Uma das principais bandeiras da direita é a de tirar peso ao Estado. Na moderna economia de mercado, a dependência do Estado é um handicap negativo, que tolhe o desenvolvimento e vicia a lógica do verdadeiro empreendedorismo. É por isso muito irónico que seja, agora, a direita a insurgir-se contra a revisão dos contratos de associação do Estado com os colégios privados. Este tipo de relação à portuguesa entre o setor privado e o Estado, de que aquele se alimenta, é a principal causa da endémica anemia da capacidade nacional de iniciativa. Os grandes empresários, os grandes capitalistas e os grandes banqueiros portugueses viveram, sempre, à sombra do Estado – o mesmo de que se queixam por ser demasiado omnipresente e asfixiante. Isto tem razões históricas, que vêm desde o início da expansão portuguesa, em que a Coroa coartava a livre iniciativa na exploração dos novos mundos, reservando para si o bolo e distribuindo-o numa lógica de concessão, privilégio, benesse e clentelismo. Mas também tem razões culturais, relacionadas com a herança religiosa. Nos países católicos, e também nos ortodoxos, em que o lucro começou por ser um pecado, o Estado teve sempre um papel central e centralista. E nos países protestantes, a livre iniciativa, ligada ao trabalho, ao lucro e à criação de riqueza, era, pelo contrário, uma virtude. Nos segundos, o empreendedorismo, o culto da liberdade individual e a independência relativamente ao Estado proporcionou regimes liberais e facilitou as liberdades cívicas e políticas. Foi por isso que, ao contrário do que preconizaria Karl Marx, foi muito mais fácil impôr a cartilha marxista num país atrasado, rural, pouco instruído e pré-industrial como a Rússia czarista do que nas sociedades capitalistas, industriais e esclarecidas da Grã-Bretanha, ou dos países do Norte da Europa, nas quais Marx estava a pensar quando escreveu O Capital…
Retomando o fio à meada: fundar um colégio particular é uma oportunidade de negócio. O ensino privado singra pela sua capacidade de diferenciação. Se alguém está disposto a pagar para que os seus filhos estudem, quando poderia tê-los de graça, na escola ao lado, é porque espera obter uma vantagem – leia-se, maiores garantias na qualidade de ensino e um ambiente escolar diferenciado. O paradoxo atual é o de que os colégios privados, de que agora se fala, esperam ganhar dinheiro, não pelos méritos próprios, no quadro da competição comercial, mas pelo protecionismo estatal. Os monopólios, em Portugal, quando existiram, também funcionaram nesta lógica. O Estado garantia-lhes o negócio. Era dinheiro em caixa.
Quer isso dizer que não há motivações ideológicas na decisão do Governo e do Ministério da Educação? Que o Governo faz isto a pensar nos bonitos olhos do mercado e da poupança ao erário público? Não é nada disso. O que se passa é que o Governo defende o primado da escola pública e isso está no seu programa. Mas a ironia é engraçadíssima: ao fazê-lo, retira Estado da sociedade e devolve os privados à pura lógica de mercado – o que, no fundo, cumpre, isso sim, uma «razão» ideológica da direita – que, por sua vez, a nega!
E porque é que o Governo, sob o pretexto da racionalização de custos, e o de evitar a duplicação da oferta “com os contribuintes a pagar o mesmo serviço duas vezes”, esconde uma opção ideológica que parece ter medo de assumir? Porque se a racionalidade fosse o seu único guião, em muitos casos, em vez de acabar com o contrato de associação com determinado colégio, que funciona bem, fecharia a escola pública que existe ao lado e que funciona mal. Bastaria renegociar os custos das turmas – e os colégios prefeririam baixar o preço a perder o contrato. E porque é que o Governo não fecha algumas escolas públicas, privilegiando, nesses casos, o contrato com os privados, em vez do contrário? Porque isso é incompatível com o preconceito contra o ensino privado; porque o Bloco de Esquerda e o PCP não aceitariam; e porque a Fenprof não deixa. Eis porquê.
A conclusão é bastante cínica: a direita, o que defende, não é a liberdade de escolha, mas a manutenção de privilégios para a sua clientela. E o Governo, o que defende, não é a escola pública pela qualidade da sua oferta, mas pela quantidade – e pelo preconceito contra o ensino privado. Ambas as partes poderiam defender as suas damas por boas razões. Infelizmente, não é o caso.