O Conselho Europeu de hoje faz verdadeiramente história ao incluir pela primeira vez na agenda de uma reunião de chefes de Estado e de Governo a habitação como problema comum europeu.
Durante décadas de construção europeia, a questão da habitação foi considerada um problema dos Estados que, de acordo com os níveis de descentralização, era resolvido a nível nacional, regional ou local, sem necessidade de intervenções específicas de Bruxelas. Mais ainda, a fé profunda na racionalidade dos mercados levava a que o assunto, salvo a habitação a custos controlados ou de iniciativa pública nas grandes cidades, fosse deixado à dinâmica própria do sistema financeiro, que tanto financiava a construção pelas empresas como a aquisição de casas pelos cidadãos.
A evolução dos últimos dez anos, sobretudo nos anos a seguir à pandemia, veio alterar radicalmente a situação tornando a habitação um dos principais entraves à coesão social, à competitividade e à mobilidade à escala europeia. Daí o decisivo relatório publicado a semana passada pela Comissão Europeia sobre “Habitação na União Europeia: Evolução do Mercado, Tendências Subjacentes e Políticas”, bem como o original agendamento formal do assunto para um Conselho Europeu.
Parte dos problemas é comum a todos os Estados-membros, mas com as dramáticas evidências de que em Portugal a escala do impacto é das mais elevadas, o desajustamento entre a evolução dos preços da habitação e os rendimentos é o maior a nível europeu e que, face a maleitas que são comuns, o Governo de Montenegro se destaca por fazer quase tudo o que é possível para agravar ainda mais a dramática situação.
Os nossos baixos índices de habitação pública, sem paralelo a nível europeu, a dependência do crédito bancário e a total desregulação dos preços dos novos arrendamentos contribuem para a tempestade perfeita.
Ontem o INE assinalou mais uma marca histórica. Os preços médios das transações no segundo trimestre de 2025 ultrapassaram pela primeira vez os 2 mil euros/m2 (mas com o concelho de Lisboa perto dos 5 mil euros/m2), com uma variação homóloga de 19% relativamente a 2024, a maior desde o início da série estatística.
Os preços da habitação na Europa triplicaram desde o início do século XXI, mas Portugal destaca-se com uma valorização superior a 200% só nos últimos dez anos e uma aceleração da tendência nos últimos dois anos.
O aumento dos preços supera imenso o dos rendimentos, provocando uma retração da mobilidade, uma degradação das condições de habitabilidade pelo recurso crescente à partilha de casas e uma permanência até tarde dos jovens na casa dos pais.
A Comissão Europeia diz que os preços dispararam enquanto a oferta de novas casas baixou relativamente ao início do século. Sobretudo nas cidades e nas áreas com pressão turística, a generalização do alojamento local e o peso crescente dos fundos de investimento imobiliário são responsabilizados pela retração do número de casas disponíveis e pela escalada dos preços.
A liberal Comissão Europeia diz que a solução exige a mobilização de todos os esforços para aumentar a oferta de casas e que se devem evitar apoios ao crescimento da procura como benefícios fiscais, apoio no acesso ao crédito e subsídios que favorecem os que têm rendimentos mais altos e fazem subir ainda mais os preços.
Tudo o que tem sido feito por Luís Montenegro e Miguel Pinto Luz parece retirado de um manual de como fazer tudo errado e agravar ainda mais a situação.
Fracasso na utilização dos recursos do PRR para a habitação e substituição dos apoios com subvenções a fundo perdido, a utilizar até 2026, por empréstimos do BEI até 2030. Os valores destinados à habitação foram já reduzidos na reprogramação do PRR de janeiro, mas mesmo assim a taxa de execução é só de cerca de 50% para obras que têm de estar concluídas até agosto de 2026.
Criação de uma política restritiva da contratação de trabalhadores estrangeiros, e da sua integração em Portugal, que paralisa as empresas por falta de mão-de-obra e promove o recurso à imigração ilegal e à informalidade sem direitos.
Estímulo ao aumento dos preços com as medidas fiscais e a garantia pública dadas aos empréstimos para jovens até aos 35 anos.
Adoção de conceitos de construção a custos moderados até 640 mil euros e de renda moderada até 2300 euros, muito superiores aos preços médios do mercado que, ao nivelar por cima o acesso a benefícios fiscais, são fortíssimos estímulos à continuação da cavalgada dos preços.
Redução de 23% para 6% do IVA da construção sem qualquer discriminação positiva destinada ao arrendamento ou à venda a custos controlados. Todas estas medidas estão no pacote de exemplos dados pelo relatório da Comissão Europeia como incentivos ao endividamento e à redução da acessibilidade da habitação.
Enquanto as áreas metropolitanas, o Algarve, a Madeira e o Litoral Alentejano superam já os 2 mil euros por m2 nas novas transações, mas com várias freguesias de Lisboa a superar já os 6 mil euros/m2, o ministro Pinto Luz vai tentar conhecer os problemas habitacionais do eixo interior numa excursão de Chaves a Faro ao longo da Nacional 2.
Pela insensibilidade à necessidade de promover a oferta, pública e privada, e arrefecer os preços da habitação, em contradição com o diagnóstico europeu e o desespero dos portugueses, o prémio Laranja Amarga de hoje vai de novo para o ministro do imobiliário Miguel Pinto Luz.
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