Parece que é desta que o vírus SARS- CoV-2 nos vai deixar. Todos os dados nos encaminham para esse final anunciado, pelo menos com a forma pandémica que a todos nos confinou, que a muitos amedrontou e que, infelizmente, a alguns roubou a vida. Restam-lhe poucas semanas, segundo os especialistas, e será oportuno fazer um balanço sobre o que correu bem ou mal durante estes dois longos anos:
- O QUE CORREU BEM
- A gestão política da pandemia foi, no essencial, eficaz: liderança partilhada entre governo e presidente da república, sem desencontros, dissensões ou conflitos. Ganhou com isso a confiança dos portugueses, a forma relativamente tranquila como aceitaram um conjunto de medidas inéditas e limitativas da liberdade, a decidida intervenção do governo no reforço do SNS e das suas estruturas. Mas também no apoio que de forma rápida e responsiva deu às empresas, aos trabalhadores de súbito desempregados, à regulação do teletrabalho, à justificação das ausências e da conservação das remunerações, à flexibilidade dos horários, aos benefícios fiscais criados para incentivar o consumo interno na área hoteleira,etc. O país e os cidadãos nunca estiveram à deriva, como ocorreu noutras paragens, e o mérito principal deve ser atribuído às autoridades. A medida desse sucesso foram as últimas eleições legislativas, em que os portugueses avaliaram dois anos de governo em pandemia. Não haveria maioria absoluta do mesmo governo se a grande adversidade que nos assolou não tivesse sido bem combatida.
- A gestão operacional do ministério da saúde respondeu bem aos desafios que estavam colocados: mais profissionais, mais recursos, em camas e meios de prevenção, capacidade do SNS em responder a todas as necessidades, sucesso absoluto na vacinação. A DGS, tão criticada por alguns, teve um trabalho competente e exaustivo, na publicação e atualização de normas essenciais que norteassem a nossa vida individual e coletiva. A ministra da saúde e o seu secretário de estado adjunto não regatearam esforços para manter os cidadãos informados, pugnando sempre por transmitir uma mensagem de tranquilidade e de apelo ao bom senso. As conferências de imprensa diárias foram, de início, importantes e as reuniões do Infarmed um suporte técnico precioso para as decisões do Conselho de Ministros.
- O trabalho dos profissionais de saúde pautou-se por elevados padrões de dedicação e de excelência técnica. Tivemos a pequena vantagem de ter os primeiros casos quando outros países europeus já levavam cerca de dois meses de avanço, com números de internamento e de mortos assustadores. Não internamos todos os casos e não ventilamos logo todas as situações de forte limitação respiratória e isso salvou muitas vidas. Os hospitais públicos revelaram ter recursos e condições técnicas à altura das circunstâncias, calando as vozes mais pessimistas e que logo pediram a intervenção do setor privado.
- O comportamento dos portugueses foi a todos os títulos excecional. Nunca ninguém tinha vivido um cenário tão desconhecido e ameaçador em termos de saúde pública. Nunca ninguém tinha sido coletiva e individualmente privado da sua liberdade de movimentos, das suas rotinas profissionais, do seu tempo de lazer, das suas férias e dos contactos com os seus familiares e amigos. Foi por isso com alguma surpresa que registamos a serenidade e a sujeição generalizada dos portugueses às duras regras do estado de emergência e dos confinamentos duradouros e sucessivos. As imagens de ruas e estradas vazias e da cerca sanitária de Ovar perdurarão na nossa memória como factos inéditos e irrepetíveis. E a adesão ao processo vacinal foi a prova real da determinação e compreensão dos nossos concidadãos perante a adversidade pandémica.
- Muitas autarquias tiveram neste período um grande protagonismo, disponibilizando instalações, inventando novos espaços, colocando, ao serviço de todos, meios de proteção necessários, estabelecendo com o SNS formas de colaboração úteis e eficazes. Muitas juntas de freguesia desdobraram-se em apoios vários a cidadãos idosos e isolados nas suas casas, nas refeições, na entrega de medicamentos, na higiene e limpeza, no acompanhamento ao exterior, etc. Este trabalho, algum menos visível, mas extremamente importante, merece o nosso reconhecimento e gratidão a muitos autarcas e voluntários espalhados pelo país.
- O QUE CORREU MAL
- Os partidos da oposição tiveram, genericamente, um comportamento, no mínimo, ambíguo e muitas vezes de oposição às medidas que as autoridades iam tomando. A realização de manifestações de rua em plena vaga pandémica, as festas partidárias, os jantares sem as regras sanitárias recomendadas, as sardinhadas nos santos populares, ficam como marca da irresponsabilidade e dos péssimos exemplos que foram dados a todos os portugueses. Mas também ficam as notas quanto às votações do estado de emergência na Assembleia da República. Houve quem votasse sempre contra ou se abstivesse, num sinal de luta política quando o assunto era sério e apelava a algum consenso nacional. Importa salientar, como exceção e pela positiva, a frase de Rui Rio logo no início da pandemia, quando, dirigindo-se ao primeiro – ministro no parlamento disse:” … o seu sucesso será o nosso sucesso…”. Palavras premonitórias que, ironicamente para ele, se confirmaram nas eleições de janeiro último.
