Como sabem aqueles que me conhecem, sou uma pessoa que se distrai com grande facilidade e esta semana não faltaram razões para isso, desde o “vou ali e já venho” de Mário Ferreira ao espaço até ao anúncio de uma linha de cuecas invisíveis por Cristina Ferreira, passando pela guerra de gangues na Costa de Caparica em disputa por lugares nos carrinhos de choque. Apesar disso, decidi contrariar a minha natureza e centrar-me num assunto sério e que é o da participação cívica num tema fraturante da nossa capital, mais exatamente no bairro onde moro e que muitos – mas não eu – dizem ser o melhor deles todos.
Tenho para mim que as petições são um instrumento deveras útil de cidadania, mas o risco é que podem também transformar-se em ilusórios sinais indiciadores de uma transformação da realidade, em especial quando essa mesma realidade em nada evolui ou se dobra, mesmo perante a reunião de milhares de assinaturas justas e indignadas.
Será esse, infeliz e quase certamente, o caso agora com a construção da estação do metropolitano em Campo de Ourique, prejudicando as árvores – várias delas classificadas – e o parque infantil do jardim Teófilo Braga, assim batizado apesar da estátua da Maria da Fonte e por todos chamado jardim da Parada desde que ali se perfilavam os militares dos quartéis circundantes.
A petição em prol de uma localização alternativa que não a do único jardim existente no bairro surgiu depois de um processo de debate feito de forma algo sonsa. Só depois de concluído o período de consulta pública do projeto de prolongamento da Linha Vermelha, no dia 2 de julho, é que existiu uma sessão de esclarecimento à população da freguesia no dia 8. Posteriormente, sem resposta à sua legítima exigência em conhecer de forma mais detalhada os estudos da empresa para a zona e o seu alcance no ecossistema, os cidadãos organizaram-se num movimento e reuniram pareceres da Quercus, da Cidadania LX e da Plataforma Para a Defesa das Árvores, neste caso em defesa do lódão-bastardo que circunda o jardim, do cipreste-de-folha-caduca, da palmeira-das-canárias, da ameixeira-de-jardim, da tília-prateada, da grevília, do castanheiro-da-índia e das várias Ginkgo biloba, obviamente não esquecendo as quatro árvores classificadas como de Interesse Público: uma Sequoia sempervirens, uma Taxodium distichum e duas Metrosideros excelsa.
A petição circula e todos os dias ganha novas assinaturas nas lojas em torno do jardim. Nela se defende uma alternativa que é apresentada como viável e sem obrigar à alteração do traçado previsto, na Rua Francisco Metrass. A minha vizinha da frente e a minha mulher a dias já assinaram. Estão ambas esperançadas que a iniciativa dê em alguma coisa e não estão sozinhas nesse sentimento. Muito pelo contrário. Mas temo que venha aí em breve a desilusão, após o confronto com o silêncio ou a indiferença dos visados, o primeiro-ministro e o ministro do Ambiente, Duarte Cordeiro, governantes que tutelam a empresa do Metro de Lisboa e a qual, já agora, nada tem a ver com a Câmara Municipal, ao contrário do que muitos pensam e para desespero de quem os atende na CML. Ou melhor, em comum o Metro e a autarquia têm uma coisa; o facto de o novo administrador executivo da empresa ser o também vereador socialista João Paulo Saraiva, apesar das eventuais incompatibilidades no que toca à representação de interesses potencialmente irreconciliáveis.
Posto isto, é aguardar os desenvolvimentos. Com ou sem petição, chegarão em breve as máquinas escavadoras para o poço de 31 metros a furar pela terra dentro. Até lá, uns irão assinar e outros talvez rezar. Como escreveu o poeta brasileiro Manoel de Barros: “Senhor, ajudai-nos a construir a nossa casa/Com janelas de aurora e árvores no quintal/Árvores que na primavera fiquem cobertas de flores/E ao crepúsculo cinzentas como a roupa dos pescadores”. Desde que esse cinzento não seja cor de betão, estaremos bem.
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