Dizem que os professores são uns privilegiados. Que passam a vida a inventar greves para esticar fins de semana, como quem estica um elástico até partir. É uma imagem bonita, quase poética: hordas de docentes, de sorriso malandro, a conspirar nos corredores das escolas, não para ensinar, mas para garantir mais um dia de praia em dezembro, nas Maldivas. Porque, claro, é isso que move quem passa noites a corrigir testes e dias a ouvir pais indignados, porque o filho não é um génio.
É curioso como esta narrativa se repete. Quem a lança, fá-lo com a convicção de quem descobriu a fórmula da preguiça nacional: professores não lutam por condições, lutam por cadeiras reclináveis à beira-mar. Salários? Carreiras congeladas? Turmas sobrelotadas? Tudo ficção. O verdadeiro drama é não conseguir reservar hotel para o feriado prolongado.
E assim se constrói o país das ilusões: onde ensinar é um hobby, fazer greve é um desporto e a dignidade profissional é um luxo dispensável. Talvez um dia alguém explique que greve não é sinónimo de férias, mas até lá, continuaremos a ouvir os arautos da moral, indignados com quem ousa pedir respeito, dignidade. Porque, no fundo, é mais fácil acusar de preguiça do que admitir que há problemas sérios na Educação.
Não é apenas uma opinião infeliz; é um retrato cruel daquilo que se tornou hábito: desvalorizar quem educa. Quando alguém com palco mediático escolhe reduzir uma luta legítima a um capricho por “fins de semana prolongados”, não está apenas a insultar uma classe profissional — está a reforçar a narrativa tóxica que alimenta a indiferença social. É fácil, demasiado fácil, apontar o dedo aos professores, porque eles não têm o poder de resposta que têm os grandes lóbis. Mas têm algo maior: a responsabilidade de formar cidadãos, mesmo quando são tratados como meros figurantes num país que prefere ignorar a sua própria decadência educativa.
Estas críticas não são inocentes; são cúmplices de um sistema que há décadas empurra os professores para o abismo da desmotivação. Salários miseráveis, carreiras longas, falta de recursos, turmas sobrelotadas e indisciplinadas — tudo varrido para debaixo do tapete, enquanto se constrói a caricatura do “professor preguiçoso”. Miguel Sousa Tavares junta-se a este coro de néscios com a elegância habitual, mas a música é sempre a mesma: culpabilizar quem resiste, ridicularizar quem exige respeito. E assim, entre ironias maldosas e desprezos sucessivos, vamos assistindo à lenta erosão da dignidade docente, como se fosse um preço aceitável para manter a ilusão de normalidade.
Quando a ignorância se disfarça de opinião, o resultado é sempre o mesmo: mais um golpe na dignidade de quem ensina. Mas não se iludam — sem professores respeitados, não há futuro que valha quatro dias de fim de semana.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.