A vitória do Syriza nas eleições gregas foi antes de tudo a vitória do protesto contra o descalabro a que a austeridade extrema imposta pela troika conduziu o país e contra as sucessivas humilhações a que o seu povo foi submetido. Foi a afirmação inequívoca da vontade de uma mudança radical, que corte com o passado recente em que a própria dignidade nacional foi posta em causa, mas também com a anterior política podre que em larga medida contribui para se chegar a tal situação. Foi a esperança a vencer o medo, que o poder instalado sempre instila como um veneno para tentar evitar uma verdadeira mudança.
Essa vitória não significa, pois, que a maioria dos gregos passou a professar as ideias de esquerda mais ou menos radical do inicial Syriza e do seu excelente líder, Alexis Tsipras. Que, aliás, como sempre acontece, no contacto com a realidade e face à efetiva possibilidade de chegar ao poder moderou o discurso, como moderará a prática.
Tendo em conta tais razões da vitória, e que os pontos primeiros do seu programa são a recusa da austeridade, a restituição aos cidadãos de parte do muito que lhes foi tirado e a renegociação de uma dívida impagável, não vejo nenhuma contradição numa aliança com um partido de direita que defende o mesmo. Sem prejuízo das divergências se e quando se chegar a um período em que haja de fazer opções de outro tipo. Lembre-se que também entre nós há acordo, mormente na defesa da renegociação da dívida, entre figuras gradas da esquerda à direita.
E chego onde queria, a Portugal. Após os tremendos sacrifícios feitos nos dois países, lá ainda mais do que cá, em relação aos respetivos PIBs a dívida na Grécia representa uns estratosféricos 177%, e em Portugal representa uns astronómicos 130%. Mais, no ano passado, em relação aos mesmos PIBs, o que nós pagámos de juros representou 5% dele, contra 4,3% da Grécia. Por isso, e não só, temos problemas graves comuns. E seria inadmissível que, como já aconteceu com este Governo, se proclamasse – e é verdade – que não somos a Grécia, como se isso fosse um “feito”, recusando-lhe solidariedade e não aproveitando de benefícios que podíamos ter só para afirmar aquela diferença!
Ora, o que o Syriza pretende para o seu país é legítimo, justo e “realista”. Como o é, salvaguardadas as devidas diferenças e distâncias, que nós o queiramos para o nosso. E, assim, no que vai seguir-se, temos de estar no sítio certo: o que contribua para que um possível embate seja antes debate, ou ainda melhor: diálogo, que permita, sem rutura na UE e no euro, a indispensável renegociação da dívida, de que também nós precisamos.
Trata-se, insisto, de um propósito legítimo, justo e realista. Mais “realista” do que o que sustentam as instituições europeias, afirma, com a sua alta autoridade, o prémio Nobel da Economia Paul Krugman na sua prestigiosa coluna do New York Times. Sublinhando que ao que se assistiu na Grécia foi a “um pesadelo económico e humano”, a que urge pôr termo; e falando de “conto de fadas da confiança” a propósito dos que diziam que os efeitos do desemprego (de 25%) seriam superados pelo setor privado.
Pelo contrário, Passos Coelho qualificou de “conto de crianças” os alegados propósitos ou desejos (“não querer assumir os seus compromissos, não pagar as suas dívidas”, etc.) do Syriza, e considerou o seu programa “dificilmente conciliável com as regras europeias”. Falando, como o PSD já tinha feito num comunicado, do “partido que ganhou as eleições”, sem nunca sequer lhe dizer o nome!…
Uma vez mais o primeiro-ministro português colocou-se assim como acérrimo e servil defensor da ortodoxia austeritária ?- que mesmo muitos dos seus responsáveis reconhecem ter falhado -, bem assim das “regras europeias” que, como todas as regras, podem ou devem ser mudadas. E logo por esta reação inicial se vê que, também uma vez mais, parece preparar-se para colocar o seu alinhamento e a sua teimosia de sempre à frente do óbvio interesse nacional, que é, além de muito mais, ser discutida a questão das dívidas e pagarmos a nossa em melhores condições de prazos e sobretudo de juros. Uma pequena parte do grande desafio que a “nova” velha Grécia está a lançar a uma Europa em grande crise, por força também das políticas que vitimaram os nossos países.