Os portugueses foram os primeiros europeus a ter um relacionamento regular com o Japão desde a chegada a Tanegashima em 1543, por isso faz bem Luís Montenegro, que hoje está em Tóquio, em renovar esses laços seculares apesar de a visita ser marcada pelo infortúnio político da demissão esta semana do primeiro-ministro Shigeru Ishiba.
Nagasaki foi, entre 1571 e 1639, ano do encerramento do Japão ao exterior, o ponto mais longínquo da rota marítima dos portugueses no oriente que partia de Goa e passava por Malaca e Macau.
Esta rota comercial oriental é um bom pretexto para refletir sobre o abandono da prioridade do mar na política portuguesa, tema que perdeu gradualmente centralidade desde 2019 até à atual secundarização no ministério da agricultura.
Dos Lusíadas à Menina do Mar de Sophia, o mar é tema para múltiplas boas citações em discursos, inspiração da nossa melhor poesia e pretexto para os maiores arroubos de patriotismo em torno da gesta ultramarina. Mas é sistematicamente desaproveitado no seu potencial económico, desvalorizado no seu potencial estratégico e maltratado no seu enquadramento institucional.
Na maior parte dos 50 anos de democracia, o mar foi um apêndice na designação dos Ministérios da Agricultura, geralmente circunscrito ao setor das pescas, da Economia, como no último governo de António Costa, ou da Defesa, como com Paulo Portas que, qual herdeiro de Fuas Roupinho, era também ministro dos Assuntos do Mar.
Só com Mário Soares, entre 1983-85, com Cavaco Silva, entre 1991 e 1995, e com António Costa, entre 2015 e 2022, o mar existiu como área governativa autónoma com vocação transversal. É certo que, por vezes, a prioridade política transcende o enquadramento orgânico.
As maiores apostas no mar nas últimas décadas passaram pelo papel estratégico dado ao setor portuário e à afirmação da dimensão intercontinental da plataforma de Sines como “Porta Atlântica da Europa” que só foi possível pela continuidade e coerência entre o lado visionário de João Cravinho no super MEPAT e o estoicismo pragmático de Ana Paula Vitorino nas suas duas passagens pelo setor.
O mar foi, ao lado da Cultura e da Ciência, uma das grandes apostas redescobertas por António Costa em 2015, ainda que o próprio tenha esfriado gradualmente a sua paixão marítima. Primeiro, ao amputar o setor da sua dimensão transversal, ao retirar-lhe a área portuária em 2019, e esvaziando o que havia sido conquistado entre 2015/2019, ao diluir a área política do mar, numa das infelicidades do governo da maioria absoluta, entre a Economia, a Agricultura com o seu apêndice “Pescas” e a visão imperial da Marinha liderada na altura por Gouveia e Melo.
Mas Luís Montenegro, para além de regredir ao período minimalista na versão Agricultura e Mar que não parece ser mais do que as pescas, arrisca-se mesmo a pôr em causa os instrumentos de intervenção estratégica criados no histórico Conselho de Ministros dedicado aos temas da agenda política para o mar, presidido por Cavaco Silva a convite de António Costa, em março de 2016.
Foi nessa altura criado, por iniciativa da então ministra Ana Paula Vitorino, o Fundo Azul destinado a potenciar o desenvolvimento da economia do mar, apoiar a investigação científica e tecnológica, incentivar a proteção do meio marinho e incrementar a segurança marítima.
Este instrumento financeiro de vocação transversal foi-se afirmando com as dificuldades próprias da concorrência com os setores incumbentes instalados à mesa do orçamento e reflete atualmente as bolandas a que foi lançada a política relativa ao mar, por mais belos que sejam os discursos em cada 10 de Junho.
Até 2023, o Fundo Azul foi gerido pela Direção-Geral da Política do Mar, mas o desaparecimento do ministério levou-o para a Secretaria-Geral do Ministério da Economia, que tratava igualmente de todas as outas áreas do ministério, com o atrativo da gestão de parte substancial da componente do PRR destinada à área do mar.
Com o Governo Montenegro, o Ministério da Economia perdeu a relação com as questões do mar mas o Fundo Azul ficou por lá, com as perturbações burocráticas daí consequentes.
Com a extinção, em 22 de agosto, da Secretaria-Geral do Ministério da Economia, determinou-se que o malogrado Fundo Azul passará a ser gerido pela nova Agência do Clima, que ainda não está em funcionamento e faz parte do Ministério do Ambiente, bloqueando, entretanto, todos os pagamentos designadamente os financiados pelo PRR.
Este é um bom caso de estudo para a ousada agenda de simplificação administrativa do ministro Gonçalo Matias e uma pedra mais no sapato dos atrasos da execução do PRR para Castro Almeida.
Tudo isto perante o silêncio rural do chamado Ministro da Agricultura e “Mar”, José Manuel Fernandes, que afinal tem pouco mar e não tem fundo e só por bonomia, dada a culpa ser de muitos, tem apenas o prémio Laranja sem Sumo de hoje.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.