“A guerra é algo que, infelizmente, acompanha a nossa vida em sociedade, desde sempre. É quase impossível não existirem tentativas de manipulação da verdade com vista a se obter vantagem militar ou política. Estamos, hoje, a assistir à adaptação do que já acontecia na Guerra Fria, quando Estados Unidos da América e Rússia tentavam influenciar a nossa perceção do mundo”.
As palavras do sociólogo Gustavo Leitão Cardoso – convidado, esta semana, do podcast “Irrevogável”, inauguraram a conversa sobre comunicação e propaganda em tempos de guerra, que a VISÃO já tinha abordado no artigo “Guerra, Mentiras e Vídeo, dos jornalistas Filipe Fialho e Joana Loureiro, que fez a capa da edição de 9 de novembro.
Gustavo Leitão Cardoso refere que “aceitando a lógica de que, na guerra e na política, o primeiro passo é ter apoio de muitas pessoas, então, temos de concluir que as eleições e a guerra também se ganham conquistando o apoio das pessoas e dos parceiros, ao mesmo tempo que se cria desconfiança e incerteza nos inimigo”.
O especialista nas áreas da comunicação, jornalismo e internet chama a atenção que, antes, a informação passava pelo crivo dos jornalistas, mas, hoje, “criou-se um mundo em que todos consideram estar capacitados para interpretar a informação, cada um acreditando saber o que é verdadeiro e falso”. “E isso não é verdade”, comenta.
Diretor do OberCom – Observatório da Comunicação, Gustavo Leitão Cardoso destaca que “o trabalho do jornalismo e das empresas de fact-checking passa por esclarecer e contextualizar a informação, o que continua a ser a melhor prática”. Alerta, porém, que, para isso resultar, “os cidadãos têm de estar atentos”. “Importa que as pessoas aprendam a perceber o que é e qual a origem da informação. Sem questionar, podemos estar a prestar um favor a quem quer jogar com as nossas emoções, pôr-nos a pensar de determinada forma”, acrescenta.
“As redes sociais revelam como é o mundo realmente”
Gustavo Leitão Cardoso considera que as fake news e a desinformação – em tempos de guerra (mas não só) – não são inocentes. “Na guerra não há santos… o Ocidente também faz propaganda, seja a defender a Ucrânia, Israel ou a Palestina. A Rússia também o faz. O objetivo é sempre tentar destabilizar o adversário, e ganhar vantagem no campo de batalha”, diz.
De outro ponto de vista, o especialista garante que “haverá sempre alguém a tentar influenciar”, não apenas para defender um causa ou ideia, mas poquer “há muita gente a ganhar dinheiro com as fake news e a desinformação”. “Foram introduzidos mecanismos para controlar estes conteúdos – que são prejudiciais às sociedades –, mas há limites que estão definidos pelos lucros. Acho que estamos melhor do que no passado, mas as coisas que provocam a discordância continuam a ser mais virais, a ter mais tráfego. É sempre complicado, nesta dinâmica, que sejam as plataformas a funcionar como beneméritas da sociedade, porque não o são…”, afirma.
As redes sociais são o inimigo? Gustavo Leitão Cardoso diz que “não”. “[As redes sociais] acho que nos fazem bem, pois permitem revelar como é o mundo realmente”, completa. “Vivemos numa época em que a autenticidade é cada vez mais individual. Sabemos que o factual está associado ao jornalismo, mas, muitas vezes, agrada-nos a ideia que alguma coisa que corresponde ao que pensamos pode ser encarada como autêntica, e agarramo-nos ao que surge”, explica. “Isso tem de mudar”, sublinha.
“As pessoas têm de aprender a conviver e a aceitar a diferença”
O diretor da OberCom admite que, neste momento, “não existem meios para contornar [o problema], e é pouco provável que venham existam num futuro próximo”. “Os sistemas de combate às fake news e à desinformação, nos media e nas redes sociais só funcionaram parcialmente, não foram capazes de evitar a propagação de conteúdos falsos e mentiras. As remoções de conteúdos falsos também não são, normalmente, suficientemente rápidas”, lamenta.
A solução, segundo o próprio, está nas mãos dos cidadãos. “Temos de estar conscientes da forma como comunicamos, e lidamos com as informações. Os problemas não vão ser resolvidos pelas plataformas ou pelos reguladores… cabe ao próprio cidadão resolver”, afirma. O cenário até pode ser difícil, mas Gustavo Leitão Cardoso deixa um primeiro passo: “Temos de aprender a conviver e a aceitar a diferença, e rejeitar aquilo que, claramente, é prejudicial para a sociedade”, conclui.
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