Na contagem decrescente para as legislativas, o laboratório dos Açores pode ajudar a definir alguns cenários possíveis, dentro de um quadro onde… tudo é possível. José Manuel Bolieiro, bastante ambíguo na noite eleitoral, acabou por dizer que governará em maioria relativa – e que, assim, não recorre a nenhum acordo com o Chega. Mas à condição: no dia em que gravamos este vídeocast, o presidente do Governo Regional e líder da AD açoriana voltou a colocar pressão sobre o PS, para a viabilização desta solução. Em que medida a situação dos Açores poderá provocar ajustes nos argumentários da campanha nacional para 10 de março?
Esta é também a semana em que se agudizam e radicalizam os protestos das forças de segurança. Num pingue pongue de argumentos, o Governo tenta impor a autoridade mas as polícias prometem não desarmar e podem mesmo radicalizar a luta, que escapa completamente ao controlo dos sindicatos. Qem estará por detrás destes movimentos?
E os debates? Agora que os confrontos televisivos entre os líderes partidários seguem em velocidade de cruzeiro, será já possível detetar tendências e indicar vencedores e vencidos? E servirão eles para esclarecer alguma coisa?
Nuno Aguiar aponta que, “nas horas que se seguiram às eleições, o comentário político focou-se numa aparente mudança de postura de José Manuel Bolieiro, que teria ‘fechado a porta’ ao Chega. Mas o jornalista considera que esta é uma narrativa frágil: “Há um desfasamento entre o comentário e aquilo que se está, de facto, a passar nos Açores. Ainda ontem, Bolieiro dizia que não excluía qualquer partido das negociações, incluindo o Chega. O próprio Chega já admitiu que havia negociações”, aponta. Filipe Luís lembra que, independentemente dos arranjos parlamentares, durante a discussão do programa de Governo açoriano, que ocorrerá depois de 10 de março (data das legislativas), antes haverá um sinal: “É que Bolieiro terá de tomar posse e apresentar um governo antes disso, lá para dia 5, segundo os calendários normais. Ora, o Chega disse que só viabilizará esse governo se entrar nele. Assim, nessa altura, antes das legislativas, já sabemos de entra ou não… E isso fará toda a diferença: se entrar, dará força ao argumento do PS de que o PSD se entende com a extrema-direita. Senão, retirará força a esse discurso e municiará Luís Montenegro com o argumento contrário. “De qualquer modo”, acrescenta, “ninguém sabe até que ponto Montenegro controla ou não as vontades de Bolieiro…”
Nuno Aguiar ressalva, no entanto, que “há uma diferença entre entrar no governo e fazer um acordo, mas este segundo já era o que existia antes com o Chega, o que não deixou de motivar muitas críticas ao PSD.”
Alexandra Correia, por seu turno, conclui que, “nos Açores, estamos no nível da infantilização e no reino da chantagem. O Chega faz chantagem com o PSD, querendo lugares no governo regional para viabilizar a maioria, e o PSD faz chantagem com o PS: ‘viabilizem-nos senão temos de recorrer ao Chega’. É um espetáculo triste. O que devíamos estar a ver era uma lição de democracia madura em que PSD e PS se sentam, negoceiam, cedem e fazem compromissos”.
Relativamente ao protesto dos polícias, Filipe Luís acha que o princípio da equidade entre as forças de segurança e policiais deve ser respeitado, “mas não se deve tratar de forma igual o que é diferente”. E justifica: “Há diferenças reltivamente às missões, aos riscos e às próprias habilitações entre os elementos das várias forças. Não pode fazer-se uma espécie de ‘copy paste’ de um suplemento e aplicá-lo igualmente a todos.” O subdiretor da VISÃO acrescenta que não faz sentido que os polícias se queixem de pressões políticas de cada vez que a tutela exerce a sua autoridade. A polícia tem uma hierarquia e tem uma tutela política, legitimada pelo voto popular. Mal ou bem, a tutela pode tomar as suas decisões e isso nada tem a ver com ‘pressões’”. Alexandra Correia diz que “as reivindicações são justíssimas”. Para a subdietora da VISÃO, “há aqui um grande desequilíbrio no tratamento das forças policiais”. Mas, alerta, “corre-se o risco de se perder a razão. Isto por causa destas derivas de estranhos protestos como o de meter baixas. Uma forma de protesto inédita, a que acresce uma concentração de protesto de solidariedade para com os 44 polícias que meterem baixa médica. Correm o risco de perder a razão, ainda dizendo que a dispersão desses profissionais por outras unidades é uma forma de pressão política! São baixas estranhíssimas neste contexto!”
Nuno Aguiar não entende a escalada do protesto: “Os polícias têm razão nas suas reivindicações, mas já existe um compromisso alargado de forças políticas que garantem que o suplemento será aprovado pelo próximo Governo. Os polícias ganharam essa guerra”, refere . “Insistir nestes protestos parece pretender não apenas atender a essa reivindicação, mas criar um ambiente de caos.” Filipe Luís não entende a razão de terem que existir suplementos: “Esta profissão é, em si, de risco e isso deve ser refletido nos salários. Não faz sentido dar um subsídio para que as forças de segurança façam… o seu trabalho. O problema é que são muito mal pagas, sobretudo na PSP… o que corresponde a estes subsídios devia estar no próprio ordenado de base. Forças mal remuneradas são forças com menos autoridade. E esse é o problema de base, negligenciado por vários governos”. Alexandra Correia…
Sobre os debates, os três participantes neste Olho Vivo consideram que o formato de tão poucos minutos não favorece o esclarecimento mas que, ainda assim, eles têm colocado propostas concretas em cima da mesa e têm revelado uma clara separação de águas entre as várias forças políticas, o que é bom. Nuno Aguiar tem apreciado a preparação de Mariana Motágua, “concorde-se ou não com as usa ideias e porpostas”, Filipe Luís aponta que Rui Rocha foi uma surpresa contra André Ventura, agarrando o líder do Chega por onde ele é mais frágil, ou seja “no domínio das propostas concretas e da respetiva substância”, e considera que Pedro Nuno Santos precisa de uma segunda oportunidade para criar uma primeira boa impressão. Já Alexandra Correia considera que, “apesar do formato redutor, têm sido marcadamente ideológicos. Algo que já se tinha vindo a registar, até com o pacote de habitação de António Costa”. Mas declara-se otimista: “Estou a ver esta campanha cheia de temas para se debater e não apenas a espuma dos dias ou os beijinhos nas feiras. Há temas na mesa e contas feitas”.
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