Há ironias difíceis de explicar: a final olímpica dos 1500 metros femininos mais lenta de sempre pode ter sido também a mais mentirosa de todas. Metade das 12 atletas que terminaram a prova foram suspensas de competição ou ficaram sob suspeita depois de terem sido apanhadas em controlos anti-doping. Das três atletas que subiram ao pódium, apenas uma (a medalha de bronze) apresenta, por enquanto, o currículo limpo.
Ninguém diria, naquele 10 de agosto de 2012, que alguma daquelas atletas estava dopada. O tempo da vencedora, a turca Asli Cakir Alptekin (4.10:23), foi 10 segundos mais lento do que o da anterior final olímpica, em Pequim 2008, e a uma distância de quase 18 segundos do recorde olímpico (3:53.96), estabelecido pela romena Paula Ivan, nos Jogos de Seul, em 1988. Mesmo os 4.03.91 de Carla Sacramento, que na final dos Jogos de Atlanta deram apenas para alcançar o 6.º lugar (a melhor classificação portuguesa de sempre), teriam sobrado para ganhar o ouro em Londres, com 30 metros de distância.
Mas a final dos 1500 metros femininos dos Jogos de 2012 foi lenta por razões táticas, já que se começa a perceber agora que havia muitas atletas com um “turbo” especial ligado.
A primeira a ser apanhada foi, precisamente, a campeã olímpica Asli Cakir Alpetkin. O caso foi conhecido em 2013, mas arrastou-se longo tempo na justiça desportiva, com a federação turca a tentar proteger a atleta – que arriscava a erradicação do desporto, por ser reincidente – e a federação internacional a insistir na sua condenação. O assunto só se resolveu em agosto de 2015, através do Tribunal Arbitral do Desporto: a atleta aceitou que lhe fossem retirados todos os títulos conquistados após 2010, o que incluiu a medalha de ouro olímpica, e a sua suspensão foi limitada a oito anos (ela tem 30, atualmente).
Embora o Comité Olímpico Internacional tenha retirado o seu nome da lista dos vencedores de Londres 2012, não foi rápido a fazer a redistribuição das medalhas. E ainda bem, para evitar vergonhas, pois esta semana ficou a saber-se que a segunda classificada, Gamze Bulut, também da Turquia, foi suspensa pela Federação Internacional de Atletismo, devido a irregularidades detetadas no seu passaporte biológico, que indicam a administração de substâncias proibidas entre 2011 e 2013.
A terceira classificada, Maryam Yusuf Jamal, do Bahrein (a primeira medalha olímpica daquele país) é, até ao momento, a única “limpa” do pódium e pode aspirar, naturalmente, a que lhe seja atribuída a medalha de ouro… quatro anos depois da corrida.
Mas já em relação à redistribuição das medalhas de prata e bronze as contas voltam a complicar-se.
A quarta classificada foi a russa Tatyana Tomashova, que cumpriu uma pena de suspensão, entre 2008 e 2010, por manipulação de amostras de doping. Não se sabe se em Londres 2012 estava ou não “limpa”. Mas mesmo que estivesse, não pode entrar agora nas contas para receber a medalha: todo o atletismo da Rússia está, atualmente, suspenso das competições internacionais, precisamente por causa de problemas com o doping.
Pode a quinta classificada, Abeba Aregawi (de origem etíope, mas agora a representar a Suécia) “subir” ao podium? Também não: foi suspensa de todas as competições, no final de fevereiro, ao ter dado positivo num controlo anti-doping, em que lhe foi encontrada a presença de Meldonium, precisamente a mesma molécula que levou à suspensão da tenista Maria Sharapova.
Descendo ainda mais na classificação, a confusão permanece, pois a sexta, Shannon Rowbury (EUA), continua “limpa”, mas a sétima já não: a classificação da bielorrussa Natallia Kareiva foi até apagada dos registos oficiais, devido a irregularidades encontradas, em 2014, no seu passaporte biológico. O mesmo procedimento foi aplicado à nona classificada, Ekaterina Kostetskaya, da Rússia, também a cumprir, desde 2014, uma pena de suspensão por doping.
Assim, caso se avance para a redistribuição das medalhas, o bronze ainda pode ir parar às mãos de Lucia Klocova (Eslováquia) ou de Lisa Dobriskey (Grã-Bretanha), respetivamente oitava e décima classificadas. Um grande quebra-cabeças é certo, mas necessário para impedir a perpetuação da mentira.