…E, dependendo do ponto de vista, meio cheio ou meio vazio.
Para já, uma palavra de congratulação para a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, que teve a coragem de encarar o grave problema da pressão migratória sobre a Europa, de forma sistemática e coerente. Confronta-se, naturalmente, com o grande entrave colocado pelo artigo 7º do tratado, que inviabiliza grande parte da ação da União Europeia nesta e noutras questões, com a imposição da decisão unânime dos 27.
O documento agora apresentado visa substituir o Regulamento de Dublin (que foi sujeito a pelo menos três revisões sem qualquer resultado) e pretende reestruturar o Sistema Europeu Comum de Asilo (CEAS).
Este Novo Pacto, que deixa muitos com o amargo sabor a pouco, volta a incidir em duas permissas desde logo inviáveis: solidariedade e divisão de responsabilidade entre os estados-membros, tentando desta forma aliviar a pressão insustentável que recai sobre os países com fronteiras externas, nomeadamente, e até ao momento, a Grécia e a Itália, se bem que não tardará muito até que uma pressão semelhante ou ligeiramente inferior seja sentida na vizinha Espanha e no nosso País.
Mas voltemos ao Novo Pacto, que teve já uma reação de assumido repúdio por parte dos eternos opositores à receção migratória, a Polónia, a Hungria e a República Checa. Outros se lhes seguirão, se bem que de forma menos explícita, comprometendo-se a assumir o retorno destes migrantes aos seus países de origem.
Ninguém tem grandes dúvidas que iremos assistir a recusas de entrada a torto e a direito e um sem número de retornos
Ora, esta situação de retorno e readmissão nunca deu bom resultado, mesmo quando enquadrada em toda uma série de medidas de apoio à integração nos países de origem. Trata-se dum “aliviar de consciência” que não resolve o problema, uma vez que não tem na sua base a cooperação para o desenvolvimento nos países de origem migratória, que permita a fixação das populações nos seus territórios. É ver-se o número de pessoas que usufruíram deste mecanismo e algum tempo depois tentaram novamente a sua sorte rumando à Europa. Além do mais, e uma vez que o rastreio (screening) em termos de identidade, saúde e segurança, está previsto ser feito no exterior das fronteiras europeias, com imediata decisão sobre a admissão ou não e consequente retorno no caso da recusa, antevê-se difícil estabelecer e sobretudo verificar pressupostos muito claros da não aceitação de entrada destes migrantes em países como os já referidos. Ninguém tem grandes dúvidas que iremos assistir a recusas de entrada a torto e a direito e um sem número de retornos.
No documento apresentado, assume-se o fracasso completo dos mecanismos de recolocação e de quotas, previstos e em vigor desde 2015. Perante isto, a Comissão retoma a diretiva de proteção temporária, criada em 2001, que prevê a atribuição duma proteção temporária em caso de fluxo migratório em massa. Com base nesta diretiva, muitas eram as vozes que solicitavam a criação dum visto humanitário, mas o Novo Pacto não foi tão longe.
Como ficou também aquém no que se refere à definição do procedimento a adotar face ao resgate em alto mar ou do socorro a prestar em situações de manifesto perigo de perda de vidas.
Do ponto de vista do “copo meio cheio”, o Novo Pacto faz uma clara distinção entre o que são os processos de gestão de fronteiras, patrulhamento e ação da FRONTEX, que passa a assumir-se como European Border and Coast Guard, e o WOGA – Whole of Government Approach – de caráter mais transversal, sociológico e civil. Esta perspetiva abre a porta para Portugal fazer “o que ainda não foi feito”, mas que se encontra definido no programa deste Governo. A ver vamos se haverá coragem para mexer com interesses e coorporativismos instituídos.
Uma outra novidade, esta sim a começar a romper um pouco o “politicamente correto”, é que, pela primeira vez, se assume a necessidade de atração de talentos para a Europa numa clara perspetiva de que todo o fluxo migratório é definido pelas leis do mercado e que, como tal, há que definir normas e sobretudo rotas regulares por forma a montante as redes de tráfico e exploração.
Por fim, esta posição da presidente da Comissão veio demonstrar que, numa Europa onde os estadistas escasseiam, destacam-se duas mulheres: Angela Merkel e Ursula von der Leyen.
Mas, como diz alguém, o diabo está sempre nos detalhes. Neste caso nos entraves!