No tropel das notícias e perante o extremar de algumas posições, é altura de ler ou reler um velhinho livro de Dominique Lapierre e Larry Collins intitulado Oh Jerusalém. Trata-se dum relato que, embora em jeito de romance, tem o cunho jornalístico dos seus autores e, como tal, é um documento fidedigno dos primeiros anos da criação do Estado de Israel.
As lutas políticas, os interesses internacionais, a alteração do tecido social naquela zona do Médio Oriente podem ajudar a lançar luz sobre os acontecimentos que, desde essa altura, se sucedem fazendo da região uma das mais, senão a mais, explosiva do mundo.
O que aconteceu no sábado com a entrada de radicais do Hamas em Israel, não pode deixar de ser considerado um ato terrorista e, como tal, condenado por toda a comunidade internacional em geral e por cada um de nós em particular.
Dito isto, há que olhar para lá das imagens e dos acontecimentos relatados, por forma a que não se caia em posições radicais que possam justificar as ações duns e condenar as ações de outros.
Muitos já o afirmaram, mas importa reforçar esta ideia: o Hamas não pode ser confundido com o povo palestiniano, tal como Putin não é sinónimo do povo russo. As políticas obedecem cada vez mais a agendas internacionais e muitas vezes a interesses de grupos e cliques do que à governação, proteção e defesa dum povo que supostamente lideram.
Esta é uma constatação tão obvia que só por outros tantos interesses, má fé ou indigência intelectual pode ser ignorada. Tomar partido por uma fação condenando, não o ataque dum grupo mas todo um povo, é neste momento não apenas extremamente perigoso como profundamente injusto e o resultado será a escalada da violência e o alargamento do conflito a outras regiões do Médio Oriente.
A noticia de que a União Europeia retiraria o apoio à Palestina foi duma irresponsabilidade e duma precipitação que, embora rapidamente retificada, deixou mais uma vez a nu a inexistência duma política externa consolidada e comum entre os 27.
Repare-se que não se trata de apoiar um grupo radical como é o Hamas, mas sim todo um povo, que tem direito à sua existência.
A noticia de que a União Europeia retiraria o apoio à Palestina foi duma irresponsabilidade e duma precipitação que, embora rapidamente retificada, deixou mais uma vez a nu a inexistência duma política externa consolidada e comum entre os 27
Retirar o apoio a um povo encurralado entre um muro e o mar (sim, claro, também faz fronteira com o Egipto, mas isso não deixa de ser mais uma barreira pelo que a palavra ”encurralado” continua a ter significado) é condená-lo ao desaparecimento.
A Faixa de Gaza depende completamente de Israel. Daí que, quando foi declarado o cerco e o embargo de fornecimento de água, eletricidade, mantimentos à população, vozes com tanta autoridade como o nosso concidadão António Guterres, secretário-geral da ONU, se levantaram em completo repúdio, chamando a atenção para a observância do Direito Internacional e para a Convenção dos Direitos Humanos.
Aparentemente, em vão, pois que o fornecimento destes bens essenciais ainda não foi reestabelecido criando graves problemas e um sentimento cada dia de maior revolta junto da população.
As coincidências, tal como os golpes de sorte, são tão raros que nos levam a duvidar dumas e doutros. Sem qualquer dúvida, os acontecimentos que mancharam o território de Israel e da Palestina acabaram por ser um presente, eventualmente inesperado, para o senhor Benjamin Netanyahu.
Aliado a partidos radicais e tentando impor uma reforma do sistema judicial que abalroaria a democracia israelita e com uma contestação popular inédita, Netanyahu viu o pais unir-se em seu redor perante este ataque “inaudito e inesperado” .
Inaudito sem dúvida. Inesperado? Dificilmente.
É praticamente impossível que a preparação do ataque pelo Hamas não fosse do conhecimento dos serviços secretos israelitas e qualquer comparação com o que aconteceu no 11 de Setembro nos EUA, com o desnorte das diversas agências de intelligence, é falacioso.
Desde logo porque em Israel não existe a miríade de agências a competir pela supremacia no que se refere à capacidade de recolha e tratamento de informação sensível para a segurança do país. Depois porque a Mossad… bem, a Mossad não falha, pura e simplesmente.
Terá havido interesse nesta “falha de segurança”? E, se sim, porque razão e aproveitando a quem?
As teorias da conspiração podem levar a considerar que seria uma forma de, com a conivência externa, acabar de vez com o povo palestiniano na região, expulsando-o para os países vizinhos (o Líbano conta com cerca de meio milhão de refugiados palestinianos no seu território) ou simplesmente exterminando-o.
É apenas uma teoria hedionda.
Quanto a quem aproveita… Bem, para além dos países fornecedores de armas e do senhor Putin, que vê a comunidade internacional dividida com mais um apoio para um esforço de guerra, podemos encontrar, isso sim, a quem não aproveita de todo: às pessoas. Dum lado e do outro do muro.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.