A ideia de que a Ciência tem resposta para todos os problemas da sociedade e que por isso vai salvar o mundo, é falsa. Em entrevista à VISÃO, em 2021, o paleontólogo Juan Luis Arsuaga dizia mesmo que aqueles que assacam à Ciência responsabilidades na resolução de todos os problemas do mundo comportam-se como “crianças pequenas”. Para ele a Cultura é mais importante como visão do mundo. Por isso, quando os pais lhe confidenciam que as suas crianças gostam de fósseis, ele costuma aconselhar que leiam antes Shakespeare.
Com efeito, querer transformar a Ciência numa religião é um disparate pegado, porque “a ciência não é uma religião, é um método para conhecer a verdade, mas não toma decisões.” Portanto, para o catedrático da Universidade Complutense de Madrid, é preocupante que a ciência se tenha convertido “numa nova divindade”.
Querer converter a ciência numa nova religião é um trabalho inglório, até porque ciência e religião não competem entre si, funcionam em planos diferentes. A ciência é um método para procurar conhecer a verdade. Então, se os métodos científicos mudam, porque se vão aperfeiçoando com a evolução do conhecimentos e dos saberes, isso significa que os resultados dos estudos mais recentes poderão ser diferenciados dos mais antigos. Podemos dizer que a Ciência se enganou? Não. Apenas chegou aquelas conclusões com o uso das “ferramentas” de que dispunha em cada momento, e agora é possível ver mais longe. A Ciência não é uma religião nem toma decisões.
Essa deificação da Ciência nem sequer tem pernas para andar. Na melhor das hipóteses, o investigador que publica em revistas científicas, mesmo nas melhor cotadas nos meios académicos (Arsuaga tem produção científica publicada nas prestigiadas Nature e Science), sabe que não será lido por mais de umas trinta pessoas, uma vez que se trata de textos muito especializados, sendo ilegíveis para o público em geral. E mesmo para esses trinta leitores o que lhes interessa são as fórmulas matemáticas e tabelas de números apresentadas. No entanto, os académicos são avaliados pelo número de tais publicações, e de preferência em inglês, mesmo que o seu impacto seja pouco ou nenhum.
Se a religião muitas vezes leva as pessoas a comportamentos infantilizados, quando entrega aos líderes religiosos a resolução dos seus problemas, a tendência é fazer o mesmo com a Ciência. Porém, ela “não tem nada a dizer sobre a maior parte das coisas da vida, nem toma decisões pelos seres humanos. Só tem um propósito: entender como funciona o mundo.” E esse esforço constrói-se sobre o debate e a discussão. O que a Ciência faz é ir-se aproximando dos problemas.
A Ciência não tem uma bola de cristal, mas espera-se que preveja o futuro, que é imprevisível por natureza. A nossa preocupação deve ser construí-lo e não prevê-lo. De certo modo somos nós que o construímos, bem ou mal, em cada momento, seja em matéria de alterações climáticas e sustentabilidade, de educação, de coesão e justiça social ou de dignificação de todo o ser humano.
A filosofia positivista do séc. XIX, desenvolvida por Auguste Comte e John Stuart Mill, defendia a ideia de que o conhecimento científico era a única forma de conhecimento verdadeiro, a partir da sua validação através de métodos científicos válidos. Os positivistas quiseram contestar tudo quanto procedesse da espiritualidade, intuição ou transcendência, desde que não pudesse comprovar-se cientificamente. A crença que desaguou no séc. XX era a de que o progresso da humanidade dependeria exclusivamente dos avanços científicos.
Como se sabe, as duas guerras mundiais comprovaram dolorosa e definitivamente o engano positivista. Os avanços científicos e tecnológicos demonstraram à saciedade que poderiam ser usados não tanto para o progresso mas para a destruição da própria humanidade. A energia nuclear aplicada a fins militares como a bomba atómica será talvez o corolário deste terrível engano.
Parafraseando a ideia de Saramago no seu “Ensaio sobre a cegueira”, esta sociedade de cegos funcionais parece determinada em continuar a acender velas no altar de um novo positivismo. Confúcio lá sabia: “Querem que vos ensine o modo de chegar à ciência verdadeira? Aquilo que se sabe, saber que se sabe; aquilo que não se sabe, saber que não se sabe; na verdade é este o saber”.
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