No próximo dia 8 de abril vão ter lugar as comemorações dos 40 anos da APAH (Associação Portuguesa dos Administradores Hospitalares). Trata-se de uma associação que congrega os diplomados portugueses em administração hospitalar (grau de licenciatura e pós-graduação em administração hospitalar pela Escola Nacional de Saúde Pública/Universidade Nova de Lisboa) e que exercem funções na rede hospitalar pública, nos hospitais privados e também nos cuidados de saúde primários.
Faz por isso sentido analisar esta profissão no contexto dos serviços de saúde, em que os principais protagonistas são os que prestam cuidados diretos ou indiretos na área clínica, como médicos, enfermeiros, farmacêuticos, psicólogos, técnicos superiores de diagnóstico, etc.
A gestão dos serviços de saúde reúne hoje um conjunto de atributos e de competências, outrora consideradas de apoio e de natureza secundária ou auxiliar. Na verdade, à medida que a saúde se foi transformando numa “indústria” complexa, cientificamente mais bem preparada e reunindo uma plêiade cada vez mais variada de profissões e de tecnologias, as questões da organização e da gestão passaram a assumir também mais importância e mais protagonismo. À liderança profissional ligada à prática clínica, acrescentou-se, assim, a liderança gestionária, por definição associada à melhor organização dos meios e à obtenção de mais e melhores resultados para os cidadãos (eficiência e rentabilidade). A magnitude dos recursos envolvidos hoje nos sistemas de saúde (cerca de 18% do PIB nos EUA e na casa dos 10% na média dos países europeus) exigem destes respostas consentâneas com as expetativas dos utentes e com os gastos incorridos.
Falar-se em organização e gestão na saúde era, há 40 anos atrás, sinónimo de “economato”, ou seja, aprovisionar a tempo e com qualidade as necessidades médicas, tratar das questões administrativas, da alimentação, da limpeza e das roupas. Pouco mais se exigia ou esperava dos gestores desse tempo, pese embora o esforço que muitos deles já desenvolviam para introduzir nos hospitais uma nova cultura, que passava por análises de desempenho ou indicadores de medida de processos e de resultados. Do mesmo modo, as questões financeiras eram colocadas de forma burocrática, sendo os hospitais financiados de acordo com o que gastavam, sem qualquer referencial que contribuísse para explicar as razões da despesa. O lema era: se há doentes os gastos são os que têm de ser. As questões de racionalidade, adequação e produtividade não tinham particular relevância e eram encaradas como supletivas ou matéria de curiosos.
Acontece que a maioria das despesas de saúde estão hoje diretamente relacionadas com as prestações médicas ou de assistência técnica aos doentes (honorários, medicamentos, procedimentos invasivos, instalações técnicas especiais, equipamentos médicos mais evoluídos e mais caros, quer na aquisição, quer na manutenção, sistemas de informação clinica cada vez mais automatizados e imprescindíveis, robotização diagnóstica e terapêutica, etc.). Ou seja, as questões hoteleiras ou de aprovisionamento, embora continuando a ser tecnicamente relevantes, deixaram de ser o foco da gestão, para esta passar a ser cada vez mais orientada para a componente clínica.
Os administradores hospitalares de hoje assumem responsabilidades na gestão de serviços médicos, na perspetiva de pugnar por melhores resultados com custos controlados. Quando os hospitais se organizam por centros de responsabilidade, o que está em causa é administrar recursos próprios, como equipamentos, camas, medicamentos, dispositivos médicos e pessoas, de forma mais racional, garantindo um nível de acesso e de qualidade de serviço aos seus utentes (reduzir ou eliminar tempos de espera, diagnosticar sem hiatos temporais ou ausência de tecnologia apropriada, avaliar e corrigir os níveis de infeção, minimizar os acontecimentos adversos, ter sucesso nas terapêuticas instituídas, dar satisfação aos doentes e cumprir o orçamento contratualizado). Para assumir estes compromissos precisamos de equipas clinicas envolvidas com os objetivos traçados, em permanente diálogo e articulação com os gestores. Os gastos dos hospitais e os níveis de qualidade atingidos são, os primeiros reduzidos e os segundos potenciados, com perfis de gestão multidisciplinar ajustados aos serviços clínicos. A ideia, muito difundida, de que para se fazer mais e melhor se exige sempre mais recursos, pode ser frequentemente contrariada com uma boa gestão.
