1 – Uma subida de votação na AD era previsível: pelo que diziam as sondagens, pelo que mostrava a campanha eleitoral e por ser óbvio (ver resultado das regionais da Madeira) que a generalidade dos eleitores se está nas tintas para acusações mesmo penais, quanto mais éticas, aos políticos que se apresentam a sufrágio. Não previsível, para mim, era que de par com esse aumento da AD o Chega ainda aumentasse mais. Isto é: que AD e Chega não se “tirassem” mutuamente votos, antes ambos os conquistassem à esquerda, sobretudo ao PS. Que teve um resultado desastroso, a ponto de estarmos perante uma reconfiguração do cenário político português. Reconfiguração na linha do que já aconteceu e/ou vem acontecendo em vários países, incluindo da Europa – e que julgo corresponder a um “ciclo” que ameaça a democracia e cuja duração dependerá da eficácia, combinando inteligência e coragem, com que se combatam as suas causas.
2 – Os resultados de 18 de maio mostram-nos por um lado um país moderado, desejoso de estabilidade política, que o atual primeiro-ministro, principal “vencedor” das eleições, conseguiu convencer pressuporia a continuação do seu governo; e por outro lado um país zangado, irado, despolitizado, com os por variados motivos descontentes (em geral com razões para isso) a deixarem-se “levar” por quem não olha a meios para atingir os fins, por um discurso de ódio, cheio de insinuações, mentiras, promessas irrealizáveis; e com uma ação no Parlamento que mostra quem são.
É um tempo tremendo o que vivemos, no qual por mais evidente, até penalmente sancionada, que seja a conduta a vários títulos indecente dos Trumps, Bolsonaros e similares ou aprendizes, isso não afeta, não faz mudar de posição, os seus seguidores. Como acontece em certas seitas.
3 – A pesada derrota do PS deve-se, creio, a diversificados fatores, de que a falta de empatia de Pedro Nuno Santos (PNS) não é a principal. Com má imprensa, acusado de muito à esquerda e radical, quando nunca o foi exceto no estilo de intervenção e em algumas “bocas”, PNS fez uma campanha séria, equilibrada e digna. Embora sem o rasgo que há muito falta em qualquer campanha (e não só) dos socialistas.
A sua seriedade política ressaltou na forma como se demitiu, sublinhando não ser o adequado para o que, a contrário, reconheceu indispensável: diálogo com o PSD e viabilização de um seu governo – como ele, aliás, fez…
A queda do PS, agora vertiginosa mas na sequência da de 2024, deve-se sobretudo, pode-se agora avaliar, a António Costa: ao seu governo de maioria absoluta, que devia durar até 2026 e foi uma oportunidade desbaratada, e ao seu pedido de demissão, injustificado embora no imediato compreensível. Demissão aceite por Marcelo, com simultânea dissolução do Parlamento, sendo tudo isto que conduziu à instabilidade política e suas consequências.
4 – Na derrota geral à esquerda, com exceção do Livre, avulta também a do BE, que de 19 deputados entre 2015 e 2019 fica agora reduzido a um(a), Mariana Mortágua. Não estamos em época de sucesso de “ruturas”, ou assim chamadas, os mais jovens são sobretudo de direita, e o Parlamento vê-se privado de elementos com a qualidade, por exemplo, de Marisa Matias. E, do PCP – porque o partido, apesar de Paulo Raimundo ter sido a “revelação” da campanha, perdeu um dos seus quatro deputados –, António Filipe, o mais antigo e preparado deles.
5 – Com a demissão de Pedro Nuno Santos, tudo indica e aconselha que lhe suceda José Luís Carneiro, que foi o seu adversário na eleição interna vai para dois anos, mas continuou sem desvios o seu trabalho ao serviço do partido e foi, “imposto” aliás por Pedro Nuno, cabeça de lista do PS em Braga. Além de outras vantagens, o ex-MAI tem a de, no seu programa naquela eleição, defender um maior diálogo com o PSD e a viabilização do seu governo. O que agora mais do que nunca se impõe, sem excluir a existência de conversas prévias e um acordo sobre diversas matérias. O que sempre defendi.
À MARGEM
Como ia dizendo…
Nesta coluna, em 20 de março, considerando que o resultado mais provável das legislativas não propiciaria um governo maioritário de direita (sem o Chega), nem de esquerda, a única maioria possível seria um governo PSD-PS. Hipótese, porém, rejeitada por todos, com argumentos de peso. E então, não sabendo outras coisas, escrevi – cito:
“Sei é que: a) não se devem usar argumentos antigos para realidades novas; b) é normal, em situação semelhante, os dois maiores partidos entenderem-se, como agora na Alemanha; c) para isso se poder verificar, PS e PSD têm de mudar muito a forma de se relacionarem. E sei, principalmente, que PS e PSD têm uma enorme responsabilidade na defesa da Constituição e do regime democrático.”
A coluna intitulava-se exatamente “PS e PSD: a responsabilidade na defesa da democracia” – e os resultados eleitorais deram-lhe ainda mais pertinência e atualidade.