Querida avó,
Que tal essa entrada no novo ano?
Nós ficámos por casa. Apenas duas pessoas, devidamente testadas, com uma mesa muito bem composta – talvez demasiado composta, reconheço. Mesmo para ficar em casa, vesti-me, e perfumei-me, como se o réveillon fosse num hotel de cinco estrelas. À meia-noite, de copo de espumante numa mão, e dinheiro na outra, lá entrei no novo ano, pela primeira vez de pantufas (desde março de 2019 que nunca mais ninguém entrou calçado cá em casa).
Depois mando-te as fotos para veres o teu neto de fato e lacinho ao pescoço, calçado com pantufas.
Por falar em fotos, tenho aproveitado estes primeiros dias do ano, (em que o nosso dever cívico voltou a ser estar em casa, não confinados mas resguardados), para ver atentamente o belíssimo livro 500 Retratos da minha vida, do teu amigo António Homem Cardoso.
Estes Retratos Contados revelam uma resma de fotos daquele que muitos apelidam por mestre. Uma escolha (dificílima) feita pela Joaninha. São fotos de personalidades de diversas áreas recolhidas ao longo dos últimos 40 anos.
Como não podia deixar de ser, também fazes parte deste livro de Retratos. Tal como o teu Mário Castrim, que ao Mestre dedicou as seguintes palavras:
”O António. O António é uma aranha. Uma aranha honesta, o que é raro entre as aranhas. Ele faz a teia à volta da mosca. Dispõe os fios, procura a luz e anda, gira, põe lente, tira lente, olha, espreita. E quando a mosca acorda deixou a verdade de si naquela teia. E a aranha ri…”
Só um mestre das palavras para descrever, desta forma, o mestre dos retratos.
Um dia, gostava muito de ter oportunidade de ser fotografado pelo António Homem Cardoso.
De repente “entro na máquina do tempo” e a memória leva-me às fotos de infância, tiradas nos jardins, em cima de um cavalo de madeira, onde inevitavelmente o fotógrafo dizia: “Olhó passarinho!”
Que este anos nos traga muito momentos para recordarmos.
Bjs
Querido neto,
Como sabes, nunca fui muito de festejar o Ano Novo. Espero pela meia noite, como as 12 passas—e mais nada.
Quanto ao Mestre Homem Cardoso, sou muito amiga dele e da Joana embora, com esta história do vírus e da pandemia, já não os veja há muito tempo. Acho que é o nosso maior fotógrafo—e nós tivemos grandes fotógrafos: Artur Pastor, Augusto Cabrita, Eduardo Gageiro, Gérard Castello Lopes…
E claro que me lembro dos fotógrafos de rua. Ainda tenho muitos retratos, muito miúda, que me tiraram assim.
Mas, para mais fino, havia os ateliers de fotógrafos de renome onde nos levavam para tirarmos fotografias bem tiradas para oferecermos à nossa família. Lembro-me de ir a um, com os meus irmãos, chamado Gaubert. Os rapazes ficavam sentados num cavalo de pau, as raparigas encostadas à parede com muitas flores em volta. Mas o melhor de todos era o Marc Lenoir. Tenho a certeza que muitas mulheres da minha geração se lembram dele.
Agora cada um tira a cada um, com um telemóvel, e estamos aviados.
Fico feliz que estejas a gostar de folhear o livro, e, desta forma, faças uma viagem aos Retratos de várias personalidades, nacionais e internacionais, ligadas a diversas áreas, como arte, cultura, política, moda e sociedade.
O ano que agora terminou foi um ano difícil para todos. Não só por causa do vírus, mas pelas perdas que tivemos.
A Cultura ficou muito mais pobre! O ano começou com a morte de Carlos do Carmo. Mas foram muitos os que, ao longo do ano, foram partindo como a Carmen Dolores, o João Cutileiro, a Olga Prats, a Maria João Abreu e tantos outros. Mais recentemente a minha Leonor Xavier e o meu grande amigo, e Presidente, Jorge Sampaio. Sempre que consulto a minha lista telefónica vejo que cada vez são menos nomes a fazerem parte desta lista.
Enfim, aproveita bem o livro do Homem Cardoso. Muitos dos retratados já não estão cá, fisicamente, mas através desse livro será bom recordá-los.
Bom Ano
O Diário de uma Avó e de um Neto é um projeto do site Retratos Contados
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.