Esta semana aconteceu o impensável: ouvimos o Presidente da Assembleia da República, o socialista Augusto Santos Silva a gritar três vezes: “Chega! Chega… e chega”. Mas não tiremos conclusões precipitadas: Santos Silva admoestava os deputados do partido com o mesmo nome – Chega -, dizendo-lhes que “chega de insultos, chega de envergonhar as instituições, chega de pôr vergonha no nome de Portugal!” Sim, a semana foi dominada pela presença de Lula da Silva entre nós e, sobretudo, pela cerimónia em que o Presidente do Brasil interveio, no Parlamento, na manhã do dia 25, com os protestos do Chega e uma manifestação contra Lula que não terá correspondido às expectativas de André Ventura. E esse foi um dos factos que esteve em análise no Olho Vivo. Outro dos temas discutidos foi o dos discursos, para todos os gostos, onde estiveram vários 25 de abris em confronto. Uma imagem, esta dos vários 25 de abris, que a intervenção pedagógica do Presidente da República explorou. Afinal, tudo espremido, o que fica das intervenções dos representantes do povo? Relativamente ao episódio do protesto do Chega contra Lula da Silva, Mafalda Anjos, diretora da VISÃO, considera que “André Ventura prometeu organizar a maior manifestação de sempre contra um chefe de Estado estrangeiro em Portugal, mas a montanha pariu, literalmente, um rato”. E diagnostica: “Foi um ‘papelão’ de quinta categoria, e um protesto pífio. E deixou clara a hipocrisia de um partido que anda de mãos dadas com outros, apoiados pelo Kremlin e a falta de decoro institucional de quem quer entrar num Governo. Quando aqueles 12 deputados irrompem na Assembleia durante o hino do Brasil, não estão a desrespeitar apenas Lula da Silva, mas todos os brasileiros”.
A este propósito, o jornalista Nuno Aguiar interroga-se como seria o comportamento de um vice-presidente da Assembleia, se o chega tivesse conseguido eleger algum: “Também exibiria um cartaz, na tribuna? Começaria a gritar ao ouvido de Lula da Silva?… Ficou demonstrado, se dúvidas houvesse, que não há lugar para uma vice-presidência do Chega no Parlamento.” Nuno Aguiar faz outra pergunta: “E como é que Luís Montenegro não tem o killer instinct para criticar logo naquele momento o líder do Chega? Como é que não aproveita para dizer imediatamente que o voto à direita é no PSD e que, como se viu, com aquelas pessoas não se pode governar? Foi uma oportunidade perdida”.
Filipe Luís, editor executivo, ironiza sobre o que considera o ridículo do protesto: “Aquela postura dos deputados de Chega, de cartaz na mão, parecia um protesto do 2.ºB da Escola Secundária de uma terra qualquer do País. Lula da Silva tem sido sujeito, no Brasil a protestos a sério. Razão tinha Santos Silva em falar de vergonha: o Chega envergonhou as ‘virtudes viris lusitanas’ que tanto diz defender…” Mas Filipe Luís adverte: “Claro que estou a ser irónico… Ainda estava à espera de ver uns rabos dos deputados do Chega, mas nem isso fizeram…”. Mais a sério, Filipe Luís concede que o protesto, no Parlamento, é legítimo, em quaisquer circunstâncias, mesmo perante um chefe de Estado estrangeiro. E bater com as mãos nas mesas, que é o contrário de aplaudir, tem uma longa tradição parlamentar em Portugal. Mas há os limites próprios: assim como numa manifestação de rua não é suposto que se partam montras ou incendeiam automóveis, no Parlamento também deve haver regras.” E recorda a postura do PCP, há pouco tempo, quando o presidente Zelensky falou, por vídeo-conferência, aos deputados: “Preferiram ausentar-se do hemiciclo. É completamente diferente”.
Sobre a reação do presidente da Assembleia da República, Mafalda Anjos acha que foi adequada e que “era difícil ter outra”. Já Filipe Luís discorda: “Devia ter ignorado”. Ainda assim, a diretora da VISÃO critica a situação que foi criada já depois da sessão: “É uma falta de noção as três mais altas figuras do estado deixarem-se filmar em amena cavaqueira a comentar o incidente. Citando António Costa, ‘nem à mesa do café se podem esquecer que são Presidente da República, Presidente da Assembleia da República e primeiro-ministro’”. A diretora da VISÃO chama, ainda, a atenção para outro aspeto da visita, tendo em vista a divergência de pontos de vista entre Portugal e o Brasil sobre a guerra na Ucrânia: “Em diplomacia, as relações bilaterais entre Estados não se podem deixar toldar por outras opções de política externa de cada um dos países, e isso ficou claro nos discursos com cada um a vincar a sua posição. O balanço é, apesar de tudo, positivo: a festa foi bonita, q.b.!”
Já Nuno Aguiar Para Nuno Aguiar considera ter havido “um pecado original” no convite de Lula da Silva para este dia específico, mas considera que toda essa análise se torna secundária depois do que aconteceu na Assembleia da República. “O Chega aproveita-se de um contexto mediático e político que lhe permite com uma ‘manifestaçãozeca’ abrir telejornais num dia fundador da nossa democracia; o objetivo é tornar o 25 de Abril numa palhaçada e criar um simulacro de divisão – que não existe – na sociedade portuguesa sobre essa data. Hoje foi Lula, no 50º aniversário será outra coisa qualquer”.
Sobre os discursos na Assembleia, na comemoração do 25 de abril, Filipe Luís e Mafalda Anjos sentenciam que os mais fracos vieram, precisamente, das bancadas dos dois maiores partidos. Diz Mafalda Anjos: “Os discursos do centrão, do PS e do PSD, foram o anti-climax sonolento, sem qualquer capacidade de deixar uma marca ou uma ideia”. E acrescenta Filipe Luís: “Podiam ter sido proferidos num qualquer debate banal, na Assembleia”. Mais, defende o editor-executivo, “os partidos esquecem-se de que o 25 de Abril nada tem a ver com crescimento do PIB, com os números da pobreza ou, sequer, com corrupção, que é transversal a todos os regimes. Não faz sentido fazer desta intervenção, numa data especial, uma peça de luta político-partidária; o 25 de abril tem a ver, sim com valores. Isso percebe-o muito bem o Presidente da República, que fez um discurso perfeitamente ajustado à data”.
Mafalfa Anjos defende, por outro lado, que “o melhor discurso do dia foi o de Augusto Santos Silva: eloquente, culto, elevado, mas crítico; com recados claríssimos ao Presidente da República, a pedir estabilidade e respeito pelos tempos democráticos das instituições”. Filipe Luís adverte, no entanto, que, tendo sido um bom discurso, com frases e metáforas geniais, foi o discurso do “advogado da não dissolução” da Assembleia da República.
A esse propósito, Nuno Aguiar remata que “começa a ser um ritual semanal o Presidente da República falar da dissolução da Assembleia da República”. E explicita: “Numa das mais recentes intervenções, nem foi preciso os jornalistas perguntarem-lhe, e isto contribui zero para a redução da temperatura partidária e cria frustração nas pessoas, que ouvem que as coisas estão tão mal que se pode demitir o Governo, mas, depois, isso não acontece”. Nuno Aguiar lembra que “a regra é os Governos serem eleitos, cumprirem o seu mandato e serem julgados no final, a não ser que algo de excecional aconteça – e o PSD deve ter cuidado a surfar esta pulsão, porque um dia será ele a governar e ser-lhe-á aplicado o mesmo critério.”
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