Portugal encontra-se numa encruzilhada que já não permite adiamentos: depende da imigração para sobreviver demograficamente e crescer economicamente, mas continua sem coragem política para assumir essa evidência com clareza, estratégia e responsabilidade.
O País envelhece a um ritmo quase sem paralelo na União Europeia. Há hoje mais idosos do que jovens em proporções inéditas, a fecundidade permanece muito abaixo do limiar de reposição e a pressão sobre pensões, SNS e atividade económica deixou de ser uma projeção académica — é um facto estrutural. Sem o saldo migratório positivo, Portugal estaria já a perder população de forma acelerada.
Atualmente, mais de 1,5 milhão de residentes estrangeiros integram a vida nacional. Trabalham em setores que há anos denunciam falta de mão-de-obra — saúde, turismo, agricultura, construção, apoio social — e contribuem decisivamente para a sustentabilidade da Segurança Social, para o consumo interno e para a revitalização de territórios que, sem esta chegada, continuariam a definhar. Ainda assim, o País mantém uma relação paradoxal: precisa profundamente de imigrantes, mas comporta-se como se essa dependência fosse um incómodo político a disfarçar.
Esta contradição manifesta-se numa política migratória errática e incapaz de acompanhar a realidade. A criação da AIMA foi apresentada como modernização estrutural, mas rapidamente se tornou evidente que o Estado não dispõe da capacidade operacional necessária.
Processos intermináveis, autorizações prorrogadas em massa, articulação deficiente com autarquias e ausência de programas robustos de integração revelam um modelo que reage em vez de planear — tratando a imigração mais como problema administrativo do que como investimento estratégico.
O debate público, por sua vez, tornou-se refém de discursos simplistas. De um lado, repete-se mecanicamente que “Portugal precisa de imigrantes”; do outro, ganham espaço narrativas extremistas que associam imigração à insegurança ou à erosão cultural — ignorando que os maiores desafios do país têm origem interna. Neste ambiente polarizado, o populismo encontra terreno fértil, oferecendo culpados convenientes e soluções ilusoriamente fáceis.
A ironia é evidente: muitos dos que criticam a dependência de mão-de-obra estrangeira opõem-se simultaneamente a políticas de qualificação, reformas económicas e medidas para fixar jovens portugueses. Assim, o país permanece preso num círculo vicioso: não renova a sua base interna e hesita em gerir com inteligência a renovação externa.
Portugal precisa, acima de tudo, de visão: uma política migratória estável, articulada com habitação, mercado de trabalho, qualificações, ordenamento do território e natalidade. Precisa de programas eficazes de aprendizagem da língua, de reconhecimento célere de competências, de combate à guetização e de estratégias que respondam aos receios legítimos da população — antes que estes sejam capturados por quem vive da exploração do medo.
A questão identitária, frequentemente instrumentalizada, exige outro nível de maturidade. Portugal nunca perdeu identidade por integrar quem chega; pelo contrário, sempre se reinventou ao longo da sua história. O que ameaça a identidade não é a diversidade — é a estagnação: o envelhecimento acelerado, a desertificação do interior, a falta de inovação, a quebra da natalidade, a incapacidade de renovar setores estratégicos.
A verdade é direta: sem imigração, Portugal encolhe, empobrece e envelhece. Com má integração, fragmenta-se. Com políticas sérias, ganha futuro. A escolha não é entre abrir ou fechar fronteiras, mas entre governar com inteligência ou insistir numa ilusão insustentável.
Num país em que a demografia acelera o relógio e a força de trabalho diminui, ignorar esta realidade deixou de ser opção. Ou Portugal assume a imigração como pilar central da sua sustentabilidade — planeando com rigor e integrando com dignidade — ou arrisca-se a tornar-se uma sociedade mais frágil, mais dividida e inevitavelmente mais pobre.
A política pode hesitar; a demografia, essa, nunca espera.
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