A regulação do peso corporal é um mecanismo fisiológico tão primitivo e fundamental como o controlo da temperatura corporal ou da frequência cardíaca.
Ao longo da evolução da espécie humana, foram selecionados diversos traços genéticos que nos permitiram aumentar a eficiência energética e sobreviver, mesmo nos períodos de maior carência alimentar. Apenas os indivíduos que conseguiam armazenar o excesso calórico sazonal, sobre a forma de gordura, eram capazes de sobreviver. Este mecanismo de adaptação, que foi fundamental para a continuidade e desenvolvimento da espécie, resultou numa disfunção metabólica que favorece a acumulação de tecido adiposo (obesidade). Esta doença (felizmente, já reconhecida como tal) esteve sempre presente ao longo da evolução da Humanidade, não sendo identificada como patologia, dado que a esperança de vida era condicionada por doenças infecciosas ou pela subnutrição. Apenas os indivíduos mais “prósperos” eram capazes de desenvolver o fenótipo (a expressão do que está escrito nos genes) da obesidade, porque apenas estes tinham acesso “fácil” aos alimentos. Durante várias gerações ouvimos dizer que “gordura é formosura”, essencialmente porque a obesidade traduzia um ambiente de abundância e permitia que as pessoas sobrevivessem à maioria das doenças fatais de então.
No século XX, com o desenvolvimento social, higiénico, tecnológico e da Medicina em geral, a maioria da população deixou de morrer em idade jovem e passou a estar em risco de sofrer de doenças associadas ao envelhecimento (essencialmente doenças cardiovasculares e cancro). Esta alteração do padrão epidemiológico fez com que de “formosura” a obesidade passasse a doença. Por outro lado, o desenvolvimento económico permitiu que a maior parte da população tivesse acesso facilitado a alimentos e o gasto energético associado a atividades eminentemente físicas fosse gradualmente reduzido. Este desequilíbrio energético aproveitou o património genético consequente a milhares de gerações de seleção natural dos indivíduos mais “eficientes” a conservar energia e culminou na epidemia, à escala global, da obesidade. Foi então no século XXI que mais pessoas no mundo passaram a morrer por causas associadas à obesidade do que à subnutrição.
É, portanto, essencial reconhecer o “peso” da obesidade na saúde global e encetar estratégias de luta e prevenção eficientes. Felizmente, o avanço do conhecimento científico trouxe-nos tratamentos eficazes para a doença da obesidade. Hoje em dia, percebemos que para tratar a obesidade a “simples” mudança de estilo de vida e hábitos alimentares não é suficiente. A obesidade pode ser tratada no âmbito de equipas multidisciplinares e dedicadas, e o seu tratamento poderá passar por um conjunto de alterações de estilo de vida, apoio nutricional e psicológico, tratamento farmacológico (medicamentos) ou cirúrgico. Atualmente, a cirurgia é a solução eficaz para os casos mais graves de obesidade e constitui uma opção terapêutica, duradoura e segura, que tem originado uma crescente procura de ajuda médica para travar esta doença crónica multifatorial e a enorme epidemia a que assistimos à escala global!
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