A Administração Trump defende que o futuro é crypto. Para a família Trump, o futuro é hoje. Em menos de um ano emitiram quatro criptomoedas ($WLFI, §TRUMP, §MELANIA, USD1) e, de acordo com os cálculos do jornal Financial Times, arrecadaram com o empreendimento mais de mil milhões de dólares. Longe estão os tempos (março de 2024) em que Trump se debatia com falta de liquidez para prestar caução num processo legal.
Não surpreende por isso o entusiasmo de Trump e da sua Administração com os criptoativos.
Mas, e para os mercados financeiros, o que significa o apoio da Administração Trump?
O Banco Central Europeu (BCE) divulgou, no passado mês de outubro, um livro branco em que alerta para os perigos, os quais, ao invés de se reduzirem com GENIUS Act – a legislação americana publicada em julho –, multiplicam-se.
O valor das criptomoedas tradicionais – como as bitcoins ou o meme $Trump – é totalmente arbitrário e volátil, dependente da oferta e da procura, dado que não resulta de qualquer atividade empresarial subjacente.
A versão 2.0 das criptomoedas – as stablecoins – reguladas pelo GENIUS Act, tem como objetivo tornar-se um novo meio de pagamento… e aumentar a hegemonia do dólar americano.
Para evitar flutuações no preço, a legislação exige que o valor das stablecoins – um tipo de criptomoeda – esteja indexado ao valor da moeda de referência (as mais populares são a Tether e a USD Coin e ambas são indexadas ao dólar americano). Para tanto, o emitente terá de manter reservas em depósitos bancários USD e US Treasury Bonds (ou seja, dívida pública americana), que permitam, a cada momento, ao titular das stablecoins trocá-las por dólares americanos, ao valor facial. As stablecoins seriam, assim, sobretudo um meio de pagamento, que permitiria efetuar pagamentos entre jurisdições, com custos menores. As transferências interbancárias têm custos elevados e os pagamentos efetuados com estas moedas serão a um custo próximo do zero.
Seria excelente, não fossem os riscos associados. Os emitentes, as bolsas onde são transacionadas as criptomoedas e as entidades que mantêm os wallets (as carteiras onde está registada a titularidade), não estão obrigados a confirmar a identidade dos titulares, nem a proveniência dos fundos. Tal torna as criptomoedas um meio excelente para branquear capitais e evitar sanções. Estima-se que, pelo menos, 40 mil milhões de dólares tenham sido branqueados em 2024 via criptomoedas. Ao impor que as reservas da stablecoin sejam em dívida americana, promove-se um movimento de transferência de ativos de depósitos junto de entidades reguladas – os bancos – para entidades não reguladas, reduzindo a capacidade dos de bancos financiarem a economia. A tal soma-se o risco de flutuação da cotação da dívida americana (dependente dos resultados da economia). Aumenta também o risco de, numa corrida ao resgate destas moedas, se verificar a incapacidade de os bancos, onde foram depositados os fundos, terem liquidez para, de imediato, reembolsarem os depósitos. Num momento de crise, tal poderá provocar uma corrida aos depósitos.
Para evitar um efeito de contaminação com outras instituições, o Estado será então obrigado a intervir, suportando o contribuinte o custo. As legislações americana e europeia permitem ainda que a mesma stablecoin seja emitida, simultaneamente, nos Estados Unidos e na Europa, o que, num momento de crise, poderá implicar uma corrida a bancos europeus para resgate de stablecoins subscritas nos EUA e com reservas junto de bancos americanos. Face aos riscos, não admira que, no livro branco, o BCE advogue regras mais exigentes. Esperemos que se concretizem a bem da saúde da economia europeia.
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