Anote o dia 2 de maio: foi o dia em que o Presidente da República e o Primeiro-ministro enterraram o guarda-chuva para dois e o trocaram por espadas. Acabou-se a cooperação institucional e começou a guerra aberta, com uma jogada de António Costa, que decidiu, contra tudo e contra todos (incluído a opinião pública do Chefe de Estado), segurar o ministro João Galamba. Afinal, não houve refrescamento nem míni ou remodelação alargada, só um pedido de desculpas por um “deplorável” episódio que só responsabiliza o adjunto. Uma manobra-surpresa decisiva, que poder vir a revelar-se um ato de grande coragem ou um suicídio político – o tempo o dirá.
António Costa apostou uma jogada de alto risco. Transformou o seu maior aliado político – aquele que o ajudou e segurou em momentos decisivos – no seu inimigo público. Um taticismo que só tem uma explicação: o PM está preparado para tudo, e confortável com a ideia de eleições antecipadas, que entende que podem ser-lhe mais vantajosas agora do que mais adiante.
Nesta arena temos agora dois reconhecidos animais políticos em confronto. António Costa, o desafiador, e Marcelo Rebelo de Sousa, o desafiado. O primeiro conta com o sentido de Estado e com a preocupação com a estabilidade do segundo, este conta com o instinto de sobrevivência do primeiro. Tudo pode acontecer. Podem esperar e manter-se assim algum tempo, numa réplica do que foram os últimos anos tumultuosos de Cavaco Silva, também com uma sucessão de casos e polémicas a degradar a imagem do governo, com Mário Soares sempre à perna. Ou, pelo contrário, as coisas podem precipitar-se rápida e irremediavelmente, e o PR demitir o Governo e voltar a indigitar o PM ou dissolver mesmo a Assembleia da República e convocar eleições antecipadas – mesmo sabendo dos riscos que corre com o estado da oposição.
Marcelo Rebelo de Sousa, o criador de factos políticos, ficou agora enleado na teia que ajudou a construir. Tanto ameaçou com a bomba atómica, elencando as vantagens, desvantagens, calendários e premissas da dissolução, que agora terá de justificar-se por não a usar numa situação de conflito institucional. O limite da sua paciência está apenas na forma como os portugueses vão percecionar tudo isto, e aguentará apenas até ao ponto em que não se deixa atingir.
Uma coisa é certa: a partir de agora, o PM entregou o peito às balas, defendendo Galamba, que já foi apanhado numa contradição sobre as reuniões preparatórias, e fica na linha da frente para se responsabilizar pelo primeiro passo em falso que o seu ministro cometa.
Aconteça o que acontecer, mal com tudo isto sai o prestígio das instituições democráticas. Uma situação insustentável que mostrou falta de sentido de estado, descoordenação, incapacidade política e uma demissão vista como inevitável somam-se, sem consequências, a um rol de episódios de um filme de um governo em auto-destruição acelerada. Quem capitaliza com isto sabemos quem é: quem singra com a descrença no sistema.