alguns exemplos:
“O Senhor faz justiça e juízo a todos os oprimidos” (Salmo 103:6);
“Aprendei a fazer bem; procurai o que é justo; ajudai o oprimido; fazei justiça ao órfão; tratai da causa das viúvas” (Isaías 1:17);
“Ai dos que decretam leis injustas, e dos escrivães que prescrevem opressão” (Isaías 10:1);
“Porque eu, o Senhor, amo o juízo, odeio o que foi roubado oferecido em holocausto; portanto, firmarei em verdade a sua obra; e farei uma aliança eterna com eles” (Isaías 61:8);
“Ele te declarou, ó homem, o que é bom; e que é o que o Senhor pede de ti, senão que pratiques a justiça, e ames a benignidade, e andes humildemente com o teu Deus?” (Miqueias 6:8);
“Não roubes ao pobre, porque é pobre, nem atropeles na porta o aflito” (Provérbios 22:22);
“(o amor) não folga com a injustiça, mas folga com a verdade” (I Coríntios 13:6).
E daí para cá as coisas pouco melhoraram. É que o problema não está tanto nos sistemas políticos. As experiências comunistas estão aí para o comprovar. Não é pela força que o ser humano se torna justo e compassivo para com os que sofrem, e o Estado não tem sentimentos. Mas também o capitalismo não consegue resolver a questão, pois estriba-se na ideia do lucro a qualquer custo, doa a quem doer. A social-democracia parece ser um sistema político mais equilibrado, mas ainda assim nem mesmo esta consegue resolver a questão de fundo.
De facto, o problema encontra-se sobretudo no coração do homem e procede da falta de misericórdia e compaixão pelos pobres, órfãos, viúvas, doentes, estrangeiros e socialmente mais frágeis. O que os governos podem e devem fazer é, como diz o relatório da Oxfam: “acabar com o racismo, o sexismo e as divisões que sustentam a exploração económica contínua”, o que inclui “acabar com os monopólios, democratizar as regras das patentes e regular as empresas para garantir que pagam salários dignos e limitar a remuneração dos CEO ou presidentes executivos de empresas”.
Uma fé genuína tem que se refletir na vida quotidiana no sentido de promover a justiça social e combater toda a sorte de iniquidade. Ou então trata-se apenas de tradição cultural e não de fé verdadeira. Este é o teste do algodão.
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