Há quem já comece a sair da casca com coragem para afirmar que o coaching e o discurso motivacional que lhe está associado, além de serem uma forma de ganhar dinheiro como outra qualquer, comportam a perversão de se terem tornado num “problema de saúde pública, pois põem em causa a saúde mental de milhares de pessoas que são vítimas desta patranha, que não é diferente das cartomantes das velhas trupes circenses ou daqueles almocreves que vendiam elixires com poderes mágicos nas feiras”, como diz Henrique Raposo.
Esta moda social alimenta um mercado de milhões, entre livros, cursos e espectáculos, tendo sido frequentemente comparado a grupos religiosos dirigidos por líderes sem escrúpulos, que vendem receita idêntica e estribada no pensamento mágico, mas que não passa dum verdadeiro embuste. Quando se afirma a alguém que pode ser o que quiser, ignorando todas as condicionantes sociais e humanas, biológicas, neurológicas, familiares e ambientais que a realidade impõe, está-se a mentir.
Mas quando se diz ou sugere que caso a pessoa não consiga alcançar o que deseja é porque não acreditou com muita força, então entra-se num desvergonhado passar de responsabilidades e de culpas para a “vítima”. O pensamento positivo não é uma panaceia para qualquer coisa que se ambicione na vida. Ser optimista ajuda em muita coisa mas não resolve os problemas complexos do ser humano.
Porém, a questão assume muito maior gravidade quando se entra no capítulo do coaching da fé, porque leva à confusão entre fé e fezada, entre confiança e pensamento mágico, entre desejo e convencimento.
A nosso ver há aqui três tipos de delitos.
Por um lado o de levar as pessoas a levantar frequentemente expectativas irrealistas, que muito dificilmente poderão ser cumpridas, levando-as a um estado de frustração quando não conseguem atingir os seus objectivos. O discurso pretensamente em nome de Deus, que anteriormente ajudou a criar a convicção de que Ele iria satisfazer o desejo do coração do fiel, dá lugar a uma posterior desilusão com o divino.
Depois vem o abuso de fazer crer às pessoas que elas podem alcançar os seus desígnios apenas por “querer com muita força”. Ora, a vida não é assim. Por essa ordem de ideias, se eu desejar “com muita força” ganhar o primeiro prémio do Euromilhões, vou conseguir. O problema é que não.
Finalmente – e talvez o pior de todos os delitos – é convencer os fiéis da sua culpa, isto é, que o seu falhanço se deve a falta de fé ou, em último caso, à prática de algum pecado oculto e não confessado. Ou seja, esta é a maior prova da famosa “esperteza saloia” por parte dos líderes religiosos, que assim sacodem a água do capote em três tempos.
Em termos de fé cristã ninguém pode determinar para a sua vida ou dos outros algo que não se inscreva na superior, soberana e insondável vontade de Deus. Por isso o apóstolo Tiago é tão claro: “Eia agora vós, que dizeis: Hoje, ou amanhã, iremos a tal cidade, e lá passaremos um ano, e contrataremos, e ganharemos. Digo-vos que não sabeis o que acontecerá amanhã. Porque, que é a vossa vida? É um vapor que aparece por um pouco, e depois se desvanece. Em lugar do que devíeis dizer: Se o Senhor quiser, e se vivermos, faremos isto ou aquilo. Mas agora vos gloriais em vossas presunções; toda a glória tal como esta é maligna” (Tiago 4:13-16).
O coaching da fé é um embuste, uma falsidade, uma ilusão espiritual e um abuso religioso. A única coisa que irá produzir é um afastamento da vida espiritual, ressentimento contra o divino e uma imensa frustração.
Qualquer pessoa que conheça as Escrituras sabe que, em última análise: “(…) todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito” (Romanos 8:28). E também sabem que em todas as situações devemos ser gratos a Deus: “Em tudo dai graças, porque esta é a vontade de Deus em Cristo Jesus para convosco” (I Tessalonicenses 5:18).
Não por tudo, mas em tudo.
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