Numa brincadeira que circula nas redes sociais, o professor pergunta num teste: “Que nome se dá à Ciência que classifica os seres vivos?” E o aluno responde: “Racismo.” Somos todos Homo sapiens sapiens e não coexistimos com mais nenhuma subespécie humana. Para a Ciência, não existem raças, uma vez que os seres humanos partilham 99,9% do ADN, não justificando a sua divisão.
Certamente haverá uns mais sapiens do que outros, uns mais altos e outros mais baixos, uns com a pele mais clara e outros com a pele mais escura – são as diferenças de fenótipos que estão nos 0,1% restantes do ADN. As raças são uma construção social altamente influenciada pelo contexto em que vivemos.
Ainda que sem nenhuma base genética nem biológica, o facto é que a classificação do ser humano por raças, feita pelo antropólogo alemão Johann Friedrich Blumenbach, no século XIX, ainda permanece no imaginário dos povos europeus. Eram cinco, dizia ele, a caucasoide, a mongoloide, a etiópica, a americana e a malaia. Sendo que o “tipo” humano perfeito, para o alemão, se encontrava nas montanhas do Cáucaso.
Mas se a Ciência nos conta uma história, a de que partilhamos 99,9% do ADN, a política sempre nos contou outra e seguimos num mundo em que a partilha de 99,9% dos direitos humanos é ainda uma miragem. No nosso país, por exemplo, encontramos várias “subespécies” de pessoas que não têm direito a algo tão básico como a família.
O Governo quer alterar a Lei de Estrangeiros, que permite o reagrupamento familiar de quem cá está com título de residência, desde que tenha entrado no País de forma legal – a proposta do Executivo de Luís Montenegro é a de que tenham de esperar dois anos, com título de residência, para poderem ter consigo a família.
O mundo é feito de fronteiras e podemos deixar de lado a utopia cristã de que somos todos filhos de Deus – “crescei e multiplicai-vos”, uma conta que não fala em divisões – para ter uma conversa séria e moderna sobre a necessidade de criar uma política de imigração regulada dentro dos muros europeus. Mais difícil de entender é a proposta governamental de que, entre a “subespécie imigrante”, haja Homo sapiens sapiens que podem trazer a família e outros não.
Como é que se faz esta distinção? Quem é profissional altamente qualificado ou quem tenha um Visto Gold pode trazer a família de imediato. E aqui está a principal “característica” que não aparece nos 0,1% do ADN que não partilhamos, mas é um fator distintivo definitivo e universal: já nem é a cor da pele, mas o tamanho dos bolsos.
Já dizia Durão Barroso, nosso ex-primeiro-ministro e ex-presidente da Comissão Europeia: “Há limites para o multiculturalismo.” Uma coisa são as grandes multinacionais que espalham pelo mundo a sua monocultura – como o Goldman Sachs, o banco de investimento do qual Durão Barroso foi presidente não executivo –, outra é juntar mais línguas a esta Torre de Babel que já é a Europa.
O que mina a discussão sobre a imigração – que se quer séria, responsável, gentil, para não semear ódios nem incitar à violência e ao racismo – é o reino da hipocrisia.
Como ter agora o Chega a fazer a defesa das mulheres, outra “subespécie” humana, contra o uso de burkas. Como se os seus deputados não fossem dos maiores bullies contra as mulheres na Assembleia da República. O que sobra disto para a sensatez?