Querida avó,
Hoje é dia de festa no Céu.
Se fosse viva, Leonor Xavier completava 79 anos.
Partiu, fisicamente, recentemente.
Estive recentemente no lançamento do livro Adolescência, da tua grande amiga Leonor Xavier.
Vim de alma cheia.
Dois anos depois, voltei a um lançamento de livros. E logo este livro, esta autora. Não cabia mais ninguém na sala. E que bom que foi.
A tua amiga, e também jagoza, Inês Pedrosa fez uma belíssima apresentação do livro.
Como não podia deixar de ser, as idas da Leonor Xavier à Ericeira foram referidas na apresentação, com Inês Pedrosa a referir um episódio, insólito, vivido entre as duas no mar da praia do Sul, onde tu passas grande parte dos dias.
Este livro não é de todo um livro póstumo!
Este livro é o resultado de arrumações entre gavetas, estantes, livros, papéis, cartas, postais, onde Leonor reencontrou o seu diário (entre 1956 e 1960).
São literalmente os Retratos Contados de quatro anos, que correspondem à adolescência de uma escritora que era vista por uma amiga por tanta gente. Sabes que muitos a consideraram adolescente até ao seu último dia de vida.
Não posso dizer que fui seu amigo, ou que já li imensos livros da Leonor, pois isso não é verdade!
No entanto, jamais irei esquecer as vezes que estivemos juntos nos teus aniversários, e, principalmente, o dia em que Leonor Xavier nos convidou para uma tertúlia, na Igreja do Rato, sobre crentes e não crentes.
Aquele prós e contras sobre Religião, um tema tão querido à Leonor, fez com que nos tivesses aproximado bastante.
Como teria sido a sua vivência no Brasil, ao longo de 12 anos? Como seria a Leonor Xavier mulher, mãe, avó, jornalista, observadora, cristã, disruptiva, biógrafa, que lutava contra as desigualdades da sociedade?
Estava capaz de fazer uma exposição sobre a sua vida e obra.
Conta-me tudo sobre a vossa amizade, duas mulheres, nascidas no mesmo ano, que serão eternamente adolescentes.
Bjs
Querido neto,
Pois é verdade, partiu, recentemente, a minha amiga Leonor Xavier. É nestes casos que costumamos dizer “já se estava à espera, mas nunca se está à espera”.
Não me lembro há quantos anos era amiga da Leonor. Há muitos.
A Leonor era uma força da natureza. Divertida, sempre alegre, capaz das coisas mais loucas como, por exemplo, desfilar numa Escola de Samba no Carnaval do Rio de Janeiro. Claro que guardara a máscara e, na sua casa da Vila do Coito, muitas vezes a punha para se divertir e nos divertirmos com ela.
E uma mulher que pensava sempre muito nos outros. Lembro-me de a ver, na casa de Lisboa, a escolher livros que já não voltaria a ler, e a colocá-los dentro de sacos e pendurá-los junto das paragens de autocarro, para que as pessoas os levassem.
Mas também era uma pessoa muito séria. Muitas vezes reunia na casa de Vila Nova do Coito muitas amigas para tertúlias. De todos os quadrantes políticos mas, o que é facto é que ali todas nos dávamos bem com todas.
A Leonor adorava conversar. Ligava-me muitas vezes a altas horas da noite e ali ficávamos, como se fosse meio dia. E de repente ela dizia “achas que há muita gente como nós, a dizer disparates a estas horas?” Ríamos muito… e continuávamos.
Mas a Leonor era sobretudo uma mulher de fé. De uma fé inabalável. “A minha fé é que me ajuda a sobreviver”, dizia muitas vezes.
Foi ela que me mostrou o caminho para a Capela do Rato, onde dinamizava encontros entre crentes e não crentes, ao lado do Padre Tolentino de Mendonça. Lembro-me muito bem de te ter lá levado. E correu tão bem!
A Leonor sabia que ia morrer. E isso nunca a assustou. Para ela, a morte não era o fim. E antes de entrar para o IPO ainda esteve a “destralhar” a casa, para que os filhos depois não tivessem esse trabalho.
Por tudo isto e muito, muito mais, vai fazer-me muita falta.
Adorei a ideia de fazeres uma exposição sobre a vida e obra da Leonor Xavier.
Conta com a avó.
Bjs
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.