- A vacinação começou francamente mal, com um plano errado e impraticável. Corrigiu-se a tempo, mas atrasou-se todo o processo. Por outro lado, assistimos a um desenrolar de abusos por parte de dirigentes de instituições públicas e dos setores social e privado, com a vacinação antecipada e sem prioridade dos próprios, dos seus colaboradores e de familiares. Ainda não percebemos bem se houve alguma consequência ou penalização, mas é de imaginar que os brandos costumes e a fraca memória tudo relevem e tudo perdoem.
- Os problemas de assistência nos nossos lares foram desnudados com esta pandemia. Foi aí que os seus efeitos se revelaram mais dramáticos, com forte contágio e muitos óbitos. Todos nos lembramos do que se passou em Reguengos de Monsaraz, com o abandono a que foram votados os residentes do lar da misericórdia, inclusive pelos médicos dos centros de saúde, numa atitude inqualificável suportada e estimulada pelos sindicatos e pela ordem dos médicos. Os lares não estão preparados para prestar cuidados de saúde, pese embora recebam, como residentes, pessoas muito idosas e portadoras de doenças crónicas graves e incapacitantes. Os seus profissionais não têm formação específica para tratar doentes e são insuficientes para os níveis de cuidados que os residentes exigem. É verdade que as mensalidades pagas pelas famílias e pela Segurança Social ficam, regra geral, muito aquém das despesas que seriam necessárias para manter a dignidade da vida diária dos utentes. Os resultados são os esperados: pouca qualidade assistencial e baixo nível nas condições hoteleiras. Esta pandemia foi uma boa oportunidade para repensar todo este setor. Mas parece que ninguém se preocupou mais com o assunto.
- Os doentes não covid foram muito prejudicados com a atenção que o SNS dedicou ao vírus. Muitos serviços foram temporariamente suspensos, quer nos hospitais quer nos centros de saúde, muitos doentes deixaram de ir aos serviços de saúde, por medo ou pelas medidas de confinamento, muitas consultas, exames e cirurgias foram cancelados. Em 2021 iniciou – se uma recuperação das lista de espera, mas sem conseguir compensar toda a pletora de novos doentes que ficaram para trás (menos primeiras consultas nos centros de saúde e nos hospitais, redução significativa nos rastreios de doenças oncológicas, menos exames de diagnóstico, etc.). Não se conhece o impacto destes atrasos, mas exige-se do governo e dos serviços um conjunto de medidas dedicadas a este problema, com determinação e urgência.
- No percurso da pandemia, o governo foi tentando sempre equilibrar medidas de contenção do vírus com a vida social e económica do país, muitas vezes num movimento instável e melindroso. Foi neste sentimento que cometeu o seu maior erro, quando em outubro de 2020, não percebendo a onda que se aproximava a deixou crescer até novembro. E voltou a falhar quando, numa atitude de condescendência para com os convívios familiares do Natal, desconfinou logo a seguir durante algumas semanas. Tivemos aí os piores resultados deste percurso pandémico, com muitos doentes em cuidados intensivos e cerca de 300 mortes diários.
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ÍNDICE SINTÉTICO DE RISCO DA SARS-CoV – 2 (103ª semana – 13 a 19 fev/2022)
O índice sintético de risco desce consecutivamente desde a semana iniciada em 30 de janeiro passado, muito pelo efeito da redução do número diário de novos casos, superior a 72% nas últimas 3 semanas. Mas na última semana reduziram-se também os valores dos outros indicadores (óbitos, doente internados e doentes em UCI). Não tendo, esta semana, informação sobre a percentagem de testes positivos, mantivemos o valor indicado pelo ECDC na semana anterior, o que pode inflacionar o índice. O vírus parece perder impacto de forma consistente em todos os indicadores, sendo a mortalidade o único que inspira preocupação (tivemos cerca de 44 óbitos por dia na passada semana e a linha de tolerância máxima traçada é de 15).
. ÍNDICE: 2,7492 (risco elevado)
. TENDÊNCIA: forte descida (superior a 20%)
. COR DO SEMÁFORO: vermelha
. DIMENSÃO MELHOR: número de doentes em cuidados intensivos
. DIMENSÃO PIOR: positividade dos testes
Os textos nesta secção refletem a opinião pessoal dos autores. Não representam a VISÃO nem espelham o seu posicionamento editorial.