Não sejamos maniqueístas. A governação PS desde 2015, digo-o sem ironias nem reservas mentais, teve um mérito indisfarçável: o das contas certas. E digo que o mérito é indiscutível por duas razões. A primeira é política: Costa roubou à direita a sua principal bandeira, o que, em boa parte, explica, tanto como os desmandos das lideranças do PSD e CDS, a crise profunda em que aquela se tem visto mergulhada. A segunda é substantiva e é, portanto, mais significativa: numa altura em que escurecem no horizonte as nuvens da conjuntura económica, o País estaria seguramente em condições muito mais adversas para enfrentar os desafios de uma subida de juros se o caminho tivesse sido outro. É certo que não podemos afastar o cenário de um reacender da crise das dívidas soberanas, nem sequer podemos ignorar as ameaças existenciais que continuam a pairar sobre o euro. Mas a verdade é que, sem a disciplina de Centeno e Leão, a perceção sobre o risco da nossa dívida seria seguramente outra.
Infelizmente, nem todos os meios justificam os fins. E se estes parecem, como ficou dito, inquestionavelmente positivos em termos de contas públicas, a verdade é que a forma como foram atingidos foi absolutamente perversa. De facto, a governação socialista, confrontada com limitações orçamentais que entendeu (e bem) respeitar, escolheu o caminho da ilusão. Em vez de empreender uma reforma profunda do Estado e da administração pública que fosse potenciadora da eficácia da alocação de recursos públicos e da qualidade dos serviços prestados, preferiu uma política de cortes cegos e silenciosos. Em vez de escolhas difíceis, em vez de um corajoso estabelecimento de prioridades, que, num contexto de escassez, permitissem que o Estado continuasse a assegurar as suas funções primordiais e críticas com um mínimo de dignidade, preferiu atuar longe dos olhares dos portugueses, sob o manto opaco das cativações.