O XXIII Governo Constitucional celebrou, na semana passada, seis meses de existência. Pode parecer surpreendente, mas a verdade é mesmo essa: só passou meio ano. E convenhamos que era difícil imaginar seis meses mais conturbados para um governo com uma maioria absoluta no Parlamento.
Vale a pena lembrar alguns dos percalços. Desde logo, o caso da violentíssima desautorização do ministro das Infraestruturas que, incompreensivelmente, não acabou nem com o seu pedido de demissão nem com a sua dispensa liminar por parte do primeiro-ministro. Se há episódios reveladores do cinismo gélido de que também se faz a política, este é seguramente um deles.
Tivemos depois o caso de Marta Temido. Incompreensível e insistentemente amparada (e reconduzida) apesar dos resultados medíocres dos seus mandatos, a ex-ministra deixou para a posteridade um rasto de guerras estéreis, uma exibição de preconceitos ideológicos gratuitos, mas sobretudo um SNS com mais meios e com menos resultados. Acabando por sair do Governo, como aqui escrevi, na sequência de um episódio em que não se vislumbra qualquer razão direta para a sua queda.
Como se não bastasse, foi então a ministra da Agricultura que veio sugerir que os apoios do Governo eram dados em função das simpatias políticas dos agricultores atingidos pela seca. A que se seguiram as trapalhadas da nomeação abortada de Sérgio Figueiredo, do evidente conflito de interesses na atribuição de fundos ao marido da ministra Ana Abrunhosa e, mais recentemente, o triste espetáculo da trituração pública, por parte da máquina do PS, de um ministro da Economia que tem como pecados capitais ser independente e ter o hábito de dizer o que pensa.
Tudo isto são casos e descoordenações a mais num Governo tão novo.
Mas tudo isto são sobretudo casos e descoordenações a mais num Governo que tinha condições de governação únicas e que se vê, assim, bloqueado e paralisado na sua ação política, num momento da vida nacional em que se esperaria que essas condições de governação fossem postas ao serviço de uma energia reformista que corrigisse a rota de estagnação económica (e empobrecimento relativo) que tem sido o nosso fado nos últimos 20 anos.
No fundo, é isso que veio dizer esta semana, e com inteira razão, o grande mal-amado da política portuguesa que é o Presidente Cavaco Silva. No fundo, é isso que demonstram as sondagens esta semana publicadas e que revelam que, em seis meses, os portugueses passaram de fazer uma avaliação muito positiva do trabalho do Governo para uma avaliação genericamente negativa.
Tudo isto dito, vale a pena sublinhar duas coisas sobre as causas deste marasmo. A primeira é que é verdade que o Executivo enfrenta neste momento uma conjuntura internacional muito difícil, que lhe dificulta a ação governativa e em relação à qual não tem responsabilidade nenhuma.
Mas há também uma segunda verdade que precisa de ser dita: há um pecado original na composição deste Governo que explica muito desta entropia e desta consequente falta de capacidade reformista. Disse-o logo a seguir às eleições: António Costa era então o homem mais livre de Portugal. Ganhou, com mérito próprio, uma maioria absoluta contra tudo e contra todos (inclusivamente contra os seus adversários internos no PS). Livrou-se do espartilho da Geringonça. Não tencionava recandidatar-se. Tinha todos os graus de liberdade para formar um Governo livre de cedências a parceiros parlamentares radicais, tinha todas as condições para escolher um elenco governativo sem estar preocupado com equilíbrios internos no partido. Podia ter atraído (quase) quem quisesse. Optou, num contexto radicalmente diferente do seu executivo anterior, por um Governo cansado, de continuidade, com uma mistura de amigos fidelíssimos e de crónicos inimigos que quis manter por perto. Foi, como se está a perceber, uma oportunidade perdida.
Tudo isto é sobretudo muito negativo para Portugal. Digo-o sem qualquer ironia. Pode ser que a oposição, à procura de sair dos seus próprios descaminhos, tenha sonhos pueris com a queda do Governo. Mas é óbvio que isso nem vai nem tem de acontecer. E assim sendo, qualquer português de bom senso preferiria que o Executivo recuperasse um mínimo de energia vital.
Notas em Forma de Assim
INDIGNIDADE
Percebo muito bem que se aumentem as medidas de coação a Duarte Lima. Mas não consigo perceber uma Justiça que se compraz em recorrer à humilhação pública dos acusados ou condenados. Por mais abjetos que sejam os seus crimes.
AHAB
A AHAB foi uma pequena editora com uma existência fugaz no panorama livreiro em Portugal. Que eu saiba, morreu sem alarido. Mas cada uma das suas edições é uma pequena preciosidade. Encontrei várias na Feira do Livro. Andam por aí. Num alfarrabista perto de si.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.