Para este esforço e esta mudança de filosofia é necessário dispor de instrumentos de avaliação e de acompanhamento da atividade clínica e comparar serviços que tratam doentes similares. A gravidade e a complexidade dos doentes influenciam naturalmente os resultados e têm que ser ponderados, quando se comparam entidades diferentes ou quando se define um orçamento de exploração. A análise meramente produtivista, em que quem faz mais é melhor, está longe de retratar convenientemente a excelência ou a qualidade de um serviço ou de um hospital. Daí a necessidade de discriminar positivamente quem obtém melhores resultados, traduzidos em mais saúde, em função da complexidade dos seus doentes. Muitos administradores hospitalares têm dedicado uma parte substancial do seu tempo a estudar e a implementar modelos de avaliação sobre o desempenho clínico, como sejam os sistemas de classificação de doentes, o benchmarking clínico e o ajustamento dos modelos de financiamento prospetivos orientados pela “performance” atingida. É certo que muitos profissionais, sobretudo médicos e enfermeiros, se têm dedicado também a estes aspetos, mas isso traduz apenas a imprescindibilidade do trabalho multidisciplinar que hoje a gestão da saúde exige. Não há já antagonismos entre gestores e cuidadores profissionais, como ocorria no início deste caminho da administração profissional dos hospitais. A atividade de todos é hoje complementar e solidária e é decisiva para gerirmos bem e com sucesso os avultados recursos que são postos ao dispor dos serviços.
Também o setor privado se profissionalizou quanto à gestão. Das clínicas, em que cada médico tinha o seu momento e o seu espaço reservados para consultas, cirurgias ou para internar doentes, sem regras de desempenho a cumprir, passamos nos últimos anos para uma gestão global, integrada e profissional dos serviços privados, alicerçada em métricas objetivas de avaliação e de atribuição de incentivos. Diga-se, a propósito, que o setor privado tem sido um bom exemplo da importância da gestão no setor hospitalar, que teve até o seu expoente na forma como os grupos privados geriram e entregaram resultados para os cidadãos quando estiveram a gerir os hospitais públicos em regime de PPP.
Uma das componentes mais relevantes nos custos dos serviços de saúde é a que diz respeito aos recursos humanos (salários, horas de qualidade e horas extraordinárias). Representam mais de 41% das despesas anuais do SNS (cerca de 5 mil milhões de euros em 2021), o que se justifica pela natureza do modelo de atividade, eminentemente trabalho-intensivo. Mas é justamente por isso que estes recursos exigem uma gestão profissional que permita a racionalidade, a flexibilização e a distribuição adequada dos profissionais. Sabemos que este tema não está isento de polémica e é suscetível de aproveitamentos corporativos que importa considerar. Por outro lado, a legislação sobre recrutamento, carreiras e remunerações na função pública trava uma gestão racional dos recursos humanos deste setor e impede as administrações hospitalares de utilizarem os processos mais adequados de avaliação e de remuneração. Os administradores sentem este problema todos os dias e têm bem consciência do muito que se poderia racionalizar neste domínio. Por isso, têm pugnado por mais autonomia nas suas tarefas de gestão, sobretudo quanto à contratualização e responsabilização do seu orçamento e quanto ao recrutamento, seleção e regimes de trabalho dos seus profissionais (com liberdade para criar incentivos, premiar o mérito ou penalizar o desleixo ou a incompetência). Diga-se, a propósito, que as grandes diferenças a que se assistiu nas experiências em PPP face aos hospitais EPE foram justamente nestes dois domínios, o que teve como consequência maior agilidade e melhores resultados nas primeiras. O Estado tem sido incapaz de reproduzir essas boas práticas no setor público e é tempo, agora, de ultrapassar essa impotência crónica. Estamos a falar de empresas que gastam individualmente, nalguns casos, mais de 450 milhões de euros por ano, pelo que se exige uma gestão profissional dos seus recursos. Mas também os doentes agradecerão quando os hospitais diminuírem drasticamente os seus tempos de espera, virem as suas consultas realizadas à hora marcada, os seus dias de internamento a não se prolongarem injustificadamente ou os riscos de contraírem uma infeção devidamente controlados.
NOTA: Suspendo a publicação do índice semanal de risco ajustado da SARS – CoV -2. O facto de a DGS ter passado a publicar os respetivos dados apenas num resumo semanal, retira a possibilidade de análise diária da evolução do vírus, necessária para compor o índice.
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.