A ARTE – O PCP é um dos partidos comunistas mais antigos do mundo, ainda em plena atividade, e dos raríssimos que detém parcelas de poder eletivo, no Ocidente. Fundado em 1921, ainda é do tempo de Lenine. A sua resiliência deve-se à experiência e ao prestígio acumulados na luta contra a Ditadura salazarista, como única força orgânica da oposição. O facto de ter produzido mártires e heróis faz com que ainda viva da pretérita glória, mantendo intacta a sua aura romântica. O trabalho revolucionário de Álvaro Cunhal, na frente interna e na frente externa, cumpriu os seus principais objetivos: externamente, contribuiu, através da infiltração no MFA, para que as ex-colónias portuguesas ficassem na órbita da “Pátria do Socialismo”, a União Soviética, e não entregues ao “imperialismo americano”. Na frente interna, garantiu, por décadas, a gratidão de bastiões comunistas (um seguro de vida eleitoral) como o da Zona de Intervenção da Reforma Agrária. Com as mudanças sociais, as dinâmicas eleitorais e a adesão europeia, o partido acentuou o seu declínio, iniciado em 1975, quando revelou a sua face antidemocrática, avessa ao primado da representatividade eleitoral. Hoje, tem uma presença modesta nas instituições: apenas um eurodeputado, quatro deputados na AR e 19 câmaras municipais, onde se incluem, somente, duas capitais de distrito. Detém, ainda, uma considerável força sindical, explicada, em grande parte, pelo peso do Estado e da Administração Pública.
O ARTISTA – Paulo Raimundo. Ele representa a continuidade do regresso às origens operárias, reiniciada com Jerónimo de Sousa, depois das lideranças intelectuais de Álvaro Cunhal e de Carlos Carvalhas. A sua urgência é estancar a sangria institucional, segurando o maior número possível de autarquias, em ano eleitoral autárquico. Do congresso do passado fim de semana, cada delegado saiu da sala como um missionário. O alerta do conclave foi o de reconhecer a progressiva irrelevância do partido e a missão de se fazer alguma coisa contra isso. A ideia, agora, é a de arregimentar todos “os homens de boa vontade” (intenção implícita no convite ao cardeal D. Américo Aguiar para assistir ao encerramento do congresso, não à espera que o bispo de Setúbal apoie a CDU mas na expectativa das boas graças do eleitorado católico…). Mobilizar comunistas ou independentes, que queiram colaborar num projeto de “honestidade, trabalho e competência”. Se bem percebemos, cada militante terá de ser um influencer, dentro da sua carteira de contactos. Abrir o partido é ir à pesca de quadros, lá fora, sem lhes exigir nada em troca, a não ser o favor de darem a cara, nas autárquicas, pela CDU. O líder do PCP tem a imagem de pessoa simpática, que fala a linguagem do povo, “pão, pão, queijo, queijo”. O estilo vem de Jerónimo de Sousa, com quem era impossível antipatizar. A simpatia por dirigentes de partidos radicais não significa, necessariamente, votos: significa que já não são ameaça. Os votos, nestes partidos, vêm mais facilmente com personalidades disruptivas e provocadoras, capazes de suscitar antagonismo e rejeição (vide André Ventura). A receita da simpatia não funcionou com Jerónimo e tem falhado, clamorosamente, com Raimundo. Também o Belenenses é um clube com que toda a gente simpatiza ‒ e veja-se onde está o Belenenses…
E A SOCIEDADE – A extinção do operariado proletário, substituído pelos serviços, na antiga Cintura Industrial de Lisboa, e do campesinato alentejano, substituído por imigrantes asiáticos, retirou ao PCP o seu chão. A narrativa dos comunistas, reiterada neste congresso, é dificilmente apreendida pela sociedade portuguesa. Dizer que os trabalhadores são vítimas do capitalismo, representado, sempre, pelo grande Satã norte-americano, e dar como alternativa ao “pensamento único” as potências que representam “os povos libertados” da China (onde os trabalhadores não têm voz nem direitos), da Rússia (onde os defensores da paz estão presos ou mortos), ou da Venezuela (onde uma cleptocracia corrupta vive bem com a fome generalizada), não convence um eleitorado que os comunistas precisavam de recuperar. Sim, os jovens emigram, mas não é para fugir ao capitalismo: eles demandam países ainda mais capitalistas, como a Alemanha, o Reino Unido ou os EUA. E no dia 18 de janeiro, quando o PCP sair à rua, na anunciada manifestação pela paz, os portugueses estranharão não ver cartazes onde se interpele o senhor Putin, que, tendo iniciado a guerra, é o único que a pode parar.
* Título de um livro de Álvaro Cunhal, Editorial Caminho, 1997
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