O triunfalismo ocidental pós-Guerra Fria distraiu-se com a Rússia nestes últimos 30 anos. Permitiu que o informalismo das relações pessoais se sobrepusesse ao formalismo de acordos escritos que evitassem zonas cinzentas aproveitadas no futuro. Foi desvalorizando alguns conflitos congelados que, também eles, renasceriam das cinzas assim que o momento estratégico exigisse um qualquer passo letal. E, sobretudo, abriu os braços a todos os que assentassem fortunas nas vibrantes praças de Berlim, Londres ou Paris, fechando os olhos à sua origem. O imobiliário, o futebol, a banca, as telecomunicações, as petrolíferas ou o agroalimentar arregalaram os olhos ao pato-bravismo, à lavagem, à dependência e à escalada de ambições que em nada beliscou os verdadeiros donos do jogo, mais ou menos íntimos de Vladimir Putin, todos servindo o seu maior interesse: penetrar, pacientemente, nas sociedades ocidentais, minando-as, criando dependências, numa passada cínica que a todos convinha. Quando, a partir de 2008, a crise financeira atacou fundamentos do poder ocidental, abrindo crises de coesão graves e expondo novos erros de percurso, Putin invadiu a Geórgia depois de declarar, em Munique, que não contassem com ele para manter a celebração triunfal pós-soviética. Da Geórgia à Crimeia foi um passo. Hoje, está às portas de Kiev.
No caminho, leu bem a oportunidade trazida pela fragmentação partidária na Europa, financiando e doutrinando partidos de franja, sistémicos, à direita e à esquerda, disseminando a mentira em campanhas como o Brexit, as presidenciais francesas, o referendo na Catalunha, o referendo holandês ao acordo comercial entre a UE e a Ucrânia, até ao apogeu nas presidenciais americanas. Foi oferecendo lugares a políticos europeus que estavam na prateleira, cortejando outros no ativo, mostrando a todos que a Rússia estava não apenas de regresso às decisões ocidentais, como nenhuma delas tinha grande alcance se fosse feita contra o Kremlin. Quem semeia procura sempre colher à frente. Poucos foram aqueles que lhe bateram o pé nos últimos 20 anos. Quem o fez, na Rússia, ou está preso ou foi morto.