Dentro de pouco mais dum mês, os portugueses serão chamados de novo às urnas.
Bem, os portugueses e todos os cidadãos da União Europeia. No entanto, para os eleitores portugueses este ato eleitoral tornou-se substancialmente diferente dos restantes 26.
Desde logo porque acontece na véspera de feriado que, com um bocadinho de jeito, engrena noutro transformando -se assim numas mini férias. Ainda por cima num mês em que, previsivelmente, contaremos com bom tempo, estas eleições são capazes de se tornar as menos participadas dos últimos anos.
Como se ainda não bastasse, os dois maiores partidos do espectro político optaram por transformá-las numa segunda volta das legislativas, apostando tudo na popularidade dos cabeça de lista.
Ora, nunca como hoje, o ato eleitoral europeu foi tão importante!
A Europa enfrenta uma guerra que os indícios e os discursos de meias palavras com apelos a um aumento da militarização dos países não deixa dúvidas. Está para ficar e para se estender a outros países, ameaçando a paz em que vivemos há mais de 70 anos.
Paralelamente a esta situação e com ela aumentando, a crise dos refugiados está muito longe de ser resolvida, com a Europa a ceder a populismos em nome duma harmonia fictícia de políticas.
Se outras não houvesse, estas duas razões seriam mais do que suficientes para esta minha crónica, reflexão, preocupação e sobretudo indignação.
Declaração de interesses: sou amiga há décadas da nossa deputada europeia Isabel Santos, injustamente afastada das listas do PS apresentadas a sufrágio e que desempenhava com destaque reconhecido, nacional e internacionalmente, a sua função em prol dos mais desfavorecidos.
Mulher de terreno e de consensos, foi considerada uma das 17 parlamentares europeias mais influentes. A sua luta pelos direitos dos refugiados, pela adoção de rotas seguras e reguladas para a migração, pelos direitos humanos, a sua voz contra a xenofobia e a intolerância política granjearam-lhe um estatuto difícil de igualar.
Razão para a minha indignação e preocupação, pois se já era difícil ouvir a voz dos que não a têm agora silenciaram-na ainda mais.
Em nome duma renovação, desejada sem dúvida, necessária também, deitou-se fora o bebé com a água do banho.
Repare-se no que começa a acontecer em relação à jovem AIMA.
Aqui e ali surgem vozes que pedem o retrocesso dum processo que teve como objetivo algo a todos os níveis necessário: a separação da parte documental da parte policial da gestão dos migrantes
Somos peritos em fazer isto uma e outra vez.
Repare-se no que começa a acontecer em relação à jovem AIMA.
Aqui e ali surgem vozes que pedem o retrocesso dum processo que teve como objetivo algo a todos os níveis necessário: a separação da parte documental da parte policial da gestão dos migrantes.
Não é sério dizer-se que se perdeu o know-how da instituição anterior. Isso é passar um atestado de falta de ética aos que, durante anos, ali exerceram funções e que agora as exercem com o mesmo brio e saber noutros locais. Muitos há que, inclusive, continuam na AIMA, muito embora o sua formação não fosse de caráter administrativo mas sim policial como – e bem! – tantas vezes reclamaram.
A gestão da migração em Portugal não está bem. Não há como escamotear um problema visível a qualquer olhar.
Começou muito mal com um arrastar da situação por anos até a decisão ser tomada e vários meses até ser criada a agência. Depois novo impasse em relação à Lei orgânica, aos objetivos e ao projeto.
Todo este arrastar moribundo e o atraso do nascimento duma nova estrutura mais não fez que deslaçar o já esgaçado tecido existente.
É público que as pendências herdadas, eram aos milhares! A estas somaram-se, entretanto, os fluxos provenientes das crises internacionais.
As narrativas de quem nunca viu com bons olhos esta alteração foram no sentido de misturar a problemática dos fluxos migratórios com os fluxos de refugiados e requerentes de asilo. Esse discurso terá, porventura, feito eco internamente.
A questão não se resolve com um retorno à figura de OPCs (Órgãos de Polícia Criminal), mas sim com a descentralização das decisões, baseada numa política de proximidade que envolva os municípios, as entidades civis e o setor privado locais, sob a égide da AIMA, retirando desta forma a pressão sobre os grandes centros.
Esta solução já está a ser implementada por algumas autarquias no que respeita ao acolhimento de refugiados, mas duma forma “avulsa” e não integrada numa perspetiva holística e global.
Mas a solução passa também com medidas a montante, ao nível da rede consular, que deve ter um papel fundamental na triagem da migração, sua adequação, interesse e regularização.
Tornar claro que uma coisa é imigração, planeada, sustentada, pensada e outra é a fuga de refugiados. Não entender isto é falhar redondamente em termos de políticas de migração e acolhimento.
Tratar tudo da mesma forma é um erro e incorre numa desumanização da atitude para com estes últimos que, a partir de 11 de Junho, terão menos voz junto da Europa.
Por cá esperemos que não se cale quem possa fazer novo e diferente.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.