Ponto prévio: sim, nas democracias, o povo é soberano. E uma boa parte do povo anda com medo do futuro (e dos “outros”) um pouco por todo o lado.
No quartel-general do partido SPD em Potsdam, Alemanha, ontem ao final do dia respirou-se de alívio. Muitas sondagens davam como possível uma vitória do AfD, de extrema-direita, no estado de Brandenburgo mas isso não veio a confirmar-se. Mesmo em termos simbólicos esse teria sido um momento muito marcante não só para a Alemanha mas para toda a União Europeia.
Foi em Potsdam que, entre 17 de julho e 2 de agosto de 1945, se definiu a ordem mundial pós-guerra. Estaline, Harry Truman e Churchill (substituído a meio pelo trabalhista Clement Attlee, que entretanto venceu as eleições em Inglaterra) encontraram-se ali para, na Conferência de Potsdam, construírem sobre as ruínas do imperialismo nazi. Brandenburgo é o estado que rodeia a capital da Alemanha, Berlim, fez parte da RDA e desde a reunificação, em 1990, foi sempre governado pelos sociais-democratas do SPD. Nas eleições deste domingo a vitória foi tangencial: o partido do chanceler Olaf Scholz teve 30,9% dos votos e o AfD 29,2%. Ambos aumentaram em relação às eleições de 2019 e cantaram vitória (os líderes do partido de extrema-direita falaram de um “enorme sucesso”). As eleições foram muito participadas (há cinco anos votaram 61% dos eleitores e agora 73%) e o voto útil parece ter tido um papel muito importante nos resultados finais. Segundo a agência Reuters, cerca de três quartos dos que votaram no SPD não o fizeram com grande convicção mas sim com o objetivo de afastar a AfD do primeiro lugar. Recorde-se que no início deste mês, a AfD venceu mesmo as eleições estaduais na Turíngia e ficou em segundo na Saxónia. As próximas eleições gerais no país mais populoso e com a economia mais forte da União Europeia estão marcadas para o final de setembro de 2025.
Um pouco por todo o mundo democrático há um tema que tem um grande impacto nos resultados eleitorais e na subida dos partidos populistas conservadores e de extrema-direita: a imigração. Esse é, aliás, um dos assuntos sempre presentes na renhida campanha eleitoral que opõe, nos EUA, Kamala Harris e Donald Trump (que aposta forte na retórica anti-imigração).
Para não cairmos num mundo de nacionalismos fechados, hostis e egoístas – num momento em que na ONU se fala de “multilateralismo” e de uma “Pacto para o Futuro” – a integração social e económica dos imigrantes é um dos grandes desafios do nosso tempo. Também em Portugal, onde, como nunca antes, se levantam vozes contra a “imigração excessiva” (esse é mesmo o mote de uma “manifestação contra a imigração descontrolada e a insegurança nas ruas” convocada pelo Chega para o próximo sábado, 28, em Lisboa).
No recentemente divulgado Relatório de Migrações e Asilo 2023 (feito pela AIMA, Agência para a Integração, Migrações e Asilo) dava-se conta de que têm autorização de residência em Portugal 1 044 606 cidadãos estrangeiros (um aumento de 33,6% em comparação com 2022). E um estudo recente da Faculdade de Economia da Universidade do Porto afirmava que é preciso que esse número aumente ainda mais nos próximos anos para garantir o crescimento da economia nacional, contrariando a ideia de que os imigrantes “empurram os nacionais para fora do mercado de trabalho” e sublinhando que “uma economia mais dinâmica e um maior nível de vida pressupõem que Portugal se organize para acolher um fluxo ainda maior de imigrantes no futuro de forma controlada.” O grande desafio é mesmo dar condições dignas de vida aos que chegam a Portugal para trabalhar (e aí, a habitação é um dos grandes problemas). Sem medos injustificados e com esperança no futuro de todos.
(Este artigo faz parte da newsletter VISÃO DO DIA, de 23 de setembro)