Lula da Silva conseguiu esta semana um terceiro mandato presidencial, algo que nunca tinha acontecido antes no Brasil. Bolsonaro arrecadou 58 milhões de votos, mas foi o primeiro Presidente a não ser reeleito numa segunda volta. Depois, foi o caos: milhares de pessoas saíram para as ruas, bloquearam estradas e cortaram acessos, obrigando a polícia de choque a intervir. “Quando finalmente falou, não foi perentório a pedir o fim dos protestos, que ainda perduram, quatro dias depois, num país manifestamente partido ao meio. Bolsonaro perdeu, é um facto, mas o bolsonarismo, está aí de pedra e cal”, enquadra Mafalda Anjos, diretora da VISÃO.
“Por vezes comparamos as hostes partidárias mais militantes com as claques de futebol. No Brasil, foi o espírito de seita religiosa que foi transferido para a política, o que ajuda a explicar os 58 milhões de votos em Bolsonaro. A mesma lógica das igrejas evangélicas, que há muito ultrapassaram a influência da Igreja Católica, no Brasil, e que apoiam firmemente Bolsonaro, o mesmo fervor religioso, é o que anima o povo que apoia Bolsonaro, na sua relação com a política”, explica Filipe Luís, editor-executivo da VISÃO.
Para Nuno Aguiar, jornalista da Exame, equiparar os dois lados, apontando que são ambos maus, é um exercício perigoso. “Lula foi preso, Dilma afastada, Haddad desejou sucesso e boa-sorte a Bolsonaro, quando perdeu. Já Bolsonaro fez este número, esperando uma vaga de fundo que permita desafiar o resultado eleitoral. Por isso é que não pode haver equivalência entre os dois lados. Um deles respeita as regras do jogo democrático, enquanto outro procura violá-las”, refere Nuno Aguiar.
Mafalda Anjos concorda. “Nestas eleições não estava em jogo um confronto entre esquerda e a direita, mas sim uma escolha entre a democracia e o totalitarismo. Por isso é que tanta gente de centro e de direita apoiou Lula Da Silva, longe de ser o candidato ideal. Há quem diga que são os dois maus e que não é possível escolher: isso revela bem o seu grau de compromisso com os princípios democráticos, que Bolsonaro violou desde o primeiro minuto no Planalto, com o seu populismo, discurso de ódio, autoritarismo, militarismo, as sucessivas tentativas de condicionar o sistema judicial e eleitoral, o negacionismo durante a pandemia, o desrespeito por direitos humanos fundamentais, a xenofobia, o racismo, o machismo, a aproximação a autocratas como Putin…”
Por isso, como diz Filipe Luís, “votou-se muito mais contra do que a favor”: contra Lula ou contra Bolsonaro. “Lula é chamado ora de “ladrão”, ora de “comunista”. Sobre os processos judiciais, ele foi ilibado. Sobre a acusação ideológica, é uma narrativa de fake news: na sua época de presidente, Brasil não foi nenhuma Venezuela. Lula conduziu uma política moderada, de crescimento económico, quase social-democrata. Não o ajuda ser apoiado por um PT que continua com um discurso muito radical. Mas ele fez uma aliança com partidos e setores moderados e isso pode ajudar a salvar a democracia brasileira.” E provoca. “Alguém já fez uma analogia com Portugal: como se sentiria o eleitor português, encurralado entre dois candidatos como José Sócrates e André Ventura?…”
Mafalda Anjos responde: “Comparar Sócrates e Lula é fazer um enorme favor a José Sócrates”. “Quanto mais sabemos do processo de José Sócrates mais desconfiados ficamos do comportamento do ex-primeiro-ministro. Pelo contrário, quanto mais ficámos a saber das acusações contra Lula, melhor percebemos a sua fragilidade”, aponta o jornalista Nuno Aguiar.
Outro tema em análise foram os vistos Gold. António Costa anunciou que o Governo está a ponderar o fim do programa de autorizações de residência para o investimento.
“Esta é uma daquelas coisas que frustra as pessoas em relação à forma como António Costa faz política”, diz Nuno Aguiar. “Esta declaração, muito pouco concreta e sem detalhes, surge depois de uma notícia que dá conta de haver vistos Gold a receber o apoio de 125 euros.”
Para Mafalda Anjos, o governo vem no seguimento de uma deliberação do Parlamento Europeu, que pediu o fim aos regimes de atribuição de cidadania pelo investimento e a uma maior regulamentação e fiscalização dos regimes de residência para investimento. “O programa prevê vários tipos de investimento, além da compra de imobiliário, como investimentos financeiros, investigação científica, constituição de empresas com criação de 10 postos de trabalho. Mas a esmagadora maioria dos vistos atribuídos nestes nove anos são pela via do imobiliário – quase 10.100, contra 21 por criação de postos de trabalho e 791 para a transferência de capital. E os efeitos no mercado imobiliário são evidentes. A legislação mudou no início deste ano e apertaram-se alguns critérios, exigindo que os imóveis se situem fora do litoral, Lisboa e Porto. Mas não chega. E, como sabemos, em causa podem estar casos branqueamento de capitais, corrupção e evasão fiscal”, afirma a diretora da VISÃO.
Filipe Luís alerta que um fim abrupto deve precaver a possibilidade de um arrefecimento súbito desse mercado. “Há argumentos populistas contra e a favor dos vistos Gold. Quando um país como Portugal acaba com um programa de captação de capital estrangeiro, tem de saber bem o que está a fazer. A decisão tem de ter em conta um estudo técnico, para se saber, afinal, o que ganhou ou perdeu Portugal com os vistos Gold. Por exemplo, para além dos poucos postos de trabalho diretos, quantos indiretos terão sido criados, à boleia do programa? Uma coisa aconteceu: houve um sobreaquecimento do mercado mobiliário que encareceu a habitação.”
Debaixo de olho neste programa estiveram ainda os dados macroeconómicos portugueses, Carlos Moedas na Web Summit e os planos de Elon Musk para o Twitter.
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