No meio do pânico dos fogos, das estradas que se tornaram verdadeiras ratoeiras, a notícia passou praticamente despercebida.
É o resultado do que em comunicação chamamos de “valor notícia”: o que mais diretamente nos afeta ou pode afetar é o que mais atrai a nossa atenção, o que equivale a dizer que é o que proporciona maior audiência.
Talvez por ter passado tão despercebido, ou somente porque é tão incrivelmente desumano, a notícia que saiu, não apenas no JN de 15 de julho mas noutros jornais europeus, sobre o abandono de cerca e 27.464 requerentes de asilo em pleno Mar Egeu pelas autoridades gregas e pela FRONTEX atingiu-me como um murro!
Evidentemente que, como pessoa interessada, quer académica quer profissionalmente, quer, sobretudo, como cidadã, não é para mim novidade que se cometam este tipo de crimes. O que me choca é o número avassalador divulgado pelo DIEM (Democracy in Europe Movment) que, por sua vez, cita a Agência Universitária inglesa FORENSIS.
Não pode tratar-se de operações “avulsas”, das quais os governos não tenham conhecimento. É impensável que assim seja!
Ou então a Europa está a ser governada por um grupo de imbecis incompetentes (pardon my french mas não há outra forma de colocar a situação) o que não augura nada de bom para nenhum de nós.
Deixar à deriva, nem que seja uma só destas pessoas, é um crime sem perdão!
Deixar mais de 27 mil, a ser verdade, é um genocídio.
Venham cá falar-me de guerra bélica, de misseis e cidades destruídas. É um horror sem dúvida, mas isto também é guerra! De outro tipo, mas guerra entre os que nada têm e os que se arvoram senhores da liberdade, da democracia e da solidariedade.
E se, sempre com o cuidado de colocar algum grão de sal na veracidade da história (mas, bolas, um estudo duma universidade inglesa merece alguma credibilidade, não?), for verdade que a própria FRONTEX é conivente com esta situação, é caso para perguntar quem nos protege dos que é suposto protegerem-nos!
A situação é tão mais absurda, para além de desumana, porquanto bradamos aos sete ventos esta verdade insofismável: a Europa necessita de gente. A Europa está a envelhecer a olhos vistos. A Europa precisa de trabalhadores que não encontra dentro dos seus limites.
Estou já a ouvir os ataques populistas dizendo que estou a advogar trabalho escravo. Nada mais ridículo nem menos verdadeiro!
Perguntem às Confederações Profissionais (agrícolas como a CONFAGRI ou a CAP, Industriais, de Construção) como estão de mão de obra e ouvirão as queixas da falta de gente para trabalhar em certas áreas.
Não porque o salário seja abaixo do mínimo, mas porque o nível de desenvolvimento médio do nosso País evoluiu de maneira a que trabalhos indiferenciados deixassem de ser atrativos. Isto aconteceu com França e Alemanha nos idos de sessenta do século passado e foram os nossos emigrantes quem levantaram casas e construíram cidades, nesses países.
Precisamos de gente para inverter a curva demográfica, para além de tudo o mais.
E precisamos, acima de qualquer outra coisa, de sermos solidários, pois que essa foi sempre a matriz europeia!
Poderão alegar que ao acolhermos estes náufragos da vida estamos a fazer o jogo dos traficantes. Mas não é abandonando-os que combatemos o tráfico! Tudo o que conseguimos é, isso sim, vitimizar duplamente quem já tudo perdeu.
Não posso imaginar uma Europa fortificada e policial. Não foi por esse sonho que os pais fundadores da União lutaram.
Se de facto se provar que esta é uma notícia verdadeira e tudo leva a crer que, mais número menos número, ela traduz a realidade, tornámo-nos naquilo que combatemos: Miseravelmente desumanos!
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.