Há 152 milhões de mulheres com Transtorno Disfórico Pré-Menstrual, um problema de saúde mental do leque dos transtornos depressivos. São cerca de 8% das mulheres em idade fértil, percentagem seguramente mal estimada pelo preconceito, pelo “recato” e pela total ausência de respostas de medicina integrativa. O subdiagnóstico leva ao subcálculo dos custos socio-económicos, ainda assim tremendos: cerca de 14% de absentismo e uma redução de 15% na produtividade das trabalhadoras; a perda de 15 milhões de anos de vida ajustados pela incapacidade; um risco de suicídio 7 vezes mais alto nas mulheres com TDPM, chegando 16,2% à tentativa. O TDPM, o primo maquiavélico da Tensão Pré-Menstrual, é uma forma específica, cíclica, de depressão, que ocorre repetidamente durante os últimos 12 dias do ciclo e remite no início da menstruação, com sintomas (sobretudo) emocionais e afetivos tão graves e debilitantes que provocam incapacidade funcional das doentes.
As mulheres são educadas para ignorar a complexidade hormonal, emocional e social da condição feminina. A menstruação continua a ter uma conotação negativa, de instabilidade, incompetência e, logo, exclusão de oportunidades. A sociedade, numericamente paritária – 4 mil milhões para cada lado -, paternaliza qualquer problema de saúde de género. E no reino dos preconceitos, cruzar saúde mental e mulheres gera a tempestade perfeita. Quando a Espanha se junta ao Japão, Coreia do Sul, Indonésia, Zâmbia e Taiwan, e consagra a licença menstrual, a mudança que se impõe é muito mais prática do que legislativa: a saúde menstrual mental das mulheres é um problema social, económico, da saúde pública de todos – homens incluídos. Não há saco de água quente global que mude isto.
“Período não é doença”, a frase que nos acompanha o crescimento e que sintetiza a profunda ignorância a que votamos a saúde menstrual. A flutuação hormonal tem uma repercussão enorme na vida feminina, contribuindo indelevelmente para a maior prevalência de transtornos depressivos e desordens cognitivas nas mulheres – o risco é 2 vezes superior ao dos homens. A ausência de educação menstrual percorre o tecido social ao ritmo das nossas intensas alterações de humor e dores de barriga. Se somos metade dos terráqueos, 80% sofre de sintomas variados da ginecológica-endocrinológica TPM, e pelo menos 8% de TDPM, imagine-se o impacto socio-económico dos distúrbios pré-menstruais. Mensurá-los é tarefa ímpia, precedida de séculos de vergonha reprodutiva, como se ter o período, pior que doença, fosse pecado. E acompanha-o a ausência de resposta integrada: se conhecer um(a) ginecologista que chame ao diagnóstico um(a) psiquiatra, ou um médico da psique que chame à solução um(a) endocrinologista, sinta-se privilegiado. Mas quando é que o período é um transtorno de saúde mental?
Semana anterior à chegada do período. Oscilações dramáticas de humor, irritabilidade, disforia – o antónimo de euforia -, ansiedade. Os sintomas vão desaparecer nos primeiros dias de menstruação e voltar no mês seguinte. Mas enquanto duram, são de tal modo intensos, debilitantes e graves que comprometem a capacidade de funcionar e trabalhar. Sejam mal-vindas ao odioso TDPM – o transtorno depressivo que só foi cientificamente reconhecido e catalogado como doença mental em 2013, e de causa ainda por concluir. Uma coisa sabemos, o risco de transtornos depressivos nas mulheres é superior por causa da complexidade do nosso sistema hormonal reprodutivo: o organismo masculino produz uma única hormona sexual ou reprodutiva, a testosterona; já o corpo feminino vive em bipolaridade hormonal – 14 dias de predomínio da produção de estrogénio, 14 dias em que predomina a produção de progesterona.
Os fatores biológicos do TDPM explicam, mas não integralmente, a origem e extensão da doença. As flutuações de progesterona desencadeiam, no sistema nervoso central, uma reação severa e abrupta na atividade dos neurotransmissores: uma ruptura de serotonina, o que explica o início agudo e repentino dos sintomas, e também a sua muito rápida remissão. As mulheres que sofrem de TDPM não têm um desequilíbrio hormonal, mas antes uma particular sensibilidade às flutuações de progesterona e uma transmissão atípica e menor densidade dos receptores de serotonina – o que, suspeita-se, se deve a um distúrbio celular no cérebro. Juntam-se à explicação fatores ambientais e psicossociais, decorrentes da multiplicidade de papéis sociais das mulheres ou “dupla jornada”, e consequentes níveis de stress.
Diagnosticar o TDPM é tarefa espinhosa, e a comunidade médico-psiquiátrica está sobremaneira mal equipada ou disponível. Só com insistência e esforço em causa própria conseguiremos mudar o panorama. Como? Autoavaliação.
A timeline do inimigo é conhecida. Um ciclo menstrual normal tem 28 dias, começa no primeiro dia de menstruação e finda no último dia anterior à menstruação seguinte. Passa por 3 fases, folicular, ovulatória e lútea, e é nesta que a saúde mental nos periga. É essencial determo-nos na prevalência e consequências: os sintomas devem ter ocorrido na maioria dos ciclos menstruais nos últimos 12 meses, e a sua intensidade provocado incapacidades funcionais graves, sofrimento e prejuízo social e profissional.
Apesar de estarem identificados cerca de 150 sintomas associados às perturbações pré-menstruais, são os emocionais, afetivos e comportamentais que importam a esta equação maldita. Devem estar presentes pelo menos 5 sintomas, somados entre os principais e os adicionais. A auto-análise é tão importante que a melhor ferramenta do diagnóstico é o Daily Record of Severity of Problems.
Ser mulher continua a ser tarefa árdua em múltiplas frentes. Na saúde mental, embate na inexistência de um sistema público, na rigidez da classe médico-psiquiátrica, na mudez entre especialidades e, também aqui, ignorando que reconhecer as diferenças de género são o caminho da igualdade. Um diagnóstico célere de TDPM vive do nosso engenho, sorte e insistência, não nos conformando com diagnoses que não sentimos nossas. Depois de uma década típica, a minha depressão decidiu ser cíclica, rítmica e intervalada – TDPM, portanto. O diagnóstico errado que me ofereceram foi bipolaridade e, por achar que os psiquiatras saberiam mais que eu, experimentei brevemente terapia medicamentosa para a depressão bipolar. Asneira tremenda e dolorosa, e uma convicção para a vida: ouvir-me, estudar-me, rejeitar a fast psychiatry. Não há diagnósticos de saúde mental simplistas – mas há sempre soluções.
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