Numa semana dominada pela tensão institucional entre o Presidente da República e o primeiro-ministro, ainda nas sequelas provocadas pelo caso judicial da Operação Influencer, o país político e mediático entreteve-se a debater a magna questão sobre a autoria da ideia de chamar a Belém a procuradora-geral da República, Lucília Gago, naquela fatídica manhã de 7 de novembro: foi Marcelo ou foi António Costa? Um episódio que inclui conversas confidenciais parcialmente reveladas e insinuações sobre a verdadeira autoria do págrafo fatal, inserido no comunicado da PGR, onde se revelava a existência de uma investigação a António Costa – e que deitou abaixo um governo de maioria absoluta. O pingue pongue institucional foi debatido no Olho Vivo desta semana, programa onde também se falou da corrida à sucessão de António Costa, na liderança do PS, e que coloca frente a frente o ex-ministro das Infraestruturas, Pedro Nuno Santos, e o atual ministro da Administração Interna, José Luís Carneiro.
Sobre o conflito institucional, Mafalda Anjos defendeu que “a estratégia de Costa, nesta altura, é a defesa da sua imagem, para a posteridade, a defesa do PS e a diabolização do Presidente, ao sublinhar a falta de necessidade de ir a eleições e lançar o país numa incerteza”. A diretora da VISÃO é taxativa: “Costa, político experimentado, está a cair no erro de tentar descartar-se da responsabilidade das consequências da sua própria demissão. E a defender o indefensável, como a nomeação de um PM sem eleições nem legitimidade democrática, e deixar que se insinue que houve intenção deliberada do PR em demiti-lo”.
Na mesma linha, Nuno Aguiar, jornalista de Economia da VISÃO e da EXAME, conclui que “António Costa está a fazer aquilo que sabe que é eficaz e que lhe deu a maioria absoluta em 2022: atirar para os outros a culpa pela crise e por novas eleições”. E “Marcelo está a fazer aquilo a que nos habituou: falar muito e, quando as coisas, apertam as suas declarações perdem simpatia e passam a ser irresponsáveis.”
Filipe Luís comentou a polémica em concreto, sobre a autoria da ideia de chamar a PGR a Belém: “Quem convocou Lucília Gago foi o Presidente da República e é indiferente de quem partiu a ideia. O PR não está às ordens do primeiro-ministro nem António Costa pode convidar pessoas para a casa dos outros”. O editor -executivo, com a pasta da Política, considera, ainda, que “o facto de Marcelo se desculpar com António Costa, numa infantilização completa – ‘foi aquele menino que teve a ideia!’ – não abona nada a favor da sua capacidade de juízo e de decisão. Se alguém é convocado a Belém, é porque o Presidente acha por bem convocar. A responsabilidade é exclusivamente sua. Ponto final.” De qualquer forma, Filipe Luís ressalva que “está por esclarecer por que razões foi a PGR chamada ao Palácio Presidencial. Esse esclarecimento é devido, visto que vivemos num Estado de Direito, com separação de poderes. É evidente que o PR tem o direito de chamar a PGR, porque ela responde perante ele e perante o Parlamento. Mas isso são as reuniões normais. Só que esta situação concreta ocorreu no preciso momento em que decorriam buscas e eram detidas pessoas”.
Mafalda Anjos tira uma lição “Querem ajudar o País? Portem-se como adultos e calem-se todos!”, sugere a diretora da VISÃO, “porque quem ganha com este descrédito das instituições é o partido que brada contra o sistema, ou seja o Chega”.
Relativamente à disputa interna, no PS, Nuno Aguiar defende que a candidatura de José Luís Carneiro “parece mais um picar o ponto para a ala centrista do PS”, com o objetivo de, num momento de fragilidade no partido, “ir a jogo e evitar grandes perdas”. “Caso contrário, provavelmente teríamos outro candidato mais forte”, acrescenta. “Dependendo do resultado da eleição de 10 de março, essa fação encontrará o seu verdadeiro candidato daqui a dois ou quatro anos.” Filipe Luís considera que “estamos perante dois PS diferentes – e ambos diferentes do Governo de que os candidatos fazem ou fizeram parte: ambos já se distanciaram das políticas de Costa – Pedro Nuno Santos [PNS] na questão da política financeira e da TAP, José Luís Carneiro na questão do pacote da Habitação (aliás, da respsonsabilidade de uma discípula de PNS, a ministra Marina Gonçaves)… o que é muito curioso.” Para Mafalda Anjos, eleições internas à beira de eleições legislativas são sempre prejudiciais para os partidos. “Estão ambos, Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro, a cometer o erro de colocar as propostas e as diferenças ao nível dos acordos pós-eleitorais – um apresentando-se com o objetivo de fazer frente à direita, outro a antecipar que viabilizaria um governo do PSD para este não ficar dependente do Chega. Os portugueses estão a ouvir e isso é um erro estratégico evidente para uma campanha, porque desmobiliza do voto útil”, afirma.
Nuno Aguiar lembra que, embora ainda seja cedo, uma sondagem da Intercampus concluía que os inquiridos consideravam que Pedro Nuno Santos e José Luís Carneiro davam melhores primeiros-ministros do que Luís Montenegro. “Isto é menos uma boa notícia para Pedro Nuno Santos e o PS e mais um alerta para o PSD”, refere o jornalista. “Nesta altura, com um governo que caiu devido a um processo judicial e o PS sem líder, Montenegro devia estar a esmagar os socialistas.”
Filipe Luís lembra: “Pedro Nuno disse que não aceita debates, o que, do ponto de vista da cultura democrática, é bastante temerário, para ser benigno. E já veio criticar o adversário, porque Carneiro o ataca a ele, em vez de atacar a direita. Bem, estas eleições são internas e o debate é entre os dois, não é com a direita, para já. E também já houve tempos áureos do PS em que os adversários eram, além da direita, os partidos não democráticos, e isso costumava incluir a extrema-esquerda… No tempo, claro, em que o PS distinguia entre direita democrática e extrema-direita…” E Mafalda Anjos sintetiza: “O que fazia falta ao PS e ao país era uma síntese dos dois: o carisma político, a capacidade de mobilização de PNS e o sentido de responsabilidade, a seriedade e a competência de José Luís Carneiro”.
A situação em Gaza, as eleições argentinas e as comemorações do 25 de Novembro, pela Câmara de Lisboa, foram outros dos temas abordados.
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