Lucas tem vinte e cinco anos. Licenciou-se em sociologia e fez o mestrado em jornalismo, tudo em Lisboa. Passou os últimos anos a morar na cidade, trocando várias vezes de casa e de colegas. Sofreu assédio habitacional, discutiu com senhorios mas encontrou finalmente um T0 que partilha com a namorada. Começou a trabalhar online para uma empresa internacional onde faz assessoria de imprensa. Trabalha com pessoas de toda a Europa e recebe bem, sabe, bem acima do salário médio nacional. Mesmo assim, grande parte do seu ordenado recai sobre as suas despesas de habitação e não consegue fazer poupanças para uma mudança. Está cansado. Tanto ele como a sua namorada pensam abandonar a cidade de Lisboa (embora
muito lhes custe) porque gostavam de começar a sua vida familiar mas, como estão, não é possível.
Marta tem vinte e nove anos. É bióloga e formou-se no Porto. Há cinco anos mudou-se para a Suíça para junto dos primos. Trabalhava em projetos de investigação em Portugal mas, com toda a precariedade dos contratos académicos e a instabilidade da vida que enfrentava, e foi ficando muito cansada. Finalmente, decidiu que era hora de efetivar uma mudança ousada à sua vida e tentar noutro sítio. Foi muito difícil adaptar-se a um novo país, abandonar a família de quem era tão próxima para se atirar a uma incerteza. Quando lhe perguntam se pensa em voltar sorri tristemente e diz “talvez para a reforma”. Sabe que quer morrer no seu país, já viver é outra questão.
Estes são dois retratos ficcionados de uma juventude abandonada- histórias muito portuguesas, com certeza. Mas são iguais a tantas outras histórias a que nos acostumámos a ouvir, dos que são referenciados como “a geração mais qualificada de sempre”. Entre os que ficam, os que partem são muitos semelhantes os problemas enunciados. Segundo o site da CGTP-IN, os números de desemprego jovem contemplam que “26% dos jovens até aos 25 anos estão desempregados, números comparáveis aos anos negros da troika.”. Referem
ainda que “A esmagadora maioria dos jovens trabalhadores fica presa indefinidamente à incerteza dos contratos a prazo, dos recibos verdes, dos estágios não remunerados, das empresas de trabalho temporário e prestadoras de serviço”, tendo sido esses vínculos precários que “facilitaram o despedimento de mais de 80 mil jovens trabalhadores.” A Rádio Renascença refere um estudo, feito em vários países, entre os quais Portugal, que concluiu que mais de metade dos portugueses (65%), com idades entre os 25 e os 34 anos, não se sentem financeiramente seguros.
Sobre o contexto habitacional, segundo um estudo feito pelo ICS/ISCTE para o Expresso, 91.7 % dos jovens entre os 18 e os 35 anos “concorda totalmente” ou “concorda” que há uma crise na habitação. Além destas preocupações, outras assumem um lugar de destaque, como as alterações climáticas e o efeito que será sentido por estas gerações e a desigualdade no geral.
Em 2015, a peça “Se eu não fechar os olhos” (encenada por Miguel Graça) cativou a minha atenção porque contava a história de jovens, divididos entre a ideia de que podiam concretizar tudo a que se tinham proposto e o sentimento de inevitabilidade de não poderem já alterar o seu percurso. Repetiam a mesma frase “Estou cansado” e essa expressão servia para contrastar com o corpo de um jovem. Mas é isso que ouvimos continuamente dizer: estamos cansados, estamos à rasca, não temos esperança de que o futuro vá ser melhor. É exasperante ser um eco sem resposta: mas é uma geração inteira que está a falar.
